Mobilização

Tentativa de criminalizar movimentos por meio da Lei Antiterrorismo não intimidará MST

Segundo o dirigente Alexandre Conceição, os comitês populares são reação do movimento ao governo Bolsonaro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O dirigente do MST cita a criação de cerca de cinco mil comitês populares em todo o Brasil - Foto: Reprodução MST - 8 de Março

O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 732 para atualizar da Lei Antiterrorismo que, se aprovado, irá abrir brechas para a criminalização de movimentos socias. A proposta inclui “ações violentas com fins políticos ou ideológicos” na classificação de terrorismo. Por outro lado, o governo propõe amenizar punições a policiais. 

Criminalização de movimentos sociais 

Para Alexandre Conceição, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o projeto de lei é uma forma de “ameaçar quem faz mobilização”. 

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“Nós temos dito que medidas como essas são preocupantes, mas não nos acovardam. Nós seguiremos resistindo e lutando pela democracia e pelos nossos direitos. Não é Bolsonaro nem o bolsonarismo que vai nos intimidar com as suas ameaças”, diz Conceição. 

O PL também busca, num segundo plano, agradar a base eleitoral bolsonarista, à qual o presidente já prometeu que classificaria o MST como grupo terrorista, durante a campanha de 2018.

Não é, portanto, a primeira vez que movimentos sociais com o MST ficam sob o guarda-chuva das ameaças neste governo. Desde que assumiu a Presidência, em 2019, por exemplo, o capitão reformado suspendeu os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de aquisição de terras para a reforma agrária e os processos de identificação e delimitação de territórios quilombolas. 

Agora, Conceição analisa a proposta legislativa por dois vieses. O primeiro é como uma reação às iminentes manifestações de rua e outros tipos de mobilizações contra o atual governo, devido principalmente ao arrefecimento da pandemia de covid-19 e do acirramento das narrativas dada a proximidade das eleições.  

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“Bolsonaro sabe e está vendo que a situação popular dele está ruim. Com a contaminação diminuindo, as lutas tendem a crescer ainda mais, como decorrência da crise social, do desemprego e da carestia. Então, a tendência de mobilização no Brasil aumenta contra o governo Bolsonaro. Por isso que eles querem se preparar para impedir qualquer tipo de mobilização da classe trabalhadora”, analisa Conceição.  

Um outro ponto é justamente atacar os movimentos que travam a luta por terra e moradia. Nesse sentido, soma-se ao projeto de lei a defesa do excludente de ilicitude sustentada por Bolsonaro. No mesmo dia em que o governo federal enviou à Câmara dos Deputados a proposta de modificar a Lei Antiterrorismo, o capitão reformado voltou a fazer a defesa contumaz do tema.  

“Me constrange ver nossas Forças Armadas (…) responder processo após cumprimento de uma missão. Tem que dar a garantia de paz e tranquilidade para esses jovens que fazem cumprir a lei (…) Buscamos com isso o excludente de ilicitude em que até eu, numa missão real, me voluntaria para estar ao lado dessa tropa, apesar da minha idade”, afirmou durante a entrega de comendas da Ordem do Mérito do Ministério da Justiça na última sexta-feira (23). 

Na ocasião, Bolsonaro afirmou que a ampliação da previsão legal do dispositivo e a flexibilização das regras para aquisição, porte e posse de arma de fogo ajudariam a combater a violência no Brasil. “Os armamentos e o excludente de ilicitude vão na linha da mudança da lei de terrorismo”, diz Conceição. No geral, trata-se de “apertar o cerco” e “incriminar os movimentos”.  

Comitês populares 

O dirigente do MST cita a criação de cerca de cinco mil comitês populares em todo o Brasil como uma “uma resposta” ao governo de Jair Bolsonaro, e também uma “ameaça” para o capitão reformado. 

Os primeiros comitês foram lançados em 19 de março, em Londrina (PR).

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“Nessas eleições nós, movimentos populares, sobretudo o MST, definimos que vamos para as eleições para eleger Lula. Nós precisamos fazer uma disputa organizativa e ideológica. E essa disputa não vai se dar apenas nas redes sociais, mas também na organização da base, e organizar a base é organizar comitês populares”, explica Conceição. 

Os comitês serão organizados nos níveis estadual, regional e municipal e por categorias. Conceição explica que serão uma espécie de comitê para debater sobretudo as eleições presidenciais e um programa emergencial para tirar o Brasil da crise. A ideia é apresentar a iniciativa para o ex-presidente Lula.

"O povo brasileiro precisa estar discutindo e participando efetivamente da política. Por isso nós vamos constituir mais de 5 mil comitês todo o Brasil”, disse Conceição. 

Lei Antiterrorismo 

Atualmente, o texto da Lei nº 13.260/2016, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), considera terrorismo enquanto prática de atos motivados por "xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública". 

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A proposta legislativa sugere que terrorismo passe a consistir na “prática, por um ou mais indivíduos, dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião ou com o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio ou a paz pública ou sua incolumidade”. 

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pelo projeto, “com isso [a proposta], busca-se punir com mais rigor condutas de elevada periculosidade, que podem colocar em xeque a sobrevivência do próprio Estado de Direito”. 

Edição: Rebeca Cavalcante