Plano de Poder

O que representa André Mendonça no STF para os evangélicos?

Movimento entre religiosos de ocupar os espaços de poder é anterior à ascensão nacional de Bolsonaro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Um ministro “terrivelmente evangélico” no STF era a dívida que o capitão reformado tinha com os evangélicos que o apoiaram nas eleições presidenciais de 2018 - Divulgação/Twitter/André Mendonça

O ex-advogado-geral da União, André Mendonça, toma posse do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (16). O tempo para ser nomeado para a Corte levou quatro meses diante da resistência do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), para marcar a sabatina do ex-ministro da Justiça. 

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O processo demorou tanto que nos bastidores corre a informação de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a cogitar a possibilidade de indicar outro nome para a vaga de Marco Aurélio Mello, o do atual procurador-geral da República Augusto Aras.

A manutenção do nome de Mendonça por quatro meses se deu graças ao trabalho de base feito no Senado Federal não por Bolsonaro, mas pela bancada evangélica, a parte mais interessada em construir um espaço dentro dos três poderes. 

Um ministro “terrivelmente evangélico” no STF era a dívida que o capitão reformado tinha com esse setor da sociedade que o apoiou nas eleições presidenciais de 2018. A disputa pelo espaço político pelos evangélicos, no entanto, é anterior à ascensão de Bolsonaro ao cenário nacional.  


O presidente Jair Bolsonaro escolheu o ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, André Mendonça, para vaga no Supremo / Evaristo Sa / AFP

Os evangélicos nos espaços de poder 

Delana Corazza, cientista social e pesquisadora do Observatório sobre os neopentecostais na política do Instituto Tricontinental, explica que a inserção desse segmento religioso nas esferas de poder começa com o avanço do neopentecostalismo no Brasil a partir da década de 1980.  

“Antes havia uma narrativa muito forte de que evangélico não se mete em política. Depois, a partir da década de 1980, esse discurso muda para ‘irmão vota em irmão’”. É neste momento em que se tornou explícito o projeto de “inserção dos evangélicos não só nos debates dentro da família ou da Igreja, mas no campo político, cultural e educacional”.  

O pastor e coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito Ariovaldo Ramos explica que “o movimento especificamente começa na ditadura militar, quando os evangélicos de direita e fundamentalistas se aproximam da ditadura e perseguem os seus congêneres".

"Intensifica-se no governo Sarney [de 1985 a 1990], com uma diferença: na ditadura era essa sanha anticomunista que toma conta de forma insana de grande parte das lideranças evangélicas, mas já no caso do Sarney, era para amealhar concessões midiáticas”, explica.  

::Domínio da fé e da política: o projeto de poder dos líderes evangélicos no Brasil::

É o que Delana Corazza afirma sobre uma aproximação um tanto fisiológica. Isso significa que, por exemplo, “se o PT está no poder, ela [a bancada evangélica] dá uma balançada ali para se inserir no espaço independentemente de quem esteja”.

É nesse jogo de interesses, portanto, em que se estabeleceu a aliança entre Bolsonaro e os evangélicos, principalmente os neopentecostais. 

Nesse sentido, o pastor Ariovaldo Ramos afirma que Bolsonaro, com objetivos eleitorais “retoma esses interesses espúrios, vai achar esse grupo de líderes que têm esses mesmos interesses e vai se apropriar, então, de uma série de mentiras que foram semeadas entre os evangélicos, por exemplo, a ojeriza ao movimento de esquerda e a homofobia”. 

A quebra do Estado laico 

Para Ramos, a partir deste movimento, a posse de Mendonça representa a quebra do Estado laico justamente por levar a ideia do “terrivelmente evangélico” para dentro do STF, que, por sua vez, tem o objetivo de garantir a constitucionalidade das leis.   

“Do meu ponto de vista, nós estamos em retrocesso. O Brasil foi um Estado confessional até a Proclamação da República. Nesse tempo, todos nós que não éramos da confissão dominante, que no caso era a Igreja Católica Apostólica Romana, sofríamos perseguições de toda sorte e de toda ordem. Tivemos igrejas apedrejadas, pastores detidos e alguns, inclusive, mortos. Não podíamos enterrar os nossos. Não podíamos registrar os nossos filhos. Não podíamos celebrar no Estado os nossos casamentos. E agora nós estamos assistindo à reedição do que nós vencemos na Proclamação da República”, afirma o pastor. 

Fundamentalismo tradicional 

A pesquisadora Delana Corazza explica que o fundamentalismo mais tradicional tem raízes no protestantismo estadunidense, que propagava a ideia do Destino Manifesto. A partir deste pensamento, os protestantes tinham a si mesmos como os escolhidos por Deus para dominar e transformar o mundo em cristão. 

“A gente vê que o fundamentalismo nasce dos protestantes históricos tradicionais, os presbiterianos, os batistas, muito numa tradição estadunidense de ocupar espaços de poder, principalmente. Se eu quero uma sociedade livre dos pecados, eu tenho que converter meus irmãos. Então a única salvação dessa sociedade é a conversão, e uma das formas de conversão é ocupar os espaços para que a minha ideia se consolide”, explica Corazza. Trata-se, parafraseando o bolsonarista e pastor Edir Macedo de um “plano de poder”. 

Apesar de associarem o fundamentalismo geralmente só aos neopentecostais, no atual governo, os fundamentalistas que ocupam espaços estratégicos de poder são, como André Mendonça, protestantes históricos. Por exemplo, ministro da Educação, Milton Ribeiro, é presbiteriano. "Ele é protestante tradicional, defende pautas como a do home schooling, trazendo para essa questão de formar a família, de não deixar que esse mundo atravesse a família. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que é uma figura super popular entre os evangélicos, que é a Damares Alves, é batista”. 

Edição: Leandro Melito