Direito indígena

Estudantes indígenas ocupam prédio e cobram que UFRGS construa Casa do Estudante Indígena no RS

Indígenas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani iniciaram ocupação na tarde de domingo (6)

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |

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Em 2017, estudantes indígenas protocolaram uma carta à Universidade, solicitando a casa do estudante indígena - Foto: Alass Derivas - Deriva Jornalismo

“Hoje nós ocupamos esse prédio aqui no Centro, próximo à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, porque temos uma demanda muito antiga que é a casa dos estudantes indígenas da UFRGS”, afirma a indígena, do povo Kaingang e também pesquisadora mestranda da universidade Angélica Domingos. A ocupação teve início no domingo (6), com indígenas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani que retomaram um prédio da Prefeitura de Porto Alegre, na entrada do Túnel da Conceição, em frente ao Campus Centro da Universidade. 

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Ao todo, cerca de 50 indígenas reivindicam a construção de uma Casa do Estudante Indígena, demanda antiga dos povos, que nunca foi atendida pela Universidade, apesar da comunidade ter protocolado um pedido formal à entidade. “É uma demanda que surge, principalmente, relacionada às mulheres indígenas que são mães e estudantes. Já viemos há algum tempo tentando um diálogo com a UFRGS e nada foi feito de concreto, de resposta a essa demanda. As mães indígenas não podem ficar com suas crianças na casa do estudante universitário, que é o que eles nos oferecem”, afirma Angélica. Ela pontua que há mais de sete anos os estudantes aguardam retorno sobre a casa de estudante indígena. 

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Conforme reforça a pesquisadora, muitas mães-estudantes indígenas vêm de aldeias distantes, das aldeias do interior do estado, e não conseguem ficar com seus filhos durante a graduação, o que dificulta a permanência das estudantes na universidade. “Algumas mães acabam ficando escondidas com as crianças na casa do estudante universitário, um lugar que não aceita a presença de crianças no local”, expõe Angélica, complementando que o referido local não oferece segurança física para as crianças. 

“Nesse sentido viemos ocupar esse prédio. Vamos encaminhar um documento para o Ministério Público, para também cobrar a UFRGS sobre essa demanda dos estudantes indígenas. A maioria que está aqui são estudantes que não têm moradia, as aulas presenciais da UFRGS já vão começar, o pessoal está vindo e não tem moradia para si e para suas crianças. Por isso estamos ocupando esse lugar, trazendo a nossa defesa, a defesa das nossas vidas, a defesa dos nossos modos de vida, para que a gente possa ter uma universidade que nos respeite, que respeite a pluralidade de tantos povos que hoje acessam a universidade”, ressalta a pesquisadora. 

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Presente na ocupação, Gah Té Iracema, kujà, pajé do povo Kaingang, que recentemente foi indicada pela universidade para o título de Dra. Honoris Causa, destaca a importância da retomada. “Estou aqui com essas mães, sou vó. Faz tempo que a gente pede essa casa, a casa do estudante. Os outros vêm da aldeia, estão chegando aqui, para manter a nossa cultura. Que a nossa cultura tem a ver com as crianças, fazendo o artesanato, mostrando para a sociedade a nossa vivência. Na casa do estudante não dá para fazer isso porque tem uns estudantes que estudam de dia, dai incomoda, e aqui não, vai ser tudo em conjunto”, afirma. 

O prédio ocupado está abandonado há cinco anos e foi cedido para a UFRGS, mas no começo de fevereiro devolvido à Prefeitura. “Estamos precisando de todo apoio possível, tanto de pessoas para estar aqui junto, e materiais de todos os tipos para ficarmos nesse local”, friza Angélica. 

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A ocupação tem o apoio do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). E necessita de doação de Alimentos e utensílios de cozinha, botijão, água, fios, canos, compensado, martelos, pregos, produtos de limpeza, sacos de lixo, luvas, vassouras e gerador. Doações podem ser feitas pelo PIX 03478244048 - Jaqueline de Paula. 

Confira aqui a carta protocolada por estudantes indígenas, em 2017, solicitando a casa de estudante indígena. 

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O prédio ocupado está abandonado há cinco anos e foi cedido para a UFRGS, mas no começo de fevereiro devolvido à Prefeitura / Foto: Alass Derivas - Deriva Jornalismo

Abaixo a nota das mães estudantes 

Neste momento, em Porto Alegre, estudantes indígenas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani retomam um prédio da Prefeitura de Porto Alegre, na entrada do Túnel da Conceição, em frente ao Campus Centro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. São cerca de 50 indígenas, mães que reivindicam a construção de uma Casa do Estudante Indígena, demanda antiga dos povos, que nunca foi atendida pela Universidade. Gah Té Iracema, kujà, pajé do povo Kaingang, que recentemente foi indicada pela universidade para o título de Dra. Honoris Causa, está junto retomando este território. Retomada, pois toda Porto Alegre é território ancestral indígena, guarani, kaingang, charrua. O imóvel abandonado há cinco anos, foi cedido para a UFRGS, mas no começo de fevereiro devolvido à Prefeitura.

A permanência das pessoas que ingressam na Universidade através de Ações Afirmativas, como as estudantes indígenas, é uma luta dura e importante. Não adianta só colocar as pessoas para dentro dos muros, das salas, é preciso dar condições para que elas sigam seus estudos e dentro da visão de mundo que acreditam e vivem. É preciso o básico, como moradia, alimentação, cuidado com os filhos, respeito à cultura. É luta de anos! Em carta de 2017 direcionada à Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas (CAF) da UFRGS, o coletivo de estudantes indígenas exigiu ações da universidade para que a cultura dos povos seja respeitada e valorizada, o que é fundamental para a permanência nos estudos, a não desistência, o não se "embraquecer". Entre os pontos sugeridos, no final da carta, o destaque para a importância de uma casa indígena.  

"[...] uma casa de estudantes indígenas, uma ég īn, uma casa nossa onde poderemos praticar nossa cultura, nossas formas de estar bem uns com os outros, seja na alimentação, na contação de histórias, nos aconselhamentos dos mais velhos aos mais novos, nos risos e nos rituais, os quais consagram nossos corpos é uma demanda urgente e será pauta contínua na agenda das discussões acerca das ações afirmativas e na construção de uma universidade intercultural e que respeita os povos originários deste território".

A necessidade de um espaço assim também se dá para que as mulheres possam criar com tranquilidade seus filhos. O tema já foi assunto de reportagens e trabalhos acadêmicos, como a dissertação "Indígena-Mulher-Mãe-Universitária o estar-sendo estudante na UFRGS", de Patrícia Oliveira Brito. "São mulheres que em geral apresentam na sua forma social e cultural a vivência do casamento e da maternidade em idades que coincidem com a experiência do ensino médio e superior, sendo a convivência com suas crianças uma característica que as identifica", explica a pesquisadora. 

O coletivo indígena denuncia que após 2008, quando as Ações Afirmativas começaram, algumas mulheres já viveram na Casa do Estudante da UFRGS tendo que esconder seus filhos, pois o regimento interno da casa não permite crianças. Os vigias e seguranças fingiam que não viam, mas a necessidade do esconder. Imagina viver assim? 

Querendo mudar essa situação, abrir um espaço de respeito à cultura e ao modo de viver dos povos dos estudantes indígenas, este prédio está sendo retomado neste momento. 

Fortaleça a ocupação. Tragam alimentos, produtos de limpeza, some-se nessa luta.


Em nota à imprensa, a UFRGS informou que:

- A Universidade Federal do Rio Grande do Sul é uma universidade aberta e que trabalha pela inclusão. No que diz respeito à população indígena, oferece ingresso por todos os meios estabelecidos na legislação acadêmica: cotas no vestibular, acesso via SISU e Processo Seletivo Específico para Indígenas.

- Em todas as questões de assistência envolvendo a população indígena, a UFRGS atua observando os limites e diretrizes estabelecidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

- A UFRGS foi uma das universidades que mais destinou recursos nos últimos dois anos para o atendimento assistencial, o que inclui os indígenas. O valor investido foi superior a R$ 38 milhões.

- Entre as modalidades de assistência estão as Casas do Estudante, localizadas em três campi distintos, totalizando cerca de 550 vagas, disponibilizadas a todos os alunos que contemplem os requisitos dos editais de chamamento.

- Além disso, os indígenas têm vaga garantida na moradia estudantil e, no caso de mães ou pais, podem optar pelo auxílio-moradia, caso assim desejem.

- A Universidade está em contato com a Prefeitura de Porto Alegre, proprietária da área, para atuar de forma cooperada no tema. Um representante da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis será indicado para integrar os trabalhos e o diálogo com os estudantes indígenas.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko