NA CÂMARA

Lira inicia trâmite de projeto que exclui Mato Grosso da Amazônia Legal e agrava desmatamento

Se o projeto for aprovado, percentual obrigatório de preservação da floresta no estado cairá de 80% para 20%

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Arthur Lira se reúne com o relator do PL, Neri Geller (à esq.), e o autor do projeto, Juarez Costa (à dir.) - Reprodução/Facebook/Neri Geller

A Câmara dos Deputados avançou com a tramitação do Projeto de Lei (PL) 337/2022, que pretende excluir o estado do Mato Grosso da chamada Amazônia Legal. A região é composta também por Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão.

Pela Código Florestal, propriedades no bioma amazônico devem manter 80% da vegetação original conservada, a chamada Reserva Legal. Se o projeto for aprovado, o percentual de preservação obrigatório no Mato Grosso cairá para 20%.

O PL foi protocolado na Câmara em 22 de fevereiro, com autoria do deputado Juarez Costa (MDB-MT). Na quinta-feira (9), o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deu andamento à tramitação.

Lira designou o deputado federal Neri Geller (PP-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), como relator da matéria, e a distribuiu para análise das comissões permanentes em tramitação ordinária, ou seja, sem pular etapas regimentais. 

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Justificativa não procede, diz especialista 

Para Alice Thuault, diretora-executiva do Instituto Centro de Vida (ICV) e integrante do coletivo Observa-MT, a exclusão do estado da Amazônia Legal “não faz sentido”.

“Nem em termos de bioma, pois o Mato Grosso tem mais de 50% do seu território com Floresta Amazônica; nem em termos de segurança jurídica para os próprios produtores, pois, para aplicarem essa mudança, terá que ser revista grande parte das normas ambientais do estado”, avalia. 

“Também não faz sentido se pensarmos no apoio que o estado recebe. Se a mudança passar, ele vai perder diversas políticas públicas, recursos diretos que o Mato Grosso recebe por estar dentro da Amazônia Legal. Por exemplo, apoio internacional e também políticas ligadas à floresta”, complementa.

Pelas redes sociais, Geller, relator do PL, garantiu que vai “trabalhar arduamente" pela aprovação. A medida “vai possibilitar a expansão da nossa fronteira agrícola para atender o aumento da demanda nacional e internacional por alimentos”, justificou o deputado.

O argumento é rebatido pela diretora do ICV. Para ela, o que está em jogo não é a produção de alimentos para uma população local, e sim a produção de commodities agrícolas. “Boa parte do alimento consumido no Mato Grosso vem de São Paulo. Então o tema que está sendo discutido não é 'produção de alimentos'", pontua Thuault.

É um mito, na avaliação dela, que o agronegócio precisa de mais terras para aumentar a produção. "A fome é um problema real. Mais de 55% dos lares brasileiros têm algum grau de insegurança alimentar. Para acabar com isso, é preciso trabalhar o acesso a alimentos e investir na produção de alimentos saudáveis, e não de commodities", afirma.

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Mato Grosso, o mais "agro" do país

O Mato Grosso pode ser considerado o estado mais “agro” do país. É o líder de produção de soja e milho, além de abrigar o maior rebanho bovino brasileiro. A expansão agropecuária começou na década de 1970, quando pequenos produtores do Sul e do Sudeste brasileiros migraram para o estado em busca de terras. 

O resultado foi uma extensa perda de vegetação amazônica. Dono da quinta maior área de floresta amazônica entre os estados, o Mato Grosso liderou o número de alertas de desmatamento em janeiro e fevereiro deste ano, segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Entre agosto de 2008 e julho de 2019, 92% do desmatamento registrado em fazendas mato-grossenses de soja foi feito de forma ilegal, ou seja, sem autorização de órgãos ambientais. Do total de área desmatada nesse período, 20% fica em fazendas de soja. 

Levantados pelo Instituto Centro de Vida (ICV), os dados indicam que a ilegalidade se concentra em latifúndios. Mais da metade da derrubada irregular registrada em fazendas de soja ocorreu em apenas 176 propriedades. Destas, 85% são grandes propriedades com área superior a 1,5 mil hectares.


O último senso agropecuário do IBGE (2017) revela que o agronegócio domina 77% das terras agricultáveis no país / Governo do Mato Grosso

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Relator do PL já foi preso pela Lava Jato 

Relator do PL, o deputado federal Neri Geller é vice-presidente da Frente Parlamentar Agrícola (FPA) na Câmara. Segundo reportagem do De Olho nos Ruralistas, é dono de fazendas em Diamantino e Sorriso, no Mato Grosso. Em ambos os municípios, há relatos de disputas de terras entre latifundiários e indígenas. 

O relator do projeto tem sua base política na cidade mato-grossense de Lucas do Rio Verde, um dos principais produtores de soja do país. Geller já foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no governo de Dilma Rousseff (PT) em 2014. Por duas vezes, foi secretário de Política Agrícola do Ministério, em 2013 e 2016.

Enquanto ministro, o ruralista foi citado na operação Terra Prometida, que investigou a atuação de pistoleiros armados contra posseiros da reforma agrária no assentamento Tapurah-Itanhangá, um dos maiores da América Latina. 


Geller também é relator da nova lei do licenciamento ambiental, considerada a proposta mais radical em termos de flexibilização ambiental já apresentada no Congresso / Reprodução/Facebook

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Segundo a Polícia Federal (PF), o objetivo da ação criminosa era obrigar as vítimas a vender terras ilegalmente por preços reduzidos. Entre os mais de 50 presos na operação, estavam dois irmãos de Geller. Ele alegou inocência e afirmou que não possuía terras na área investigada. 

Em 2018, durante seu terceiro mandato de deputado federal, Geller foi preso na operação Capitu, desdobramento da Lava Jato, sob a acusação de participar de um esquema de propina envolvendo a empresa JBS.

Junto com ele, foram detidos Joesley Batista e Ricardo Saud, executivos da JBS, além do vice-governador de Minas Gerais Antônio Andrade (MDB). Geller negou qualquer irregularidade e foi solto três dias depois por autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Edição: Rodrigo Durão Coelho