Rio Grande do Sul

FSR Virtual

Live sobre geopolítica aborda o cerco imperialista dos EUA à China e à Rússia

Atividade preparatória do Fórum Social 2022 abordou a luta que pode trazer consequências para o futuro de todo o mundo

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Live contou com as análises do professor Elias Jabour, Bruno Jubran e Diego Pautasso - Reprodução

O debate "O cerco dos EUA e OTAN à China e à Rússia" foi mais uma atividade virtual do Fórum Social das Resistências 2022 (FSR2022). O debate foi promovido pelo Centro Brasileiro de Solidariedade Aos Povos e Luta Pela Paz (Cebrapaz), com apoio de diversas entidades.

A live debateu as ações de cerco, contenção e desestabilização que os Estados Unidos da América (EUA), junto da aliança militar que lidera (OTAN), promovem em direção às duas potências do continente asiático, que crescentemente ameaçam a hegemonia norte-americana no mundo: China e Rússia.

:: Confira a cobertura completa do Fórum Social das Resistências ::

Segundo a mediadora do debate, a professora e mestra em Relações Internacionais Melissa Cambuhy, falar sobre esse tema é mostrar como existe um desenvolvimento nacional de países do terceiro mundo que é cada vez mais questionador à uma posição subordinada.

Foram convidados para o debate o professor Elias Jabour (professor da UERJ e doutor em Geografia), Bruno Jubran (doutor em Estudos Estratégicos Internacionais) e Diego Pautasso (cientista político).

Também participou através de depoimento em vídeo o sr. Andrey Kochetov, que é Presidente da Federação Sindical de Lugansk (Ucrânia).

A cientista política Ana Prestes participaria do debate, o que não aconteceu devido a questões pessoais.

Confira abaixo o debate na íntegra, em vídeo. Logo após, um resumo da fala dos três debatedores. Além disso, o debate sobre ações do imperialismo e geopolítica teve uma continuação, ainda dentro da programação do FSR2022, é possível assistir clicando aqui.

Conflito na região da Ásia tem implicações no mundo todo

Elias Jabour começou o debate falando sobre duas impressões pessoais que tem a respeito do tema.

Considera que seja um fato político no mundo de hoje: o fato dos EUA tentarem voltar atrás no seu processo de globalização, intentando pressionar e secar a economia chinesa, fato que gera consequências internas para os próprios norte-americanos, com o aumento da inflação sendo a principal delas.

Além disso, considera que existe uma convergência entre os dois partidos dirigentes da política interna dos EUA, que é tentar cancelar a Rússia das decisões do sistema internacional.

Esses dois fatores elevam as pressões internas inclusive com efeitos para a própria população norte-americana, de modo que essas pretensões podem desenrolar episódios explosivos.

Analisando diretamente as agressões que a Rússia vem sofrendo nas suas fronteiras, considera que o pior cenário seria o país asiático ir à guerra, o que criaria as condições para cancelar de fato o país no sistema internacional.

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Duas consequências diretas seriam a expulsão da Rússia da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (Sistema Swift) e das negociações com países europeus, em especial da construção dos gasodutos (Nord Stream 2).

A projeção desses cenários leva o professor a pensar numa das questões mais sensíveis, que acredita ser das mais importantes em jogo nesse teatro, que são os recursos energéticos.

Elias recorda que, por questões conjunturais e também estruturais, a crise energética é um dos principais fatores em jogo. Recorda que apenas um continente no mundo atualmente tem um plano de rearranjo energético estrutural, que é a Europa, tendo a Alemanha no centro desse processo.

O país germânico já determinou que a questão da energia e do gás natural são assuntos estratégicos, colocando a relação entre o país europeu e o asiático uma questão nacional da maior importância, imbricando ambos continentes em um possível cenário de guerra

"Este rearranjo europeu coloca uma dimensão geopolítica que ainda é incalculável: a Rússia vai disputar o mercado europeu e mundial com o 'shale gás' norte-americano", considera o professor.

Pondera também sobre outro cenário que considera da mesma forma negativo.

"É uma pergunta a ser colocada: o que pode acontecer se a OTAN conseguir se expandir para Geórgia e Ucrânia. Eu imagino que poderia estourar uma guerra regional com ações do imperialismo”, afirma Elias.

Com mais questionamentos do que respostas, o professor encerra a fala afirmando que esse imbróglio mundial enlaça questões energéticas, econômicas e sociais, com consequências que podem atingir diversas partes do mundo, sem possibilidade de calcular todas elas.

Podemos entender o passado para superar traumas do presente

Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais, Bruno Jubran começa fazendo um comentário. Recorda que, na Psicologia se entende que os traumas do passado, através do autoconhecimento, podem ser usados para superar questões do presente.

Afirma que, para entender a Rússia de hoje, é necessário voltar no tempo, pelo menos até a década de 1990, quando uma contra revolução, seguida por uma terapia de choque, acabou com a União Soviética.

Essa terapia de choque, no caso russo, além da desnacionalização da economia, foi promovida uma mudança de sistema. Para que fosse eficaz, foi necessário desmanchar o tecido social, usando da violência e da propaganda anticomunista e consumista.

"Esse processo diminuiu a qualidade de vida dos russos, uma tragédia com diminuição da população, aumento da criminalidade e perda de controle na região Sul do país", afirmou Bruno.

Ao mesmo tempo, as forças militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) avançaram em direção às fronteiras russas. É nesse cenário, afirma Bruno, que emerge a figura política de Putin.

Ele empreendeu a renacionalização e a reestatização de setores estratégicos da economia, setores esses que geraram recursos para reerguer a economia nacional e renovar o arsenal militar. Esses fatos atiçaram os países do ocidente ainda mais, com a expansão da OTAN para países da antiga URSS, além da utilização de guerras híbridas.

"Com essa situação toda, a Rússia vem buscando um 'contra-ataque'. Inicialmente de forma reativa, mas cada vez mais empoderada. O primeiro caso foi a crise da Geórgia em 2008. Mas também passou a ter uma postura mais firme com relação às negociações do gás e políticas mais assertivas de domínio sobre o Ártico e de relações aduaneiras com os países vizinhos. Além disso, fortalece laços com a China (principalmente após a crise de 2014 na Ucrânia) e age ativamente na Síria", relata o doutor.

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Afirma que o grande "contra-ataque" russo foi após o golpe de estado na Ucrânia em 2014. Esta crise acaba sendo interpretada como uma preparação para uma ação que poderia acontecer dentro da própria Rússia.

Sobre a atual crise Rússia/Ucrânia, entende que existe um tensionamento intencional por toda a borda da fronteira russa, que ameaça a integridade nacional do país. Porém, entende que a possibilidade de conflito no local ainda é baixo, acreditando haver pouca intenção do país asiático empreender um ataque.

Seu maior temor, porém, seria de algum tipo de atentado ou ataque surpresa, impetrado pelo lado de algum ator com intenções de explodir um conflito.

A política internacional pode gerar efeitos que não podem ser controlados

Diego Pautasso começou sua fala afirmando que, para ele, é obvio que este tema, na geopolítica, "é muito quente". Acredita também que precisamos fazer uma abordagem histórica do chamado cerco e contenção dos EUA à China e à Rússia.

"Se olharmos no mapa, existe, no entorno desses dois países, um conjunto de iniciativas, fomentadas, criadas e estimuladas pelos EUA que combinam 'revoluções coloridas', sanções, intervenções militares, presenças de bases e instalações de mísseis", relata Pautasso.

Fazendo um panorama desse cerco, recorda as "revoluções coloridas" ocorridas na Ucrânia, na Geórgia, no Quirguistão, na Bielorússia, as ameaças de instalações de mísseis na Polônia, República Tcheca e também na Coréia do Sul, as intervenções militares no Afeganistão, na Síria e uma ameaça sistemática ao Irã. Todo esse cenário conforma o "flanco" sul da fronteira russa.

Além disso, reforça que existe um conjunto de iniciativas estimuladas de fora, que tenta a fragmentação territorial das duas potências: a Chechênia, na Rússia, e Tibet, Hong-Kong, Taiwan e Xinjiang, na China. Além disso, existe uma forte presença militar em toda a bacia do oceano Pacífico, nas Filipinas, no Japão e na Coréia do Sul.

“A contenção do eixo Sino/Russo é parte de uma estratégia dos EUA para lidar com uma situação que eles nunca haviam enfrentado, pelo menos não nessa proporção”, afirma Diego.

A situação, explica, é uma recuperação da Rússia, reerguida na sua capacidade militar e com um controle estratégico sobre o setor do gás natural, e do outro lado a China, uma potência econômica que já é o maior parceiro comercial de mais de 140 países no mundo e que desenvolve um novo projeto de globalização além de ser o centro do maior bloco econômico do planeta.

“O problema é que, durante a guerra fria, os EUA, bem ou mal, ofereceram um paradigma de desenvolvimento do mundo, estruturado em torno do dólar e de instituições, que garantiam a hegemonia a partir de uma base produtiva e tecnológica irradiada de Washington, sem dispensar nunca o uso da força”, prossegue.

Entretanto, Diego afirma que, diante do desafio sino-russo atual, os EUA parecem não ter nada mais a oferecer senão a contenção e a produção de conflitos, o que é insuficiente para sustentar uma hegemonia.

Nesse contexto, comenta sobre a possibilidade de guerra: Moscou já deixou claro que a “linha vermelha” seria a inclusão da Ucrânia na OTAN. A Organização, por sua vez, não parece estar disposta a dar essa garantia.

Pensa que não é do interesse russo entrar no conflito militar, ao mesmo tempo que questiona se os EUA teriam condições de sustentar um conflito em solo ucraniano.

Recorda também que todo o conflito deixa os países europeus em situação difícil, pois, se por um lado, eles aderem a agenda dos EUA, por outro lado, essa mesma agenda tem implicações diretas sobre a Europa.

Quando os EUA desencadearam sanções sobre o país asiático, quem saiu prejudicado também foi a Alemanha, a França e a Itália, pois estes países têm comércio com o pais oriental, ao contrário dos norte-americanos.

“Os EUA não têm muito a oferecer além da contenção e também não teriam condições de sustentar a guerra em solo ucraniano. Porém, o risco da guerra existe não pela racionalidade, mas sim pela irracionalidade e pela política errática de uma potência cada vez mais acuada e decadente. Em função disso, é capaz de desencadear uma situação que pode inclusive ser prejudicial a si próprio”, conclui Diego.


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Edição: Katia Marko