LIBERTADORES

"Mais que um jogo": quem são os torcedores que lutam por Palmeiras e Flamengo mais democráticos

Clubes mais vitoriosos do país nos últimos anos se enfrentam na final da Libertadores e têm desafios comuns na política

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ocupa Palestra e Flamengo da Gente são exemplos de grupos que atuam politicamente no futebol - Divulgação

A final da Libertadores da América neste sábado (27), às 17h (horário de Brasília), que será disputada por Palmeiras e Flamengo, coloca em confronto os dois times que mais acumularam títulos no futebol brasileiro nos últimos cinco anos.

Os palmeirenses conquistaram a última edição da competição continental, em 2020, são os atuais campeões da Copa do Brasil e recentemente ganharam duas vezes o Campeonato Brasileiro (2016 e 2018). Os flamenguistas, por sua vez, venceram a Libertadores em 2019 e os Campeonatos Brasileiros de 2019 e 2020.

As coincidências entre os dois clubes, contudo, não são apenas esportivas. Palmeiras e Flamengo também vivem momentos similares na política, com a eclosão de coletivos e movimentos que lutam por mais democracia interna e pela popularização de seus estádios.

A proximidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também é uma das questões enfrentadas por grupos dos dois lados.

Em dezembro de 2018, o então mandatário eleito ergueu a taça do Brasileirão, de dentro do campo, com os jogadores do Palmeiras. O episódio causou ruídos no clube e em setores da torcida. Desde então, diretoria e torcida evitam ao máximo qualquer sinalização ao chefe do Executivo.

Apesar de se declarar palmeirense, Bolsonaro faz gestos a dezenas de outros clubes. Até dezembro do ano passado, ele havia feito aparições públicas com camisas de 81 clubes diferentes, segundo levantamento feito por Victor de Leonardo Figols, doutorando em História na Universidade Federal do Paraná e editor do Ludopédio.

A relação de Bolsonaro com o Flamengo, porém, também é especial – e tem se intensificado, com objetivos eleitorais. Nesta sexta-feira (26), Bolsonaro afirmou que vai torcer para o time rubro-negro diante daquele que dizia ser o seu time do coração.

“Antes de agradecer a qualquer coisa, assim como falei em 2019 e deu certo: amanhã somos todos Flamengo!”, exclamou o presidente.

Em agosto, o Brasil de Fato mostrou que vazou na imprensa a informação de que o presidente do clube carioca, Luiz Rodolfo Landim, disse que trabalhará para ajudar Bolsonaro em uma possível campanha para a reeleição em 2022, com doações e votos.

A reciprocidade parece ser verdadeira. A interlocutores em Brasília (DF), o presidente já manifestou o desejo de ter o flamenguista como candidato à vice-presidência em sua chapa, em 2022.

Hélio Lopes (sem partido-RJ), amigo de Bolsonaro e figurante de diversas agendas do presidente, também recebeu uma camiseta. O vice-presidente Hamilton Mourão foi homenageado pelo clube e recebeu o título honorário do Flamengo, em evento na Gávea, sede do time.

Primavera palmeirense: explosão de movimentos

Desde 2014, diversos grupos, coletivos e movimentos se organizaram entre torcedores do Palmeiras para atuar polticamente. Os três mais conhecidos são o Ocupa Palestra, o Porcomunas e o Palestra Sinistro.

O Brasil de Fato conversou com Wanderley Laurino, que atua na coordenação do Ocupa Palestra e integra os outros dois grupos.

Apesar da ansiedade e do nervosismo que vive em função da final deste sábado, Laurino conversou com a reportagem sobre a história e a importância da mobilização que está sendo construída por torcedores. Segundo ele, os movimentos ganharam intensidade a partir de 2016.

"O Porcomunas é o mais antigo. Surgiu a partir de uma brincadeira entre amigos e, com o advento do impeachment da Dilma [Rousseff (PT), ex-presidente da República], a gente achou que era necessário a gente atuar mais próximo da coletividade palmeirense e do país, de maneira geral", explicou.

"Logo depois, ainda em 2016, fecharam a Rua Turiassú [em frente ao estádio, ocupada por torcedores com ou sem ingresso antes e durante as partidas do Palmeiras] e aí veio o Ocupa. A pauta principal era a desobstrução da rua, porque hoje é proibido entrar na rua em dias de jogos quem não tem ingresso do portão. O direito de ir e vir é totalmente ignorado."

O grupo Palestra Sinistro é mais recente e surgiu no contexto das manifestações contra Bolsonaro: "Em maio do ano passado, lançamos um manifesto anunciando o comparecimento às ruas em um ato dos coletivos de futebol na Avenida Paulista, no dia 14 de junho".

A popularização das arquibancadas no Allianz Parque, arena do Palmeiras inaugurada em 2014, também é central na atuação dos grupos, segundo Laurino. "'Ingresso caro, não!' é uma das nossas bandeiras".

Laurino ainda comentou a vitória da empresária Leila Pereira na eleição para a presidência do Palmeiras. Ela será a primeira mulher a presidir o clube.

Candidata única nas eleições realizadas na tarde do último sábado (22), a proprietária da Crefisa inicia oficialmente o mandato em 15 de dezembro para o triênio 2022-2024.

Batizada de “Palmeiras de Todos”, a chapa encabeçada por Leila e apoiada pelo atual presidente Maurício Galiotte foi a única a se inscrever para participar das eleições presidenciais, já que a oposição decidiu não lançar candidatura. "Eu fui voto vencido", diz Laurino, que apoiava uma chapa ligada ao Ocupa Palestra na eleição.

"No Ocupa, a gente acha ruim qualquer eleição que tenha chapa única. Isso é ruim para a democracia. Eu acho que rebaixa o debate. Quanto mais democracia, melhor. Seria importante a gente ter outras outras candidaturas e opiniões", afirmou.

Um dos integrantes do grupo que foi eleito para o Conselho do clube, o advogado Luis Fernando apontou, em publicação nas redes sociais, que há um grave conflito de interesses em uma executiva da principal patrocinadora assumir o comando do Palmeiras.

"O conflito de interesses instituído é problema gravíssimo e vamos ter que lidar com ele. [...] Precisamos de oposição forte, até porque, como eu disse acima, nosso conselho não tem agido de maneira independente", afirmou.

Flamengo de quem?

"A democracia começa pelos mulambos e mulambas." É com esse lema que o grupo Flamengo da Gente foi criado, em 2017, reunindo torcedores que integravam movimentos sociais e com trajetórias de atuação política para disputar as esferas de poder e espaços de tomada de decisão do clube carioca.

"Queremos o Flamengo com o maior colégio eleitoral entre todos os clubes brasileiros, o Flamengo com mecanismos que incentivem a participação política a distância nos processos eleitorais e nas deliberações dos Conselhos (exceto em questões sigilosas), o Flamengo transparente, sem controle de narrativa por meio de porta-vozes semioficiais", afirma o grupo.

Em paralelo à final da Libertadores, o Flamengo vive os últimos instantes antes do processo eleitoral que pode levar novamento ao cargo o atual presidente Rodolfo Landim. Em decisão publicada na segunda, o grupo Flamengo da Gente (que não tem chapa na disputa), teve uma grande derrota.

Uma das principais bandeiras do grupo, a possibilidade dos sócios votarem à distância foi vetada pelo desembargador José Roberto Portugal, que acatou o recurso da diretoria e concedeu efeito suspensivo à determinação anterior, que previa a convocação de novo pleito presidencial do clube com a garantia do voto remoto.

Dessa forma, a eleição do Flamengo, a ser realizada em 4 de dezembro, será com votação apenas presencial, na Gávea, das 8h às 21h.

Pandemia e Bolsonaro

Durante a pandemia, o Flamengo foi o clube brasileiro que mais defendeu a abertura dos estádios aos torcedores. A campanha teve apoio irrestrito de Bolsonaro.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia do coronavírus no dia 11 de março de 2020. Três meses depois, o futebol estava suspenso no país. Inconformado com a medida, o Flamengo enfrentou o vírus e voltou aos treinos clandestinamente, escondido da prefeitura e do governo do Rio de Janeiro, que haviam proibido as atividades.

Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Instituto de História da UFF e pesquisador da História do Desporto, Renato Coutinho diz que é importante separar a massa flamenguista, maior torcida do país, dos propósitos de Landim.

"A diretoria atual do Flamengo tem uma proximidade ideológica com o Bolsonaro, eu concordo. Mas o clube é composto por sócio-torcedor, por sócio-patrimoninal, por torcedores comuns e por torcedor organizado. Somente aí, nesse grupo de atores políticos, não encontramos homogeneidade”, explica Coutinho.

O pesquisador lembra que “assim como Bolsonaro veste a camisa do Flamengo, Freixo também” e que o clube, assim como outros, está sempre em disputa. Porém, Coutinho pondera que se o governo tem utilizado o Flamengo, o oposto também ocorre.

“Então, estamos falando da diretoria do Flamengo. Eu não tenho como garantir para você a composição ideológica do Flamengo. Mas, como você destacou, em todos os exemplos, é evidente que o Flamengo se aproximou do governo Bolsonaro”, argumenta Coutinho.

O Brasil de Fato tentou durante dias, por meio de várias maneiras diferentes, falar com integrantes de grupos que atuam no Flamengo. Além do Flamengo da Gente, a reportagem acionou a Frente Antirracista e o Flamengo Antifascista. Não houve resposta.

Edição: Leandro Melito