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Anastasia pedala até o TCU

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"Senador tinha conhecimento jurídico sobre as ilegalidades do impeachment, o que torna ainda mais grave sua atuação" - Foto: Agência Brasil
Anastasia não comprometeu apenas sua biografia, mas a democracia brasileira

O senador Antonio Anastasia (PSD-MG) é o novo ministro do Tribunal de Contas da União. Venceu no plenário a disputa com os senadores Kátia Abreu (PP-TO) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e, em seguida, teve seu nome aprovado pela Câmara dos Deputados. Ele ocupa o lugar de Raimundo Carreiro, que assume a Embaixada do Brasil em Portugal. O senador mineiro fica com a vaga da cota do Senado. O cargo é vitalício e o salário está no patamar máximo do serviço público, em torno de R$ 37 mil por mês. Aos 60 anos, tem pelo menos 15 anos de sinecura pela frente.

Anastasia pedalou muito para chegar ao TCU. Nome do bolso do colete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), colhe, em torno de cinco anos depois, a última parcela devida pelos serviços prestados no impeachment de Dilma Rousseff. Foi de sua lavra o longo relatório, de mais de 400 páginas, que pedia ao Senado a aprovação da admissibilidade do processo contra a presidente. Ele foi indicado para a tarefa por Aécio Neves (PSDB-MG), que sempre o tratou como uma espécie de reserva técnica ou despachante de seus interesses.

Tudo para dar vez ao ódio aecista pela derrota nas urnas

Anastasia coordenou a campanha de Neves ao governo de Minas, inventando para isso o artifício do choque de gestão, a grande estratégia de marketing do tucano. Foi vice de Aécio, assumiu o governo no último ano de governo e se reelegeu para cumprir um mandato inexpressivo e antipopular. Com jeito de bom moço, foi uma espécie de coringa do conservadorismo em Minas Gerais desde o governo de Hélio Garcia. Atuou no planejamento e gestão, segurança pública, administração, recursos humanos e cultura. Era só chamar.

“Meu garoto”

Como um carimbo burocrático umedecido com a tinta da pretensa competência técnica e da ética, Anastasia era a face menos comprometedora de Aécio Neves. Uma espécie de “meu garoto”, que com o passar do tempo foi se tornando cada vez menos autônomo e menos garoto. Com sua atuação na Comissão do Impeachment, rasgou de vez a fantasia.

Escolhido a dedo por seu mentor para dar ao Senado um sinal verde para afastar a presidente num julgamento político, Antonio Anastasia não tinha à frente um desafio intelectual, jurídico ou ético. Era tudo parte do pagamento de uma dívida pessoal pelo projeto infantil de ser aceito no mundo dos adultos como um igual. Sua autoimagem sempre foi de um homem sem carisma e sem maturidade. Aécio deu a ele acesso a essas duas fantasias de um ego frágil. Toda gratidão era pouca.

O senador mineiro, mais uma vez, não é senhor de seu destino

Ao comprar a farsa das pedaladas fiscais e aprofundar o pedido de impeachment apresentado por Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior com uma argumentação ideológica disfarçada de tecnicalidades, Anastasia não comprometeu apenas sua biografia, mas a democracia brasileira. Entregou ao Senado um salvo conduto para processar Dilma Rousseff, lavando suas mãos. Tudo para dar vez ao ódio aecista pela derrota nas urnas. Não há como deixar de reconhecer a cultura jurídica do senador, o que torna ainda mais grave sua atuação: ele sabia o que estava fazendo.

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As cadeiras nos tribunais de contas têm sido consideradas historicamente como prêmios pelos serviços prestados por políticos compassivos. O que desmerece tanto os tribunais nas diferentes instâncias de governo, quanto os titulares que assumem suas cadeiras. Mesmo com a importante função de zelar pela condução orçamentária e financeira e atuar no aprimoramento da administração pública, os tribunais de contas são mais conhecidos pelas nababescas condições de trabalho de seus integrantes. Curiosamente, o TCU passou a merecer mais respeito exatamente pela rejeição das contas da ex-presidente da República: quando se orgulhou de ter dado uma resposta técnica, evidenciou seu papel na farsa do golpe.

Candidato do clã Bolsonaro

O senador mineiro, mais uma vez, não é senhor de seu destino. Sua indicação por Rodrigo Pacheco e a vitória contra seus colegas de Senado na votação em plenário precisam ser contabilizadas a partir do que se espera dele na função de ministro do TCU. Não é um acaso que os filhos de Bolsonaro tenham entrado na peleja, já que prestação de contas do uso de recursos públicos não é propriamente algo fácil para 01, 02 e 03, sem falar no cartão corporativo de 00.

Antonio Anastasia pode não ter sido a primeira escolha do clã, mas sua nomeação não deixa de amenizar o risco da indicação de Kátia Abreu, adversária do presidente e dos filhos. Pacheco pode não ser a melhor aliança para o bolsonarismo nesse momento, mas é mais confiável que Renan Calheiros e sua influência quase cativa no tribunal. Como se vê, Anastasia se mantém instrumento do jogo de poder dos outros, do qual só participa por proximidade e confiança no desempenho de tarefas, nunca por protagonismo.

Anastasia está no TCU porque sempre fez o serviço sujo

É urgente debater o papel dos tribunais de contas e dos outros órgãos de controle do Estado, como sua independência, formação de quadros e primazia das indicações técnicas. A chegada de Anastasia ao TCU não contribui em nada para isso. Ele está lá porque sempre fez o serviço sujo. Sua competência, inegável, só não é maior que sua gratidão a quem sempre o acolheu em seus projetos de poder. Sua cadeira de ministro do Tribunal de Contas da União é a paga por essa desonra.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida