Artes Plásticas

Xilogravura: uma técnica que nasceu na China, mas é a cara do Brasil

Xilógrafos contam que agora as pessoas compram gravuras para emoldurar e colocar na sala de casa

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As xilogravuras do baiano Pita Paiva retratam cenas do cotidiano sertanejo, como o trabalho na casa de farinha - Pita Paiva
O destaque são as lendas brasileiras como a Iara e o Curupira, e as lutas sociais

Habilidade, delicadeza e muita paciência. Para fazer xilogravura, não pode ter pressa. Tudo começa com o desenho, que em seguida é entalhado num pedaço de madeira, chamado de matriz. Quando o entalhe está pronto, a matriz recebe uma camada de tinta, e aí vem a hora da impressão. Quem dá mais detalhes do processo é a xilógrafa e cordelista Nireuda Longobardi.

“Tem que lembrar que quando passa o desenho pra madeira, ele tem que ser espelhado. principalmente se vai escrever o nome de uma pessoa, tem que ser ao contrário. porque quando você faz a impressão, aí é que sai com o nome correto”, explica.

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Nas gravuras de Nireuda, o destaque são as lendas brasileiras como a Iara e o Curupira, e as lutas sociais, em especial a luta das mulheres. Artista experiente, ela compartilha um outro detalhe da técnica:  

“Quando você pega uma placa de madeira, muitas vezes através dos veios dela, você já enxerga o desenho. Tem uma delas que eu enxergava um pássaro. Tinha um nó que era o olho do pássaro. Então eu esculpi o pássaro aproveitando aquele desenho que eu enxergava”, conta.


A luta das mulheres um dos tema recorrente nas xilogravuras de Nireuda Longobardi / Nireuda Longobardi

A primeira xilogravura com registro datado é uma peça chinesa do século 9, com a oração “Sutra do Diamante”. No Ocidente, a técnica se difundiu durante a Idade Média, para a reprodução de imagens de caráter religioso, como imagens de santos.

Quem conta mais dessa história é Antonio Costella, diretor do Museu Casa da Xilogravura. Ele relata que as primeiras obras eram de fundo religioso.

“Na sequência, ali no século 13 e 14, usou-se muito xilogravura para fazer cartas de baralho. Então eu costumava dizer pros alunos que a xilogravura veio para servir a deus e ao diabo. Quando aparece a tipografia, que é de certo modo filha da xilogravura, as duas vão trabalhar juntas. Então para ilustrar um livro, a imagem vai ficar em cargo da xilogravura, enquanto o texto vai ser feito pela tipografia com tipo metálico”. 

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O Museu Casa da Xilogravura fica em Campos do Jordão, no interior de São Paulo. Ele abriga obras de mais de 1750 artistas do mundo todo. Três salas são dedicadas exclusivamente à xilogravura de cordel. Aqui no Brasil, as duas coisas são quase indissociáveis. 

Foi através desses livrinhos vendidos nas feiras do Nordeste que o artista Pita Paiva teve seu primeiro contato com a xilogravura. Quando ele tinha uns 6, 7 anos, o pai comprava cordéis todo sábado de manhã, e a família passava a tarde toda lendo. 

“Um dos cordéis que me marcou muito foi o ‘Pavão Misterioso’, sobretudo pela gravura que tinha do pavão com um casal de namorados, e o pavão cortando os céus. Essa imagem me marcou muito”.

Morador de Uibaí, no sertão da Bahia, Pita retrata cenas da vida local.  

As primeiras xilogravuras minhas a se destacarem foram xilogravuras retratando as casas de farinha e engenhos de rapadura, que são realidades aqui da nossa região. A figura humana no seu trabalho acho que é a presença mais constante nas minhas xilogravuras, e também os festejos.


Museu Casa da Xilogravura, em Campos do Jordão (SP), reúne obras do mundo todo - três salas são voltadas à xilogravura de cordel / Museu Casa da Xilogravura

A tradição da xilogravura segue forte no Brasil, e ganha mais espaços, como aponta Nireuda Longobardi. 

“Se você participa de alguma feira, geralmente as pessoas vão pra comprar, emoldurar e colocar na parede. Você vê também a xilo em objetos. Em canecas, em pratos e até na estamparia: em roupas, capas de CD. A xilo está sendo muito utilizada não só em capas de livros e cordéis, mas em várias outras superfícies”. 

Pita conta que vai toda semana ao correio enviar xilogravuras que os compradores querem colocar na parede da casa. E é através das redes sociais que ele faz o contato com o público. 

“Todos os dias as pessoas, sobretudo através do Instagram, entram em contato comigo. Seja pra participar de lives, seja pra pedir opinião: ‘olha meu filho tá desenhando, você acha que um dia ele pode fazer xilogravura?’”     

Quem quiser acompanhar o trabalho de artistas e até fazer uma encomenda, basta segui-los no Instagram. O da Nireuda é @nireudalongobardi, e o do Pita é @pitapaiva20.

Edição: Letícia Viola