Minas Gerais

ARSÊNIO

Santa Bárbara (MG): rio pode estar sendo contaminado por metais pesados da mineradora Anglogold

Erosão expôs rejeitos de mineração de ouro à enxurrada da chuva que vão escorrer para o Rio Conceição e Rio Doce

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Sirene que indica rompimento de barragem foi acionada quatro vezes, causando pânico e traumas em 3 mil moradores - Foto: Sarah Xavier

A população de quatro comunidades de Santa Bárbara (MG), cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, passaram há algumas semanas pelo terrível medo de uma avalanche de rejeitos de mineração. Devido às fortes chuvas, uma pilha de rejeitos da empresa Anglogold Ashanti teve uma erosão que pode ter causado sua instabilidade.

Empresa utiliza cianeto no processo de beneficiamento do ouro

A denúncia foi feita pelo Movimento de Soberania Popular na Mineração (MAM), que, após ouvir trabalhadores, relatou que a mineradora evacuou o refeitório, a área administrativa e todas as estruturas abaixo da pilha de rejeitos. O objetivo seria a realização de obras para conter um risco de desmoronamento.

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O complexo Córrego do Sítio, da Anglogold, faz a exploração de ouro e possui duas barragens (Córrego do Sítio I e Córrego do Sítio II), além da pilha de rejeitos.

“A mineradora adotou as medidas de evacuação da área e restrição aos trabalhadores há três semanas, porém, se nega a oferecer as informações corretas às comunidades próximas ao empreendimento”, publicizou o movimento no dia 3 de fevereiro.

Por que a demora?

A Anglogold Ashanti, um dia depois, deu a primeira declaração oficial sobre o assunto, assumindo que estava realizando uma série de obras há quase um mês, em estruturas internas da unidade, como vias, acessos e, entre elas, a pilha de deposição de rejeito a seco.

Estudo de 2018 afirmou: pilha pode carrear sedimentos para rio Conceição

Segundo a empresa, a pilha sofreu uma erosão, que foi controlada e não apresenta risco, e que também não atingiu os recursos hídricos da região. Ainda de acordo com a Anglogold, a pilha contém material não perigoso.

Mas a demora em comunicar a comunidade e os órgãos públicos é alvo de crítica e coloca em dúvida as demais informações da empresa, argumenta Luiz Paulo Siqueira, integrante do MAM.

“A empresa evacuou a área no dia 10 de janeiro, não comunicou em nada a comunidade. Só foi soltar um comunicado depois que começamos a pressionar o Ministério Público, o Estado e a empresa”, relembra Luiz Paulo.

“Além disso, a Anglogold não fala a composição dos rejeitos. É uma região com alta concentração de arsênio, e a empresa utiliza cianeto no processo de beneficiamento do ouro. Há metal pesado ali”, completa.

Vídeo mostra água com rejeitos chegando ao rio

Diferente de um rompimento de barragem, o principal problema com um possível desmoronamento da pilha de rejeitos seria a contaminação do Rio Conceição e dos rios nos quais ele deságua, entre eles o Rio Doce. O incidente ainda poderia atingir os tanques de cianeto, o que geraria um desastre de inimagináveis proporções.


Foto: Google Maps

Ao contrário do que afirma a empresa, o movimento suspeita que um descimento de rejeitos já esteja acontecendo. Imagens de drone feitas pelo MAM e pelo jornal Estado de Minas, no dia 1º de fevereiro, mostram que as chuvas estavam carreando água da pilha para o Rio Conceição. No vídeo, não se vê obra sendo feita no local da erosão para contê-la. 

Esse resultado, inclusive, já era relatado como possível no Estudo de Impacto Ambiental, elaborado pela empresa Sete Soluções e Tecnologia Ambiental em setembro de 2018, para a reestruturação da disposição de rejeitos no Complexo de Córrego do Sítio II.

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“A disposição de rejeitos em pilha poderá promover o carreamento de sedimentos (pedaços de solo/rochas, em pequenas partes) durante as chuvas para o rio Conceição, a jusante da barragem. Isso poderá comprometer a qualidade dessas águas”, afirmava o estudo.

O impacto era avaliado como “média magnitude” e previa a atuação de um Programa de Monitoramento da Qualidade das Águas e Efluentes, um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas e um Programa de Controle de Processos Erosivos e Assoreamento. A empresa não citou nenhum deles à reportagem.

Resposta

Questionada, a Anglogold Ashanti reafirmou que “a erosão permaneceu totalmente na área da empresa sem impactos aos cursos hídricos da região e às comunidades próximas”. No entanto, não respondeu sobre a composição do rejeito e seu possível carreamento.

A Agência Nacional de Mineração, responsável pela fiscalização da estrutura, foi procurada e afirmou que não é possível afirmar se a pilha está em risco de desabamento. Porém, considerando informações prestadas pela empresa, a ANM entende que a situação está controlada.

Uma vistoria na pilha de rejeitos CDS I (Pilha Sapé) foi realizada em 8 de fevereiro, na qual a agência afirma ter confirmado que obras emergenciais para recuperação e reconformação dos taludes estavam em andamento, assim como o tratamento das erosões e a recuperação da drenagem.

A ANM também reiterou que os rejeitos desprendidos das erosões se encontram na área interna da Anglogold, e os rejeitos carreados foram retidos nos sumps implantados logo abaixo da pilha de rejeitos. Além disso, informa que o órgão ambiental, responsável pelo monitoramento das águas, realizou vistoria em 1º de fevereiro e comprovou o não carreamento de material para o rio.

Traumas

O risco de desmoronamento da pilha é só a ponta de um problema bem maior em Santa Bárbara. Nos últimos dois anos, a sirene que indica o rompimento da barragem Córrego do Sítio foi acionada quatro vezes, causando pânico e traumas nos cerca de 3 mil moradores da área de auto salvamento.

A situação foi investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais e, atualmente, é tema de uma série de negociações entre representantes dos moradores e a Anglogold Ashanti. As comunidades reivindicam indenização individual e coletiva, e a contratação de uma assessoria técnica e de uma equipe especializada em tratamento de traumas. Além de uma compensação financeira ao município.

A próxima reunião entre comunidade e mineradora, organizada pelo Ministério Público, acontece em 25 de fevereiro.

Edição: Elis Almeida