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Agroecologia no Pará: construção coletiva de planos municipais movimenta cidades

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As agricultoras Josinéia Veloso Demétrio e Marilene da Silva Lopes, mostram os frutos do trabalho em frente da Feira de Produção Agroecológica e Economia Solidária de Cametá - Janaína Pinto
Ecossistema político local se articula para municipalizar as políticas nacional e estadual

Por Janaína Pinto*

 

Organizações de base comunitária, cooperativas e sindicatos rurais das cidades paraenses de Cametá e Igarapé-Miri se organizam para consolidar planos municipais de Agroecologia e Produção Orgânica. Em região de intensa agricultura familiar, a iniciativa visa mais engajamento da sociedade civil na elaboração de políticas públicas municipais que buscam a melhoria da qualidade de vida camponesa e o aumento da produtividade, a partir do fortalecimento de estratégias sustentáveis.

Cametá e Igarapé-Miri são importantes cidades do Território do Baixo Tocantins Paraense. A região, formada por 11 municípios, possui mais da metade da sua população vivendo na zona rural e é conhecida como a maior produtora de açaí do mundo. Incrustadas na Amazônia paraense, as cidades ribeirinhas fervilham diuturnamente com carregamentos do fruto arroxeado da floresta. De acordo com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), mais de 65% das 1,4 milhões de toneladas de açaí produzidas no Pará, em 2020, vieram da região. 

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No entanto, a diversidade de culturas cultivadas em pequenas propriedades é a verdadeira riqueza local. Nas margens do rio Tocantins, a população vive da floresta, do roçado, da criação de animais e da pesca em água doce. "A agricultura familiar sustenta e alimenta boa parte da nossa população", aponta o vereador e ex-presidente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Cametá, Benedito Nunes, mais conhecido como Bitinho do Sindicato.

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Práticas sustentáveis de plantio, como os sistemas agroflorestais (SAFs), são conhecidas pelas agricultoras e agricultores de Cametá e Igarapé-Miri, que contam também com a assessoria técnica de organizações da sociedade civil que atuam na região. Na frente de fomento dos SAFs e da transição agroecológica no Baixo Tocantins, a Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC) é peça-chave. São em torno de duas mil famílias acompanhadas pela equipe, através da formação de pessoas multiplicadoras de práticas sustentáveis nas comunidades rurais. "A APACC nasceu em Belém, com o propósito de contribuir para diminuição da pobreza nas periferias urbanas. Mas logo percebeu que grande parte das pessoas em situações vulneráveis na capital migrava daqui. Por isso, veio atuar onde o problema surgia", relata Franqui Souza, coordenador da APACC.

Na comunidade de Ajó, a menos de cinco quilômetros do centro de Cametá, as mulheres da Associação Agroextrativista de Moradoras e Moradores do Ajó (AMA) são testemunhas da eficiência dessa estratégia. No início dos anos 2000, elas eram minoria na associação. Com as conversas sobre agroecologia, começaram a perceber como os quintais das casas produziam mais frutas do que as famílias conseguiam comer.

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"Não existia o costume de olhar para as árvores frutíferas. A produção focava em pimenta, frango, peixe e maracujá. Então, manga, acerola, taperebá, caju, tudo se estragava", lembra a agricultora Sílvia Marques de Souza, de 43 anos. Com a assessoria da APACC e da Rede Jirau de Agroecologia, as mulheres passaram a produzir juntas, e logo começaram a fornecer para o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), a partir de 2009, e para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a partir de 2019.


Mulheres da Associação Agroextrativista de Moradoras e Moradores do Ajó (AMA) produzem bolos, biscoitos, pães artesanais e polpas de frutas e distribuem os produtos através do PNAE e PAA / Janaína Pinto

Mais saúde nas escolas

A mudança na vida das mulheres de Ajó contribuiu também para transformações nos hábitos alimentares de centenas de estudantes. "Quando começamos com a alimentação do PNAE, as alunas e os alunos sentiam falta de açúcar. Então, a gente chamou a AMA para explicar como a comida era feita, e as reclamações acabaram. Hoje, a merenda é mais saudável, e os estudantes gostam", relata Aldrin Mário Benjamin, diretor-geral do Instituto Federal do Pará (IFPA), campus de Cametá.

É essa multiplicidade de atores locais que movimenta as tramas agroecológicas de Cametá e Igarapé-Miri. Juntos, constituem a Rede Jirau de Agroecologia e estão trabalhando pelo aprofundamento das políticas públicas municipais de investimento em tecnologia, infraestrutura e metodologias de produção de agricultura familiar sem veneno. Composta por mais de 40 organizações, como cooperativas, associações de base, movimentos populares e instituições do poder público, a rede atua em vários municípios do Território do Baixo Tocantins.

No âmbito dos governos locais, a recepção tem acontecido por meio das secretarias municipais de Agricultura. "Existe uma sensibilidade sobre o tema, mas precisamos sistematizar o que temos antes de pactuar cronogramas. Quais as vantagens comparativas dos produtos locais, que mercados podemos acessar, quais as vantagens econômicas da agroecologia em comparação com a agricultura convencional. São perguntas que precisamos procurar responder", aponta o secretário de Agricultura de Cametá, José Raimundo Pompeu Portinho.

Enquanto as etapas formais do diagnóstico local são cumpridas, a Feira de Produção Agroecológica e Economia Solidária de Cametá existe há mais de 17 anos. Hoje, ela ocupa a Praça Joaquim Siqueira, ou Praça das Mercês, nas manhãs de sábado. "Estou aqui desde 2004. Antes, só plantava mandioca. Hoje, até laranja eu colho. Minha renda melhorou muito depois que aprendi a variar a plantação e fazer parte da feira. Ainda prefiro a roça, mas gosto de vender meus produtos também", compartilha Nivaldo dos Santos, agricultor de 56 anos, da comunidade de São Francisco, no distrito de Juaba, Cametá.

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A esfera nacional e estadual

A incidência no Baixo Tocantins dialoga com a Política Nacional da Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), de 2012, e a Política Estadual de Agroecologia, Produção Orgânica e da Sociobiodiversidade (Peapos), de 2020. 

Desde o lançamento da Pnapo, municípios de diversas regiões têm uma base nacional para provocar o debate local acerca da importância da transição agroecológica para um futuro sustentável, que alia o desenvolvimento rural com a conservação dos recursos naturais e a valorização do conhecimento dos povos e comunidades tradicionais.

 

*Janaína Pinto é Comunicadora popular da Articulação Nacional de Agroecologia.

**Acompanhe a coluna Agroecologia e Democracia. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de diálogo e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em iniciativas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de sistemas alimentares. Leia outros artigos.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo