IMPACTOS

Derramamento de petróleo no Peru: o que está acontecendo na Amazônia?

A contaminação gerada pela Repsol na costa de Lima volta a atenção midiática aos perigos da indústria de hidrocarbonetos

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Derrame de 6 mil barris perto de Lima é apenas um dos 474 registrados na última década - Presidência Peru

Organizações indígenas da Amazônia peruana denunciam que há anos sofrem o impacto das ações das petroleiras. Entre 2000 e 2019, houve 474 derramamentos na região amazônica do norte do país e durante a pandemia outros 45 foram registrados em um único departamento.

Embora o derramamento de petróleo no Peru — na costa de Lima, em frente ao distrito de Ventanilla, ao norte — tenha causado indignação geral, quatro outros vazamentos foram reportados desde o final de dezembro nos departamentos de Loreto e Amazonas, no leste do país. Entre 2000 e 2019, o número de derramamentos ocorridos no norte da Amazônia peruana subiu a 474, segundo levantamento dos Povos Indígenas da Amazônicos Unidos em Defesa de seus Territórios (Puinamudt). No departamento de Loreto, foram registrados 45 vazamentos entre março de 2020 e julho de 2021. As comunidades indígenas dessas áreas questionam que "o Estado só emprega seus maiores esforços para controlar e remediar um derramamento quando este ocorre em Lima e não quando ocorre em seus territórios".

Em 15 de janeiro, a Refinaria La Pampilla, da Repsol, causou um derramamento de 6 mil barris de petróleo. A notícia do derramamento se espalhou pelos portais de mídia do mundo todo devido à sua magnitude; o fato foi considerado "o pior desastre ecológico da história recente do Peru". Além disso, na última quarta-feira (26), o Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Oefa) iniciou o processo de fiscalização devido à notificação de um segundo vazamento de hidrocarbonetos na refinaria La Pampilla da Repsol. 

Em junho de 2021, um estudo revelou altos níveis de chumbo no sangue de grupos indígenas que viviam em uma região ao norte da Amazônia peruana, nas bacias dos rios Corrientes, Marañón, Pastaza e Tigre. "Foram feitas análises de peixes e outros tipos de alimentos, tanto na cozinha das pessoas quanto no rio, e nesses produtos foi identificada a presença de metais pesados", explicam os pesquisadores e afirmam: "O petróleo fica depositado no fundo do rio".

Não acontece só em Lima

Horas após o primeiro vazamento, o Observatório Petroleiro da Amazônia Norte denunciou e reconheceu os "terríveis danos causados pela empresa Repsol em nível ambiental (flora e fauna afetadas) e social (impacto nas economias locais, principalmente para os pescadores, e na recreação e lazer da população afetada de Ventanilla e arredores)". Além disso, o organismo acrescentou que se trata de "mais uma expressão de más práticas empresariais" e que a Repsol "não informou a real dimensão do impacto, [e demonstrou] falta de transparência, falta de ações oportunas e de cobertura". Mas na Amazônia peruana a situação é cotidiana.

As organizações indígenas da Amazônia lamentaram que o Estado só empregue seus maiores esforços para controlar e remediar um vazamento quando este ocorre em Lima e não quando ocorre em seus territórios. Também lembraram que a crise ecológica que a capital vive hoje é a mesma que elas vêm enfrentando há 50 anos devido à contaminação por hidrocarbonetos.

Nesse sentido, exigiram com urgência a recuperação ambiental das áreas impactadas, além da imposição de multas exemplares às empresas responsáveis. Estudos científicos mostraram os graves efeitos sobre a saúde dos povos indígenas do norte e oeste do Peru.

O estudo "A sombra do petróleo" (Oxfam) estima que entre 2000 e 2019 o número de derramamentos ocorridos no norte da Amazônia chega a 474. O estudo indica que 65% dos derrames foram devidos a falhas operacionais e corrosão dos dutos e 28%, à intervenção de terceiros. Esses dados mostram que a maioria desses derramamentos foi de responsabilidade das operadoras.

Além disso, foi demonstrado que 94% dos barris derramados nesse período foram de responsabilidade da petrolífera Pluspetrol, sendo esta a empresa mais poluente do país. O relatório apontou a necessidade de mudar a produção e o consumo de energia no país, levando em conta as consequências das mudanças climáticas e os problemas que os derramamentos representaram para os povos indígenas da Amazônia.

"Na plataforma Puinamudt sabemos quais são esses impactos e os danos que geram", indica a organização que representa 98 comunidades indígenas localizadas no campo petrolífero e que reúne as federações indígenas dos rios Corrientes, Marañon, Tigres e Pastaza.

Derramamento de petróleo na Amazônia

A empresa Pluspetrol é uma das principais causas dessa contaminação. "Os derramamentos ocorrem permanentemente na Amazônia sob o olhar passivo e permissivo do governo e diante da inação da cidadania e dos meios de comunicação nacionais", lamentou a Associação Interétnica de Desenvolvimento da Floresta Peruana (Aidesep).

A Aisedep alertam que "o impacto desses derramamentos nos territórios, nos rios, na vida e na saúde dos povos amazônicos é enorme", e que por isso não bastaria sancionar as empresas responsáveis. "Neste cenário, a imposição de multas às empresas é uma medida insuficiente, é preciso um posicionamento firme do Estado contra os crimes ecológicos para que não fiquem impunes", afirmaram. A organização exige a recuperação ambiental das áreas impactadas por derramamentos de óleo, não apenas em Lima, mas também nas comunidades indígenas da Amazônia.

As quatro federações de Loreto que compõem a plataforma Povos Indígenas da Amazônia Unidos em Defesa de seus Territórios (Puinamudt) também se manifestaram sobre o assunto. Elas lembraram que desastres como o recentemente registrado na capital peruana "ocorrem também no Lote 182, Lote 8, Oleoduto Norperuano e outros". De fato, desde o final de 2021, quatro derramamentos foram reportados nesses lotes.

Em 13 de janeiro, foi identificado um derramamento no centro de Pavayacu no Lote 8 (Loreto) e se espalhou para o rio Huanganayacu. Somam-se a este caso outros três que mostram o problema incessante que é a extração de petróleo na Amazônia. Em 27 de dezembro, foi registrado um vazamento na bacia do rio Tigre, no Lote 192 (Loreto). No dia 31 do mesmo mês, outros dois foram reportados: um ocorreu na bacia do rio Corrientes e outro na Seção II do Oleoduto Norperuano, em Santa María de Nieva (Condorcanqui, Amazonas).

Além disso, conforme relatado pelo portal Ojo Público, foram registrados 45 derramamentos de petróleo em Loreto desde o início da pandemia (em março de 2020) até julho de 2021. Quase a metade deles (22) ocorreu no Lote 8, administrado pela Pluspetrol Norte. A petrolífera procura sair da área de exploração petrolífera sem reparar os danos. Por sua vez, a empresa Frontera Energy, administradora do Lote 192, registrou 15 vazamentos. Atrás dela vêm a Petrotal Perú (4), Petroperú (3) e Perenco Perú Petroleum Limited (1).

Vestígios dos derrames de petróleo na saúde

"Quando há derramamento de petróleo nos povoados indígenas, eles nem sequer tomam uma decisão", disse o cacique de Pucacuro (Loreto), Emerson Mucushua, à rádio local RPP Noticias. Segundo Mucushua, apesar dos pronunciamentos e exigências que são feitas quando um vazamento atinge seus territórios, "o Estado não toma medidas legais" contra o fato. "Até hoje não há nada", disse o cacique após se surpreender com a forma como os ministérios se mobilizaram para controlar o derramamento de petróleo no mar de Ventanilla.

Em junho de 2021, um estudo revelou altos níveis de chumbo no sangue de grupos indígenas que vivem próximos aos lotes 8 e 192, no norte da Amazônia peruana. Além disso, foi demonstrado que os participantes do estudo que viviam na bacia do rio Corrientes apresentaram um nível mais alto de contaminação por chumbo. O estudo também registrou os efeitos nas bacias dos rios Marañón, Pastaza e Tigre.

Conforme apontou a antropóloga Federica Barclay, que acompanhou o processo desta investigação, a precariedade do sistema de saúde não permitiu detectar que as doenças dos pacientes do local se deviam à contaminação por metais pesados. "As pessoas passam anos tendo talvez altos níveis de arsênico, chumbo, cádmio, que se manifestam de várias maneiras. A contaminação por metais é a origem", destacou a profissional à época.

Pesquisas científicas indicaram que a alimentação e as atividades ocupacionais dos habitantes (como a casa e a pesca) eram as vias mais prováveis de contaminação das comunidades dos povos Achuar, Quechua, Kichwa e Kukama.

"Foram analisados peixes e tipos de alimentos, tanto na cozinha das pessoas quanto no rio, e foi constatada a presença de metais pesados nesses produtos", explicou Barclay. "O petróleo se deposita no fundo do rio. O fundo do rio não pode ser lavado e os peixes continuam se alimentando dessas substâncias tóxicas", acrescentou.