VICE DO LULA

Por vice "menos radical", Lula tirou aliado de Covas do PSDB em 1989

Escolha do desembargador José Paulo Bisol tem similaridade com acordo político que pode tornar Alckmin vice em 2022

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Bisol foi um dos fundadores do PSDB e era aliado do ex-governador Mário Covas, padrinho político de Alckmin - Roberto Parizotti/Instituto Lula

A estratégia de ter o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) como candidato a vice-presidente na chapa presidencial de 2022 não seria uma novidade na trajetória política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar da possibilidade ser remota, há mais de 30 anos, em sua primeira disputa presidencial, Lula optou por um caminho parecido.

Em 1989, quando enfrentou Fernando Collor (então no PRN) no segundo turno, o petista escolheu um integrante do PSDB, aliado do ex-governador Mário Covas, como companheiro de chapa: o desembargador José Paulo Bisol (1928 - 2021).

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A manobra para ter Bisol, um dos fundadores do PSDB, na chapa presidencial do PT envolveu sua saída da sigla tucana e filiação ao PSB. O caminho pode ser traçado por Alckmin, caso ele seja de fato o escolhido como vice no pleito de 2022 (outra possibilidade seria sua filiação ao PSD).

Conhecido por ser um defensor dos Direitos Humanos, Bisol era considerado um nome "menos radical" que Lula, o que poderia garantir maior aceitação junto ao empresariado. O gaúcho foi deputado estadual de 1983 a 1987 e senador pelo Rio Grande do Sul de 1987 a 1995.


As coincidências entre Bisol e Alckmin

- Antigos aliados de Covas: Bisol fundou o PSDB ao lado de Covas e tinha nele um de seus principais aliados na política. Alckmin também foi próximo de Covas e era tido como o “nome de Covas na Câmara" durante a Constituinte. Nas eleições de 1998, Alckmin foi candidato a vice-governador na chapa do padrinho político e assumiu o Palácio dos Bandeirantes após a morte de Covas, em 2001.

- Do PSDB ao PSB: em junho de 1988, Bisol participou da fundação do PSDB e era um dos nomes fortes do novo partido. No mesmo ano, chegou a cogitar a ida ao PDT de Leonel Brizola, mas acertou a ida ao PSB na costura para ser vice de Lula. Alckmin ainda é oficialmente tucano, mas tem na mesa convites do PSB e do PSD. Caso escolha a primeira sigla, a chance de ser vice de Lula aumenta.

- Críticas da esquerda: diversos setores do PT fizeram críticas públicas à escolha de Bisol como candidato a vice. O PV chegou até a se retirar da chapa presidencial. Alckmin também sofre resistência da esquerda e dos movimentos sociais. Como governador de São Paulo, o tucano teve oposição ferrenha da população por sucessivos casos de violência policial e perseguição a professores e movimentos populares.

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Indicação "rachou" esquerda

O convite a Bisol surpreendeu o mundo político e indignou setores do partido, que defendiam que Fernando Gabeira (PV) ocupasse o posto na chapa "Frente Brasil Popular", composta por PT, PV, PSB e PCdoB. Os então vereadores paulistanos Adriano Diogo e Pedro Dallari fizeram críticas públicas a Bisol.



Escolha por Bisol noticiada no jornal Folha de S.Paulo em 1º de julho de 1989 / Reprodução/Acervo da Folha de S.Paulo

Em 1º de julho de 1989, Dallari afirmou à Folha de S.Paulo que a iniciativa havia quebrado a decisão do encontro nacional do PT, que indicou Gabeira, e que esperava que a direção nacional revertesse a decisão. Adriano Diogo disse que “nunca ouviu falar em Bisol” e que o nome do desembargador não atendia a diversidade de forças da Frente Brasil Popular.

Na mesma edição, o então repórter da Folha André Singer afirmou que a escolha era motivada por mais tempo no horário eleitoral para o PT. Segundo ele, os minutos a mais que vinham do PCdoB serviram de barganha para o partido vetar Gabeira. "De posse do tempo na TV, sem o qual a campanha de Lula cairia de dez para cinco minutos diários, o PCdoB teve força para vetar o nome de Fernando Gabeira", escreveu.

"O veto ocorreu por dois motivos: Gabeira não preenche o figurino ortodoxo do PCdoB e o partido se considerou diminuído vendo um membro menor na frente (o PV) ocupar a vice. Como sabe que tem um perfil marcado demais, o PCdoB não tentou impor um candidato seu e sim alguém do PSB que ficaria como meio-termo. Depois de tentar vários nomes (os últimos foram Cristovam Buarque e Evaristo Moraes Filho, que não aceitaram) caíram em Bisol, que topou", concluiu Singer.

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O "racha" com a chegada de Bisol na chapa foi tamanho que o PV retirou o apoio ao PT no pleito. A decisão também foi motivada por uma declaração preconceituosa do então presidente nacional da CUT, Jair Meneguelli, sobre Gabeira. Segundo o sindicalista, o ex-guerrilheiro foi preterido do posto por conta de sua "imagem de homossexual". A candidatura solo de Gabeira não decolou e teve apenas 0,19% dos votos.

A escolha por Bisol foi sacramentada em 7 de julho, em convenção do PT, cerca de quatro meses antes do primeiro turno. A “guinada ao centro” com o desembargador na chapa visava frear o avanço de Collor, que havia disparado nas pesquisas eleitorais no fechamento do primeiro semestre de 1989.

No final de abril, o DataFolha apontava empate técnico entre Leonel Brizola, do PDT (13%), Lula (12%) e Collor (14%). No final de junho, o instituto mostrou que Collor subira 28 pontos percentuais, chegando a 42%, criando larga vantagem em relação a Brizola (11%) e Lula (7%). O candidato petista só ultrapassou Brizola, segundo as pesquisas, em outubro, a um mês da eleição.


Evolução das pesquisas eleitorais feitas pelo Instituto Datafolha nas eleições presidenciais de 1989 / Reprodução/DataFolha

Apesar da derrota no segundo turno diante de Collor, o então senador gaúcho foi convidado novamente para ser vice na chapa presidencial, em 1994. Uma reportagem da Folha, de 30 de abril daquele ano, mostra que a intenção foi comunicada por Lula em um café da manhã na casa de Bisol, em Brasília.

A reportagem ainda descreve que “depois de Lula, Bisol foi o mais aplaudido” na abertura do 9º Encontro Nacional do PT. O novo casamento, contudo, não prosperou, devido a acusações de que Bisol havia superfaturado o valor de suas terras para conseguir financiamento e que tinha dívidas atrasadas junto ao Banco do Brasil.

O escolhido para o posto em 1994, no lugar de Bisol, foi o petista Aloizio Mercadante. Com apoio de Lula, venceu uma disputa com Eduardo Suplicy, com Célio de Castro (PSB), então vice-prefeito de Belo Horizonte, e com Roberto Freire, do PPS. A chapa “puro sangue” do PT naufragou. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) venceu no 1º turno, com 54,2% dos votos. Lula teve 27,1%.

"Guinada ao centro"

As sinalizações do PT ao centro político a partir da escolha de vices nas candidaturas presidenciais voltaram a ocorrer em 2002 e 2006, com José Alencar (PL), e, em 2010 e 2014, com Michel Temer (MDB). Em 2022, Lula pode repetir o movimento.

Nesta quarta-feira (17), o Brasil de Fato mostrou que a indicação de Alckmin para o posto esbarra em divergências dentro do próprio PT. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu afirmou, no Podcast Três Por Quatro, que prefere uma mulher negra. O presidente do PT de São Paulo, Luiz Marinho, defendeu a escolha do ex-governador.

Na segunda (15), em entrevista coletiva concedida na sede do Parlamento Europeu, na Bélgica, Lula comentou a possibilidade de dividir a chapa com Alckmin em 2022. 

“Eu não estou discutindo vice ainda porque não discuti a minha candidatura. Quando eu decidir, aí eu vou sair a campo para encontrar alguém para ser vice”, disse o petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o pleito do ano que vem. De acordo com estudos, o favoritismo é tamanho que ele pode até mesmo ganhar a eleição no primeiro turno.

Lula não negou, contudo, que o tucano pode ser escolhido para ocupar o posto. Na mesma entrevista, elogiou o ex-governador paulista: “Eu tenho uma extraordinária relação de respeito com Alckmin, eu fui presidente quando ele foi governador, nós conversamos muito. Não há nada que aconteceu entre mim e Alckmin que não possa ser reconciliado”.

Quem foi José Paulo Bisol

José Paulo Bisol nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 22 de outubro de 1928. É filho de Fortunato Bisol e de Maria Rossato Bisol. Casou-se com Iolanda Bisol, com quem teve três filhos, Tula, Ricardo e Jairo. Tem nove netos e um bisneto. “Sempre fui um rebelde. Quer dizer, sempre estive em desacordo com o mundo. Estou sempre do lado de lá do comum das coisas. Eu não tenho ajuste. Nunca tive”, declarou em uma entrevista ao Sul21, em 2011.

De acordo com bibliografia disponível no CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Bisol se formou em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Porto Alegre em 1954. Dois anos depois, iniciou longa carreira na magistratura gaúcha, sendo mais tarde promovido a juiz de direito, função que exerceu na capital gaúcha e em várias cidades do interior do estado.

Iniciou sua carreira política em novembro de 1982, quando concorreu a uma cadeira de deputado estadual na legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Eleito, foi empossado na Assembleia Legislativa gaúcha em fevereiro de 1983, tornando-se vice-líder da bancada de seu partido e vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Em 1986, foi eleito líder do PMDB e assumiu a presidência da Comissão de Constituição e Justiça.

No pleito de novembro desse mesmo ano, candidatou-se a senador constituinte pelo Rio Grande do Sul, sempre na legenda peemedebista. Eleito com o apoio da Rede Brasil Sul de Comunicações, assumiu sua cadeira em fevereiro de 1987, logo após ter concluído o mandato estadual, quando tiveram início os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Foi relator da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, além de membro da Comissão de Sistematização.

Em junho de 1988, ingressou no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que foi criado naquele mês reunindo sobretudo parlamentares egressos do PMDB descontentes com as posições da cúpula peemedebista na Constituinte. Promulgada a nova Carta Constitucional em 5 de outubro seguinte, voltou-se para os trabalhos ordinários do Senado Federal.

Em junho de 2000, filiou-se ao PT. Entre 1999 e 2002 foi secretário de Justiça e Segurança Pública no governo de Olívio Dutra (PT), no Rio Grande do Sul. Uma gestão marcada pela tentativa de desmilitarizar e integrar as polícias em um único sistema, perseguição da mídia e de corporações militares, mas lembrada por episódios que expressam fielmente seu caráter, sobretudo pelo episódio em que abraçou o sequestrador de uma van que pediu a presença de um representante do governo para mediar a negociação com a Brigada.

Longe da política desde o fim de sua gestão na Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Rio Grande do Sul, em 2002, Bisol ainda é lembrado como o secretário processado pela polícia gaúcha por denunciar corrupção dentro da corporação. Mas, em três ações cíveis, 141 delegados de Polícia e dois oficiais da Brigada Militar, tiveram negado o pedido de indenização por danos morais.

Bisol morreu em 26 de junho de 2021, em decorrência de uma falência múltipla dos órgãos.

Edição: Thales Schmidt