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Acampamento Terra Livre quer 1 milhão de assinaturas contra "Pacote da Destruição"

A Carta Aberta, escrita em português, inglês e espanhol, denuncia que o PL 191 pretende premiar grileiros

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Em Carta Aberta, indígenas esperam obter o apoio popular para entregar documento que se opõe ao garimpo em terras indígenas, em tramitação no Congresso - Foto: Matheus Alves/Cobertura Colaborativa Apib

“Não temos dinheiro para comprar deputados” É dessa forma, sem meias palavras, que Megaron Txucarramãe falou à plenária do 18º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Um dos maiores líderes indígenas do Brasil, Megaron ironizava as dificuldades no convencimento dos parlamentares para as votações de projetos de lei que fazem parte do chamado “pacote da destruição”, todos em tramitação nesta Legislatura. As esperanças em reverter o pior dos cenários estão depositadas na coleta de esperadas 1 milhão de assinaturas para a Carta Aberta contra o PL 191, o projeto de lei do governo Bolsonaro que muda a legislação para a exploração mineral, a construção de hidrelétricas e de grandes projetos de infraestrutura em terras indígenas.

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Megaron Txucarramãe acompanha acampamentos em Brasília desde antes da promulgação da Constituição Federal, em 1988. Conhece bem tanto o gramado da Esplanada dos Ministérios quanto os corredores verdes e azuis do Congresso. E, assim como outras lideranças, vê com muita preocupação a intensa movimentação dos parlamentares favoráveis ao “pacote da destruição”. “Para os brancos, a riqueza do Brasil é pedra”, disse, se referindo ao garimpo.

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Embora não seja o único projeto de lei que tramita no Congresso ameaçando direitos indígenas e fragilizando a manutenção das florestas amazônicas, o PL 191/2020 virou o foco das manifestações dentro do ATL. O acampamento levanta a bandeira da demarcação de terras como principal foco em seus 18 anos de luta, mas desta vez os indígenas decidiram reagir a essa ameaça direta e frontal aos direitos dos povos originários.

Um dos momentos mais importantes da plenária na terça-feira (5) foi o lançamento da Carta Aberta contra o PL 191, o projeto que foi proposto pelo Executivo e teve requerimento de urgência aprovado na Câmara dos Deputados, a pedido do líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), em 9 de março. 

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Mas quase um mês depois de aprovada a urgência, ainda não foi constituído o Grupo de Trabalho (GT) que deveria tratar do assunto em 30 dias, conforme foi anunciado pelo presidente da Câmara, o agropecuarista Arthur Lira (Progressistas-AL). Cabe à Mesa Diretora a criação da comissão temporária.

Até o momento não foram definidos os nomes de 13 deputados da base do governo e 7 da oposição que deveriam compor o GT. A aprovação do requerimento por 279 votos favoráveis, 180 contra e 3 abstenções passou como um rolo compressor por sobre o apelo popular de milhares de jovens que estavam em frente ao Congresso, no Ato pela Terra, convocados por Caetano Veloso e uma dezena de artistas.

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Ainda não está claro se houve um recuo ou uma ação de desmobilização para voltar com o rolo compressor no Congresso a qualquer momento. O deputado Nilto Tatto (PT-SP), membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, disse acreditar que os governistas vão esperar outro momento para discutir o PL 191, e que esse debate não ocorrerá por meio de um GT.

“Eu acredito que o próprio Lira está desistindo de criar o GT porque sentiu, com o Ato pela Terra e agora com o ATL, que chamam muito a atenção não só da sociedade brasileira, mas também da comunidade internacional. Parte da base do governo Bolsonaro não quer manchar mais ainda a imagem do Brasil, que já está manchada, e a do setor da agropecuária”, disse Tatto à Amazônia Real.

A Carta Aberta contra o PL 191

 


Sônia Guajajara e a Carta Aberta / Foto: Matheus Alves/Cobertura Colaborativa Apib

Pela manhã, Tatto e os integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas da Câmara e Senado estiveram na plenária do ATL para o lançamento da Carta Aberta contra o PL 191. Cada um deles leu parte do documento, que está aberto para assinaturas online. 

A Carta Aberta, escrita em português, inglês e espanhol, denuncia que o PL 191 pretende premiar grileiros com a regularização de terras invadidas, apresentando “evidentes problemas jurídicos e de inconstitucionalidade”, desconsiderando tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. “O povo brasileiro tem o dever de conhecer os graves impactos econômicos, sociais e ambientais que poderão decorrer da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, não somente para os povos indígenas, mas para todos nós”, enfatiza o texto.

Ao meio-dia, um documentarista de Madri (Espanha) conseguiu que Alessandra Korep Munduruku lhe concedesse uma entrevista. O cineasta perguntou qual o apoio internacional que ela esperava para a Amazônia. Sentada, olhando para a câmera, ela falou. “Esperamos que os estrangeiros se informem sobre o que seus países compram de ouro, soja, carne, madeira, que saem dos territórios indígenas. Muitos países falam em sustentabilidade, mas vocês não sabem o que mata o nosso povo. Vocês precisam levar informações para as suas escolas e comunidades”, disse a líder do Médio Tapajós, uma das regiões de rios mais destruídos por garimpos e de águas contaminadas por mercúrio.

Arnaldo Munduruku, cacique geral do povo que vive no Médio Tapajós, falou ao público que pretende voltar em junho com 5 ônibus apenas com pessoas de seu povo, para um novo acampamento do movimento indígena nacional. No dia 23 de junho, está agendado a continuação do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata do marco temporal.

“A situação de nossas aldeias é muito triste, o garimpo está cada vez mais invadindo nossas terras”, lamenta o cacique. Ele relata que são cerca de 19 mil indígenas em cerca de 140 aldeias, cada vez mais afetados por doenças como diabetes, diarreia, malária e principalmente pelas consequências das contaminações por mercúrio, usado como amálgama de ouro. Os Munduruku denunciam que criminosos escondem armas e drogas em seu território e muitas vezes disparam tiros e ameaçam pessoas de morte.

6 mil indígenas no ATL


Segundo dia da programação do ATL22 / Foto: Matheus Alves/Cobertura Colaborativa Apib

Durante todo o dia os povos fizeram apresentações culturais, demonstrando a cada ano mais organização nos acampamentos e também mais beleza nas pinturas corporais, nas vestes enfeitadas com miçangas e na arte plumária tradicional. Mas mesmo em rituais espirituais que dão força para a luta e oferecem um pouco de relaxamento para o cansaço de tantas horas acampados e em compromissos de trabalho, os indígenas ficaram sempre atentos aos assuntos da plenária.

No início da noite da terça, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) fechou o levantamento das credenciais de participação do 18º ATL. São cerca de 6 mil indígenas de 176 povos que já chegaram a Brasília, onde permanecem até o dia 14. Eles são o centro de atenções das cidades e das aldeias onde as notícias da mobilização chegam em tempo real pelos celulares dos próprios indígenas. Comunicadores estrangeiros literalmente estão correndo atrás de lideranças para entenderem o que os motiva a ocupar em número tão expressivo o canteiro central do Eixo Monumental. A imponente avenida de 12 pistas chega e parte da Praça dos Três Poderes – onde estão o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, a cerca de 5 quilômetros. 

É no ATL, nos próximos dias, que se poderá ouvir histórias como a de Alfredo Marubo, do Vale do Javari, no Amazonas. “Temos 30 povos sem contato. Nossas terras são invadidas por madeireiros, fazendeiros, mesmo em territórios já demarcados”, afirmou. Ele denuncia que desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República a fiscalização das Frentes de Contato dos dois mais importantes postos da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ituí e Curuça, nos limites do território indígena, deixou de existir. “Invasores entram inclusive armados na nossa terra. Não tem fiscalização. Fazemos a nossa parte, colocando os próprios índios para fiscalizar.”