PÁTRIA ARMADA

Número de pistolas e revólveres importados em janeiro de 2022 é o maior da história para o mês

Quantidade é superior à média mensal de 2021, quando país bateu recorde histórico de armas compradas do exterior

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ano eleitoral começa com recorde histórico no número de armas trazidas do exterior - Raphael Alves/ Tribunal de Justiça do Amazonas

O número de revólveres e pistolas importados por brasileiros em janeiro de 2022 foi o maior para o mês desde o início da série histórica, em 1997. Foram 10.412 itens trazidos do exterior, número superior à média mensal de 2021, quando o Brasil bateu recorde histórico de armas compradas de países estrangeiros.

O levantamento foi feito pelo Brasil de Fato na plataforma Comex Stat, mantida pelo governo federal para monitorar as importações e exportações feitas pelo Brasil nos últimos 25 anos. O resultado detectado pela reportagem mostra que a tendência das importações de pistolas e revólveres segue em alta.

Os números apontam que a importação de armas do tipo mais que triplicou desde 2018. O crescimento foi de 228% nos últimos quatro anos, alcançando US$ 39 milhões em 2021. A quantidade de itens também cresceu de forma exponencial, saltando de 7.156 em 1997 para 119.147 no ano passado.

O Atlas da Violência de 2021, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que mais de 30 decretos e atos normativos flexibilizando o acesso e a compra de armas foram publicados desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu. Algumas das medidas, contudo, foram suspensas pelo Poder Judiciário.

O julgamento de parte das medidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi interrompido em setembro do ano passado, depois de um pedido de vistas do ministro Nunes Marques, indicado à Corte pelo chefe do Executivo. Uma das ações que aguarda a decisão do Supremo é uma resolução que zera o imposto da importação de pistolas e revólveres. A alíquota atual é de 20%.

Número de armas de uso amador supera o da Polícia Militar

Em janeiro, o Brasil de Fato mostrou que a flexibilização no acesso às armas e munições no Brasil durante a gestão Bolsonaro associada à dificuldade de mecanismos de controle e rastreamento tornou-se motivo de preocupação, principalmente, por ter relação direta com o aumento da violência. 

Um levantamento realizado pelo advogado e gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, para o seu mais recente livro Arma de fogo: Gatilho da violência no Brasil, da editora Telha, aponta que o número de armas em circulação na categoria Caçador, Atirador Esportivo e Colecionador (CAC) no Brasil já é superior ao total de armas da instituição Polícia Militar. 

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Segundo os dados obtidos pelo autor a partir do Sistema Nacional de Armas (SINARM) e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), até abril de 2021, os usuários na categoria CAC contabilizavam um total de 648.731 armas, enquanto a soma dos armamentos das Polícias Militares totalizava 583.498.

Como mostrou uma reportagem publicada pelo Brasil de Fato, no último mês de dezembro, além dos CACs obterem altas quantidades de armas e munições, os decretos presidenciais desclassificaram uma série de itens que eram considerados Produtos Controlados pelo Exército (PCEs). Hoje, um usuário na categoria CAC pode ter acesso, por exemplo, a um fuzil semiautomático calibre 7.62, que era de uso restrito.

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Armas e homicídios: diretamente proporcionais

Na avaliação de Langeani, a relação é direta entre aumento de circulação de armas e homicídio. Para ele,  os impactos da adoção dessa medida sem controle eficiente dos órgãos responsáveis já é conhecida da população brasileira.

“O período em que mais cresceu o homicídio no Brasil foi quando tivemos uma corrida armamentista na década de 1990. O Brasil está vendo algo semelhante com o governo Bolsonaro. No final de 2018, tivemos uma queda de homicídios que acabou entrando um pouco em 2019. A flexibilização de armas começou, principalmente, a partir de maio de 2019 e não parou até agora, mesmo com pandemia. E, com toda essa questão de fechamento de comércio, a gente está vendo cada vez mais a compra de armas, e isso já começa a ter um reflexo nos indicadores”, aponta o advogado em entrevista ao Brasil de Fato.

"Projeto perigoso que ameaça o futuro do Brasil"

No ano passado, o Brasil de Fato conversou com Douglas Belchior, um dos coordenadores da Coalizão Negra por Direitos. A pedido da reportagem, ele comentou o crescimento do número de armas no Brasil e apontou a relação dos números com o período do mandato do presidente Jair Bolsonaro no comando do Executivo. 

"Em uma sociedade marcadamente racista como a nossa, quando você arma a população, sobretudo a classe média e aqueles que são adeptos desse tipo de pensamento, a gente coloca em maior risco pessoas historicamente estigmatizadas", ressalta Belchior.

"O perigo recai sobre aquelas pessoas que já são vítimas da violência armada — tanto a oficial, promovida pelo governo, pelas polícias e milícias; quanto pela violência civil generalizada", considera. Segundo ele, é preciso reconhecer que "não é só a polícia, através da sua ação coordenada, genocida e racista, que assassina pessoas negras".

"A violência civil generalizada — que se dá através do uso de armas —, também faz de alvo preferencial a população negra. Dessa maneira, os números mostram a confirmação de um projeto absolutamente perigoso e que compromete o futuro do país", pontua.

Edição: Rodrigo Durão Coelho