Rio Grande do Sul

VIOLÊNCIA

Conflitos no campo aumentam sob um governo que trabalha contra os povos, afirmam lideranças

Atividade do Fórum Social da Resistências com membro da CPT e liderança Kaingang abordou conflitos e mortes no país

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Um dos debatedores, o coordenador Kaingang no Cepi Deoclides de Paula falou sobre a resistência dos povos indígenas no RS e no Brasil - Foto: Reprodução/ Youtube Jubileu Sul Brasil JS/BR

Os 1.768 conflitos no campo registrados em 2021 no Brasil tiveram como resultado a morte de 109 pessoas, das quais 103 são do povo Yanomami. Além disso, foram assassinados 35 lideranças defensoras de territórios. Quase 900 mil pessoas estiveram envolvidas em situação de conflito no país. Os números, do relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostram uma escalada nos últimos cinco anos que revelam o aumento da violência no campo. O professor e agente da CPT Ronilson Costa apresentou esta alarmante situação em atividade do Fórum Social das Resistências, na manhã desta quarta-feira (27).

A mesa “Conflitos no Campo: Resistência da terra, da agricultura camponesa, dos povos originários e comunidades tradicionais”, realizada na Paróquia do Redentor, em Porto Alegre, promovida pelo Coletivo Tenda do Bem Viver, contou ainda com a participação de Deoclides de Paula, que é coordenador do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi) do Rio Grande do Sul. Após suas falas, o público contribuiu no debate.

Destruição dos direitos constitucionais

“Nós os povos indígenas viemos de um massacre há mais de 500 anos. Viemos sofrendo mas lutando e esse povo não foi extreminado até agora porque é um povo que luta e não tem medo de errar”, disse Deoclides. Em sua manifestação, lembrou da vitória que foi a Constituição de 1988 mas lamentou a destruição pela qual passa no que diz respeito aos povos indígenas, principalmente do direito à educação e à saúde.

O líder Kaingang citou ainda a Fundação Nacional do Índio (Funai). “Já vinha sucateada desde 1988 pra cá e hoje não existe, é um órgão que tá para defender o garimpeiro, o madeireiro, o agronegócio pra plantação em terras indígenas”, criticou.

Ronilson constatou que o modelo instalado no país desde a colonização portuguesa é violento, feito com exploração de mão de obra escrava e favorece a concentração da terra, das riquezas e do bem comum da natureza. “As vítimas desse conflito são em grande maioria indígenas e quilombolas, roceiros, desterrados dos seus territórios, quebradeiras de coco e ribeirinhos, que mais do que os seus modos de vida defendem a causa da casa comum”, disse.

"Estava ruim e ficou ainda pior"

Ao fazer uma “crítica construtiva, saudável e necessária”, avaliou que nos anos de governo popular se perdeu a oportunidade de criar estruturas legais e de fortalecer as que já caminhavam para uma via de descentralização da estrutura fundiária no Brasil. “A terra foi pouco distribuída diante das demandas que apresentamos. Acharam melhor promover o agronegócio na sua versão mais predatória, criaram caminhos para ampliar os agrotóxicos e as novas fronteiras agrícolas”, exemplificou.

Contudo, pontuou que o que estava ruim ficou ainda pior a partir de 2016. “Com Temer e Bolsonaro, índios, quilombolas, sem terra, a CPT, e tantos outros passaram a ser inimigos e sofreram processo de criminalização e prisão. Aproveitaram a oportunidade para desconstruir as políticas públicas voltadas para o campo, para os povos, deixaram o Incra ser absorvido pelo Ministério da Agricultura, que sempre foi latifundiarista”, afirmou.

“O governo deixou de ser um mediador de conflitos e um promotor das formas que superassem desigualdades para ser inimigo ferrenho”, continuou Romildo. “A apropriação privada das terras públicas se tornou uma política pública de Estado com pressão sobre territórios tradicionais”, disse, lembrando da criança Yanomami que foi estuprada e morta em Roraima “por estar onde garimpeiros querem estar”.

Estado não provê meios para subsistência

Deoclides recordou que na região Sul do país é a soja que causa os avanços sobre territórios indígenas. “Para nós não serve, nós não comemos soja, comemos feijão, batata, arroz. Mas como vamos plantar se o governo nos nega?”, questionou. Segundo ele, mesmo as terras indígenas sendo de usufruto dos povos, os bancos não dão acesso a crédito para a produção de alimentos "porque a terra é do governo". “Até o pequeno produtor consegue financiamento, mas nós não conseguimos nada.”

“O enfrentamento nosso é terra para poder produzir nossa alimentação, mas para isso tem que ter terra demarcadas”, afirmou o coordenador Kaingang no Cepi. Ele ressaltou ainda que mais de 40% das terras indígenas no estado são áreas preservadas e cobiçadas por conta de seus recursos naturais, “bens de muito valor, como a água potável”.

Demarcação e luta contra marco temporal

O maior problema enfrentado na atualidade pelos povos originários, constatou Deoclides, é a demarcação de terra. Ele chamou a atenção para o embate mais importante, que está previsto para ocorrer em junho no Supremo Tribunal Federal (STF): o julgamento do marco temporal.

“Os povos indígenas, todos nós do Brasil, a luta nossa é em junho, tomara que não mude de novo. É demarcação de terra aos povos indígenas, mas se esse temporal passar. Senão, nossos direitos jamais vão ser conquistados”, projetou. “Se o governo que tá aí acha que a gente vai parar por aqui, tá bem enganado”, completou.

Romildo afirmou que "para onde avança o agronegócio ou onde estado optou por atuação mínima, é ali que se instala o maior número de conflitos”. Segundo ele, a região mais preocupante hoje é a chamada “nova zona de desenvolvimento agrário”, que compreende são o sul do Amazonas, o leste do Acre e o norte de Rondônia.

Assista ao debate completo:

 

Sobre os Fóruns Sociais em Porto Alegre

O Fórum Social das Resistências (FSR) e o Fórum Social Mundial Justiça (FSMJD) iniciaram nesta terça-feira (26) em Porto Alegre, com a marcha de abertura. Os dois eventos contam com atividades presenciais e híbridas. Centenas de debates vão ocorrer até o sábado (30), quando acontece a plenária de encerramento que organizará um documento preparatório para o Fórum Social Mundial que será realizado no México entre os dias 1º e 6 de maio.

O FSMJD tem atividades focadas na transformação do sistema de justiça e na defesa da democracia, reunindo membros do judiciário com movimentos sociais para repensar as estruturas que perpetuam as desigualdades. Já o FSR traz movimentos sociais e organizações que para debater saídas para as crises que se abatem sobre o mundo e o Brasil, que penalizam a população mais pobre e vulnerabilizada e o meio ambiente.

Fórum Social das Resistências: Programação

Fórum Social Mundial Justiça e Democracia: Programação


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Edição: Katia Marko