Tenho Sede

Agroecologia e cisternas são aliadas de agricultores em meio à crise climática no Semiárido

A agricultora Dona Nena e Bela Gil ensinam receita de cuscuz feito com água de cisterna e alimentos agroecológicos

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Programa de Cisternas sofreu cortes pelo governo e ameaça a subsistência e rendas das famílias do semiárido
Programa de Cisternas sofreu cortes pelo governo e ameaça a subsistência e rendas das famílias do semiárido - Reprodução ASA
O legado do meu pai foi o trabalho na roça e com água vivemos com mais tranquilidade hoje

O semiárido é uma das regiões que mais sofre com as mudanças climáticas, segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU. A adoção de cisternas e sistemas agroecológicos são alternativas para crise ambiental e para o enfrentamento da insegurança alimentar nesta região.  

A vida de Josefa Quirino de Albuquerque mudou após a chegada da cisterna de 16 mil litros há mais de 10 anos. Mais conhecida como Dona Nena, a agricultora mora no sítio Pilões, área rural de Cumaru, em Pernambuco e é uma das mais de 1,2 milhão de famílias foram beneficiadas com as cisternas construídas no Semiárido brasileiro. 

“A chegada da cisterna para nós, foi motivo de muita alegria, porque com ela temos água que vai para dentro da cisterna e cai direto na nossa casa. E com a água essa água produzimos mais, porque dali tiro para as plantas, os animais, então para mim foi uma riqueza”, conta Nena. 

A realidade de Dona Nena representa o cotidiano de quem vive no semiárido brasileiro e precisa de água de cisterna para subsistência e produção.

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Caracterizado pelo clima quente e seco, com longos períodos de seca, na área vivem mais de 28 milhões de pessoas, um dos semiáridos mais povoados do mundo, sendo que 38% vive em área rural.

A região apresenta o menor percentual de água reservada no país, próximo a 3% e por isso, a água de chuva é a principal fonte de abastecimento das famílias que vivem no território.

O Semiárido brasileiro é composto por 1.262 municípios, dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. Nordestina do agreste de Pernambuco, Dona Nena conta que o trabalho na roça com a terra foi o grande legado do seu pai. 

“Sou filha de agricultor, criada na agricultura, trabalhando na roça, com dificuldade,  às vezes com distância de 2 a 3 km de casa. Ali mesmo fazíamos a comida debaixo de uma árvore, no fogo a lenha, porque antigamente não tinha gás, não existia luz, e meu pai comprava um litro de gás para alumiar à noite, o candeeiro. Aqui está o nosso legado e hoje nós vivemos com mais tranquilidade, porque temos água na nossa casa”.


A agricultora de Pernambuco conta que com a chegada da cisterna houve amento na produção de alimentos / Agência Quintal/Acervo ASA

O governo Bolsonaro praticamente paralisou o programa Cisterna. No ano passado foram construídos 4,3 mil equipamentos, o menor número desde a criação do programa, em 2003.

O orçamento destinado ao programa sofreu cortes drásticos: passou de R$ 800 milhões em 2012 e em 2020 apenas R$ 70 milhões, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop) do Ministério da Cidadania. A redução de recursos para o programa tem retardado a chegada de uma cisterna para mais de um milhão de famílias que ainda não têm acesso à água no Semiárido.  

O programa com objetivo de arrecadar recursos para construção de um milhão de cisternas, foi criado no final dos anos 1990  pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), organização que reúne 3 mil entidades.  Nena é uma das representantes da Campanha Tenho Sede lançada no ano passado.

“Quando tem cisterna não falta água. Porque no inverno temos sempre e no verão carros-pipa colocam água nela, e por isso nós não sofremos tanto”.

::Cortes do governo federal afetam programa de implantação de cisternas no semiárido::

O excedente da produção, Nena pode comercializar. Além de agricultora, Dona Nena também gosta de cozinhar. Ela participou do programa de culinária no canal da chef Bela Gil que preparou cuscuz nordestino com água de cisterna.

A receita levou milho de cuscuz não transgênico, leite de castanha de caju com licuri e mel, todos ingredientes cultivados por famílias que produzem no modelo agroecológico no semiárido. No vídeo, Bela Gil fala sobre o impacto positivo do programa de cisternas nas produções agroecológicas. 

“O cuscuz veio da Paraíba e eu recebi vários produtos, como o mel, a castanha de caju que veio do Piauí, mas veio também araruta, farinha de mandioca, muita coisa incrível que os agricultores cultivaram com a água da cisterna. É muito lindo ver como esse projeto da construção de cisternas no semiárido faz com que as pessoas tenham a possibilidade de plantar comida para consumo”.

A chef de cozinha ressalta sobre a relação de água e alimento. “Quando pensamos em comida, pensamos pouco na água. Quem não planta e está só comendo não pensa na importância da água para produção de alimentos”, completa. 

Em setembro de 2021, a ASA lançou a campanha Tenho Sede que segue mobilizando recursos para garantir acesso à água no Semiárido e contou com a participação do cantor Gilberto Gil, pai da chef Bela Gil, que regravou a canção Tenho Sede, composta pelos músicos Anastácia e Dominguinhos, e chamou a atenção para o problema da falta de acesso à água do Semiárido. 

Lançada há cinco meses, a mobilização segue agora para uma nova etapa, envolvendo as companhias de abastecimento e saneamento básico, integrantes do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, que vão oferecer a possibilidade de doação via conta de água. Para conhecer a campanha em detalhes e realizar doações, acesse: tenhosede.org.br.

Edição: Douglas Matos