fiscalização do MPT

Operação resgata 13 trabalhadores rurais submetidos a trabalho análogo à escravidão em Goiás

Homens haviam sido aliciados nos estados de PE e AL e levados para cultivo de cana-de-açúcar em Quirinópolis (GO)

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Grupo resgatado atuava em fazenda produtora de cana-de-açúcar; empresa fornece matéria-prima para uma das maiores usinas de etanol do estado - Divulgação

Uma operação realizada no interior de Goiás resultou no resgate de 13 trabalhadores rurais que eram submetidos a um contexto de trabalho análogo à escravidão no município de Quirinópolis, no sul do estado. Eles atuavam em uma fazenda produtora de cana-de-açúcar

Coordenada por auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), a ação durou de segunda (21) até esta sexta-feira (25), terminando com a imposição de pagamento de verbas rescisórias no valor de R$ 83 mil aos trabalhadores explorados pelo dono da fazenda.

Segundo a equipe de resgate, o grupo havia sido aliciado nos estados de Pernambuco e Alagoas por meio de uma empresa “inidônea economicamente” e cujos donos são conhecidos por esse tipo de prática. 

De acordo com os fiscais, havia mais de dez anos que não eram flagrados casos de trabalho escravo no setor sucroenergético de Goiás. No caso em questão, a unidade rural que explorava os 13 trabalhadores fornece cana para uma das maiores usinas de etanol do estado.

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O grupo era alojado na cidade de Bom Jesus de Goiás, a cerca de 150 km do local de trabalho, e por isso se deslocava diariamente para a zona rural de Quirinópolis, enfrentando uma média de 5 horas de trajeto por dia em uma jornada que se iniciava às 5 horas da manhã. Os 13 homens retornavam para o alojamento somente após as 18 horas.


Fiscais impuseram custas trabalhistas a fazendeiro que havia contratado trabalhadores; grupo recebeu total de R$ 83 mil, além de R$ 3 mil para cada funcionário por dano moral / Divulgação

“Chegava a 13 horas por dia [o tempo] que eles despendiam em prol do trabalho. Chegavam muito cansados em casa e ainda tinham que lavar as roupas e, no outro dia, tinham que acordar cedo pra fazer a própria comida antes de sair, já que o empregador não forneciam alimentação pra eles”, relata o coordenador da operação, Roberto Mendes.

Os funcionários encontrados na fazenda de cana também estavam sem registro.  

“Isso por si só é apenas uma infração trabalhista, mas, conjugada com esse cenário de ‘degradância’, ajuda a agravar porque, caso ocorresse um acidente ou eles adoecessem, ficariam desamparados pela proteção social. É uma irregularidade que vem se somar a esse cenário e configurar a situação como trabalho análogo à condição de escravo”, acrescenta Mendes.

A ação da fiscalização contou ainda com equipes do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública da União (DPU) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Auditor-fiscal do Trabalho do MTP, Roberto Mendes conta que o grupo se surpreendeu com as condições do local onde os funcionários da fazenda eram alojados.

“Eles estavam dormindo em duas casas. Embora tivessem estruturas boas, elas só tinham colchões e o fogão. Os colchões estavam jogados no chão, não tinham roupa de cama, não havia lugar pra sentar e o local pra tomar banho era apenas o cano do chuveiro. [Havia] muita sujeira também, então, estavam em total degradação esses alojamentos”.

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Encaminhamentos

Com a ação dos fiscais, além dos R$ 83 mil de verbas rescisórias impostas ao dono da fazenda, as equipes impuseram pagamento de R$ 3 mil em dano moral individual para cada trabalhador, bem como um total de R$ 50 mil em dano moral coletivo.


Cenário do alojamento encontrado pelos fiscais ajudou a caracterizar situação de trabalho análogo à escravidão / Divulgação

O produtor também assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPT se comprometendo a não reincidir em infrações trabalhistas. Os funcionários resgatados retornarão às suas cidades de origem a partir deste sábado (26).

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Reforma trabalhista

Segundo Roberto Mendes, após a aprovação da reforma trabalhista, que entrou em vigor no país no final de 2017, os fiscais têm recebido muitas denúncias relacionadas a empresas que exploram mão de obra de forma irregular no setor sucroalcooleiro de Goiás. Somente este ano já houve mais de dez manifestações com esse teor.

A terceirização irrestrita permitida pela reforma teria intensificado o cenário de precarização de direitos trabalhistas, abrindo caminho também para situações mais degradantes, como é o caso do que foi constatado na operação desta semana.

“Ainda não tivemos condições de checar todas as denúncias que chegaram este ano, mas os fatos relatados são semelhantes a esses e envolvem trabalhadores que são trazidos do Nordeste e submetidos a condições bastante precárias”.

 O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, Maurício Krepsky, disse que a auditoria costuma ter um olhar mais atento para esse tipo de ocorrência por conta da importância de se combater a lógica do trabalho escravo.

“As contratações de serviços de terceiros devem obedecer ao disposto na legislação trabalhista, sob pena de essa relação ser descaracterizada no momento da ação fiscal, além da autuação dos responsáveis ser agravada por fraude ao vínculo de emprego.”

Edição: Rodrigo Durão Coelho