DIREITOS HUMANOS

Instituições pedem posicionamento da ONU pela omissão do governo brasileiro na pandemia

Denúncias estão organizadas no Relatório de Violações de Direitos Humanos no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Objetivo é fortalecer a responsabilização do estado brasileiro no âmbito da legislação social e nos acordos internacionais em que o Brasil é signatário - Foto: Gilnei J. O. da Silva

A omissão do governo brasileiro no enfrentamento à pandemia da covid-19 e a falta de estratégias de prevenção para evitar as mais de 650 mil mortes registradas impulsionaram instituições brasileiras a solicitar, junto às organizações internacionais, a responsabilização e a punição ao governo do Brasil.

O tema foi tratado em um evento paralelo à 49ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, “As Violações dos Direitos Humanos no contexto da Covid-19 no Brasil”. O tema foi debatido na terça-feira (29). A atividade teve como base o relatório que contém 21 requerimentos detalhados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O objetivo do encontro foi apresentar a situação de violações dos direitos humanos no país, mostrando aspectos, análises e casos que caracterizam violações, apontando caminhos que responsabilizam o Estado brasileiro no enfrentamento da crise sanitária e recomendando aos organismos internacionais um posicionamento.

Acesse o Relatório de Violações de Direitos Humanos no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil

A atividade foi proposta pela Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH); Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil); Fórum Ecumênico ACT Brasil (FE ACT Brasil); Processo de Articulação e Diálogo para a Cooperação Internacional (PAD) e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH).

As organizações parceiras foram: Conselho Nacional de Saúde (CNS); Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP); Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH); Associação Brasileira de Juízes pela Democracia (ABJD); Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (RPCT Brasil); CDES Direitos Humanos; SOS Corpo – Instituto Feminista pela Democracia; FLD-COMIN-CAPA; Vida e Justiça – Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19; MISEREOR e PPM.

País reduziu investimentos no momento mais crítico

Romi Bencke, secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), da coordenação da AMDH e coordenação do Fórum Ecumênico ACT Brasil, afirmou que o atual panorama dos Direitos Humanos é de graves violações.

“Em especial no Brasil onde a pandemia demonstrou o descaso do governo em tratar da questão sanitária, o que se deve a fatores como a falta de estratégia eficiente, junto com o processo sistemático de sucateamento e sub financiamento do SUS, que vêm se sustentando desde as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da EC95, que prevê a limitação das despesas primárias do orçamento público por 20 anos”, disse Bencke.

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Ela afirmou que essa Emenda levou o país a reduzir investimentos em políticas públicas que visam garantir direitos básicos da população, sobretudo para a população mais pobre. “Ante a tragicidade do número de vítimas em 2020, ao invés do governo federal garantir vacinas já oferecidas ao país no ano de 2020, o Brasil vivenciou o período mais dramático da pandemia, alcançando picos de mais de 3 mil mortes por dia”, complementou, lembrado que até o momento o número de vidas perdidas é de mais de 659 mil, o que coloca o Brasil no segundo país com maior número de mortes.

Governo falhou no combate à pandemia

Mércia Alves da Silva, do SOS Corpo – Instituto Feminista pela Democracia, da coordenação do Processo de Articulação e Diálogo e da coordenação do AMDH, afirmou que o governo brasileiro falhou na aquisição de vacinas e não fez qualquer campanha formativa e de mobilização para fortalecer o processo de imunização, acentuando a crise sanitária.

“Esse é um quadro que mostra como os DH vem sendo desrespeitados, com violações de forma massiva, atingindo a população em geral, especialmente as mais vulneráveis como povos indígenas, população de rua, população encarcerada, moradores de periferia, negros e negras, mulheres, PCDs, LGBTQIA+, entre outros grupos”, disse Mércia.

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Para Flávio Valente, médico, mestre em Saúde Pública, pesquisador da AMDH, da Sociedade Maranhense e um dos especialistas que contribuiu para a elaboração do documento, 480 mil mortes pela covid-19 poderiam ter sido evitadas se fossem tomadas as medidas necessárias: “Temos centenas de milhares de órfãos e milhões de sequelados. O Estado brasileiro, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, teria condições para conter a pandemia, mas ao contrário do esperado ignorou o que vinha ocorrendo, como passou a contestar as informações prestadas por especialistas da área, avalizadas pela OMS, assim como ignorou ações que pudessem ser feitas para conter o vírus”.

Na avaliação do médico, “demanda-se que justiça seja feita pelas famílias que sofreram perdas e que o governo e o presidente Jair Bolsonaro sejam responsabilizados. Ele destacou ainda o descumprimento do Marco Legal de Saúde do Brasil.

Retrocesso dos direitos humanos

Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), afirmou que o país vive um retrocesso dos direitos humanos, com a inexistência com um Plano Nacional de Direitos Humanos, omissão do governo federal frente à pandemia e ainda divulgação de mensagens que confundiram a população.

Além disso lembra que as violações aos DH remontam ao período da ditadura militar. “O governo revogou o plano de DH, um compromisso público do estado brasileiro e que não está sendo implementado, além de estar descontruindo o período democrático que vivemos e não cumprir a Constituição. É importante levarmos esta denúncia de violações para que as instituições internacionais reconheçam o genocídio que vivemos”, disse.

Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, informou que desde o início da pandemia o CNS emitiu, em média, um posicionamento público a cada três dias. Reforçou que, caso o governo federal tivesse seguido as recomendações feitas pela Organização das Nações Unidas e entidades, como o próprio CNS, o número de pessoas que perderam a vida devido à doença no país poderia ter sido reduzido.

As ações e omissões do governo brasileiro levaram à violação dos direitos humanos, especialmente o direito à saúde e à vida. Isso porque não forneceu orientações adequadas e nem a proteção necessária contra a pandemia. Ao contrário, atuou em favor do vírus”, disse.

SUS deve ser fortalecido

O presidente do CNS defendeu a ampliação dos investimentos na saúde como parte essencial para a manutenção do SUS. “Foi o Sistema Único de Saúde que garantiu o atendimento à toda a população. Fazem da saúde mercadoria visando os lucros, onde o custo são as vidas dos mais pobres, pretos, quilombolas, mulheres e indígenas. Buscamos a responsabilização daqueles que agiram de forma criminosa na pandemia. Queremos reparação para as vítimas. Buscamos proteção e cuidado das pessoas com sequelas, órfãos e familiares. As vítimas da covid-19 clamam por justiça”, finalizou.

Valdevir Both, coordenador executivo do CEAP e membro do Fórum Nacional de Defesa do Direito Humano à Saúde, lembrou que ainda no início da pandemia pesquisadores e lideranças apontavam para possíveis números alarmantes de mortes caso não fossem tomadas medidas necessárias.

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“Estes especialistas foram ridicularizados pelo governo Bolsonaro e hoje vimos estes números se tornarem reais, com mais de 659 mil mortes. A gravidade do contexto vai além, e está traduzido em números. Nós temos hoje quase 30 milhões de brasileiros infectados e recentemente a OMS disse que 10% a 20% dos curados desenvolverão sequelas”, pontuou.

Valdevir citou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) para evitar que a tragédia fosse ainda maior. “Se não fosse o SUS esses números seriam duplicados, triplicados, por isso a defesa do SUS é imprescindível neste momento. O SUS é um sistema público universal, de acesso a todos e todas e não queremos uma cobertura universal, um pacote básico de saúde para a população como propõem alguns organismos internacionais e o governo Bolsonaro. Por isso, temos dois grandes desafios: lutar para que tenhamos o SUS fortalecido, com mais financiamento. Outro desafio é responsabilizar os o presidente Bolsonaro e todos os responsáveis por esse genocídio no Brasil”, afirmou.

"Temos que responsabilizar o Estado brasileiro"

Jymena Reyes, representante da Federação Internacional de Direitos Humanos, afirmou que o governo Bolsonaro atingiu o direito humano à vida, à saúde e à informação no contexto da pandemia da covid-19.

“Temos que responsabilizar o Estado brasileiro na administração da pandemia de covid. Não existe uma obrigação de resultado, não se pode pedir ao Estado que previna todas as mortes, mas existe obrigação de diminuir, o que significa que o Estado deve fazer todas as medidas possíveis para que o vírus não seja espalhado” disse.

“O governo Bolsonaro, com sua atitude populista, realizou ataques contra a ciência no contexto da pandemia, atuando com clara negligência. Na nossa avaliação o governo atuou com clara negligência, as respostas das autoridades à pandemia foi combustível e agravou a crise sanitária. O presidente agravou o contexto da pandemia quando chamou de ‘gripezinha’. Ele utilizou a pandemia como oportunidade para diminuir a expertise, incluindo as orientações da OMS, além de humilhar especialistas e ainda reduziu o orçamento de medidas sanitárias relativas à covid, isso causou muito mais mortes”, finalizou Jymena.

Eneias da Rosa, da Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, lembrou que a sociedade civil tem se organizado para levar denúncias aos organismos internacionais. “Estamos esperando e precisando manifestações mais concretas dos organismos internacionais dos direitos humanos com relação às ameaças à democracia e às violações de DH que nossa população tem sofrido, em especialmente pelos grupos historicamente mais vulneráveis e com direitos violados”.

Segundo Eneias, a agenda de denúncias irá seguir nas próximas semanas com entidades nacionais e internacionais. “Já estamos com previsão de agenda de diálogo com o escritório do Brasil da ONU e representação do alto comissariado para as Nações Unidas na América Latina, além de agendas em nível nacional”, revelou.

 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira