Rússia e Ucrânia

Putin fracassou com expectativa de uma operação rápida e vitoriosa?

Após mais de uma semana de guerra na Ucrânia, Rússia não alcança seus objetivos com a rapidez que esperava

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Prédio danificado na segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, por bombardeio da operação russa - Sergey Bobok / AFP

O presidente russo, Vladimir Putin, ao participar de uma reunião com o Conselho de Segurança da Federação Russa nesta quinta-feira (3), afirmou que a operação militar especial está ocorrendo em "estrita conformidade com o cronograma, de acordo com o plano, e todas as tarefas atribuídas estão sendo resolvidas com sucesso". Todavia, especialistas que conversaram com o Brasil de Fato avaliam que objetivos militares iniciais de Moscou não foram alcançados no tempo que se previa, levando a uma situação de escalada da guerra e um cenário imprevisível.
 

“Blitzkrieg” fracassada

Em entrevista coletiva à mídia estrangeira nesta quinta-feira (3), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, afirmou que uma solução entre os representantes da Rússia e da Ucrânia "será encontrada", mas destacou que, "apesar das negociações, Moscou continuará a operação militar". Ao lamentar as vítimas civis do confronto, o chanceler disse que a vida humana não tem preço, mas qualquer ação militar envolve baixas.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político Pavel Usov afirmou que os objetivos iniciais da guerra — classificada na Rússia como operação especial militar — foi realizar uma "Blitzkrieg" (guerra relâmpago). De acordo com ele, pelo que se viu nos primeiros dois dias de ataque, Moscou tinha a expectativa de uma conclusão rápida e bem-sucedida das ações militares.

Os objetivos desta operação, segundo o pesquisador, era realizar ataques preventivos e inesperados de bomba e mísseis e criar um cenário de pânico na Ucrânia. Com isso, as autoridades perderiam o controle do governo e das forças armadas, que ficariam rapidamente desmoralizadas e sem demonstrar resistência. "Nada disso aconteceu", diz ele.

"Difícil dizer como foi feita tal avaliação da situação. As próprias autoridades russas podem ter caído na armadilha da própria propaganda e ilusão sobre o que está acontecendo na Ucrânia, de que nacionalistas e fascistas estão realmente oprimindo a população ucraniana. Eu acho que foi criado esse mito, ativamente alimentado na mentalidade da sociedade durante todos os oito últimos anos", argumenta.

A pesquisadora sênior da Academia de Ciências da Rússia, Alexandra Felippenko, por sua vez, compartilha da ideia que os objetivos oficiais anunciados pelo Kremlin não foram alcançados, ainda que seja difícil enxergar com clareza o cenário dada as informações conflitantes sobre a disputa.

“É difícil acreditar 100% em alguma das partes. Há informações de que os combates ainda ocorrem, há informações de que algumas cidades estão ocupadas. De qualquer jeito, o primeiro objetivo da desnazificação, como foi anunciado, claramente não foi alcançado. No que diz respeito à libertação de Donetsk e Lugansk nas suas fronteiras administrativas, não dá pra afirmar com certeza enquanto não for fixado juridicamente”, declara ao Brasil de Fato

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Ao fazer um balanço dos resultados das operações militares russas até agora, o especialista militar Yuri Lyamin diz ao Brasil de Fato que atualmente é possível observar uma série de objetivos intermediários, como, por exemplo, o fato de que as tropas das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Luganask, com a ajuda russa, romperam a linha de frente ucraniana em Donbass e estão desenvolvendo uma ofensiva na região.

“Além disso, a retirada das tropas russas que avançavam da Crimeia para a retaguarda do grupo ucraniano em Donbass possibilitou o cerco de parte de suas forças em Mariupol. A saída das tropas russas para o Dnieper possibilitou o desbloqueio do Canal da Crimeia do Norte, que deve permitir a retomada do abastecimento de água à Crimeia. O controle de Kherson forneceu uma base para um maior avanço ao longo da costa do Mar Negro. Também do sul há um avanço gradual para o norte ao longo do Dnieper”, destaca o especialista militar.

Para o cientista político Pavel Usov, por mais que a capacidade militar da Ucrânia não possa ser comparada com a da Rússia, o exército ucraniano mostrou ter um equipamento militar moderno e militares bem preparados para enfrentar a guerra relâmpago promovida por Moscou.

Neste contexto, ele afirma que o presidente Putin se encontra agora em um “beco sem saída” porque voltar atrás nas exigências que foram anunciadas anteriormente, sobre a desmilitarização, a desnazificação, com certas exigências de compromisso em relação à Ucrânia, significaria a sua derrota. “E está claro que ninguém vai aceitar isso”, acrescenta.

Além disso, Alexandra Felippenko considera que, em relação aos objetivos da operação militar, há ainda muita incompreensão, inclusive entre as elites políticas russas, por conta dos planos frustrados de uma resolução rápida.

“Eu acredito que agora muitos dos especialistas e até muitos políticos russos, que talvez soubessem da preparação da operação, ainda assim se encontram agora nessa situação de perplexidade. Justamente assim como a população russa, que se encontra na situação de perplexidade."

Ela lembra que em 2014 houve certo consenso no apoio após às autoridades russas com a anexação da Crimeia, com a maioria dos russos realmente considerando que a península deveria fazer parte da Rússia. “Realmente o apoio ao presidente Putin nesta decisão foi, se não foi absoluto, pelo menos havia a impressão de apoio da maioria. Agora o sentimento é diferente”, completa.


Refugiados que chegam da Ucrânia descem de um trem na estação ferroviária da cidade fronteiriça húngara-ucraniana de Zahony / Attila Kisbenedek / AFP

Russos sentem nova realidade com isolamento

Com a intensificação dos ataques, a comunidade internacional aplicou duras sanções contra a Rússia. Em particular, bancos russos começaram a ser desligados da plataforma Swift, um sistema de pagamentos entre instituições financeiras de mais de 200 países. 

Na última quarta-feira (2), os EUA também ampliaram suas sanções a 22 empresas e entidades russas ligadas ao setor de defesa do país.

Alexandra Felippenko, que vive em Moscou, conta que os primeiros sinais das restrições internacionais vêm afetando os preços das mercadorias de uma maneira geral e, em particular, alguns bancos afetados vêm apresentando problemas nas transações bancárias.

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“Há sanções no que diz respeito à impossibilidade de fazer pagamentos com Apple Pay, usar os serviços da Apple, incapacidade de comprar os produtos da Apple, e os preços desses produtos explodiram. Existe o fato de que é difícil sacar dinheiro de caixas automáticos. Hoje em muitos caixas automáticos o máximo de saque era de 20 mil rublos (cerca de R$935) no câmbio atual”, explica.

A pesquisadora da Academia de Ciências da Rússia disse que houve filas enormes nos postos de renovação de passaportes para viagens internacionais para que as pessoas tenham a documentação apropriada para poder sair do país.

Ela também chamou a atenção para o fato de que nos primeiros dias do conflito, houve intensos protestos contra a guerra em diversas cidades russas, mas a forte repressão policial e o grande número de detenções afastou as pessoas das ruas.

“Como estou em Moscou, moro perto e passei por perto [das manifestações] e vi que as pessoas que gritavam "não à guerra" eram presas, jogadas nos camburões e detidas [...] É claro que esse sistema é difícil ser compreendido por pessoas que não moram na Rússia ou em Belarus. Os bielorrussos sabem muito bem como é assustador se superar e sair às ruas porque qualquer pessoa que hoje é detida com um cartaz escrito ‘não à guerra’ é ameaçada de passar anos na cadeia”, acrescenta.

De acordo com ela, agora, pela nova interpretação da Procuradoria-geral, há uma nova formulação de que realizar “apoio financeiro, apoio informacional ou quaisquer formas de apoio ao outro lado do conflito militar pode ser considerado como forma de ‘traição’”. “Essa formulação curiosa sobre quaisquer formas pode significar que praticamente qualquer pessoa que se manifesta ou, sobretudo, vai às ruas, pode acabar na prisão por muitos anos”, completa.

O gabinete do Procurador-Geral da Rússia emitiu um aviso em 27 de fevereiro de que o Código Penal nacional prevê até 20 anos de prisão para quem ajudar "um Estado estrangeiro, organização internacional ou estrangeira ou seus representantes em atividades dirigidas contra a segurança da Federação Russa".

O comunicado acrescenta que a supervisão ocorre em conexão com o fato de que "as Forças Armadas da Federação Russa estão realizando uma operação especial para proteger as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk".

Edição: Thales Schmidt