Cultura popular

Mercados públicos: espaços democráticos de trocas culturais e saberes regionais

“Conhecer o mercado público, é tocar a alma daquela cidade”, diz historiador

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Ceça trabalha há quase 38 anos no Mercado de São José, no Recife (PE) - Arquivo Pessoal
Conhecer o mercado público, é conhecer o seu povo e sua cultura

Os mercados públicos se consagraram por serem espaços de comercialização de produtos alimentares, mas também de convívio e trocas culturais entre a população local e turistas que visitam as cidades. 

É difícil definir a data exata em que os mercados públicos começam a se espalhar no Brasil. Mas, foi no século XIX, no Brasil Império, que surgiu a necessidade de se ter pontos de comércio mais salubres e com maior controle por parte do Estado. Então, por conta de um discurso médico, que surgem os mercados como conhecemos hoje. 

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"É nestes grandes edifícios, com pé direito alto, box organizados, e a partir disso, você tem a inclusão daquele comércio que antes era informal. É um local que a cultura da cidade em seu sentido mais amplo, com a gastronomia, a religiosidade, passa a ser incorporada dentro desse espaço. Os mercados públicos passam a mimetizar a cultura local e a diversidade”, explica o historiador Dirceu Marroquim, doutorando pela USP. 

Quer provar o famoso sanduíche de mortadela? Vá ao Mercado Municipal de São Paulo (SP), Quer saborear a culinária mineira? Só visitar o Mercado Central de Belo Horizonte (MG). Se você quer provar tacacá, a maniçoba ou o famoso peixe-frito com açaí é só ir no Mercado Ver-o-Peso, Belém (PA). 


Mercado de São José fundado em 1875, o mais antigo edifício pré-fabricado em ferro no Brasil. / Iggor Gomes

Todos esses mercados públicos têm em comum semelhanças na sua estrutura arquitetônica, feitos para acolher o comércio e a circulação de pessoas. Mas, os mercados pelo Brasil carregam, principalmente, a riqueza gastronômica, histórica e cultural dessas cidades.

“Conhecer um mercado público é conhecer o seu povo e sua cultura. Se você for no Ver-o-Peso, você vai encontrar coisas que dificilmente você vai encontrar no Recife ou em Curitiba. Você encontra o local, o característico que representa aquela cidade, seja no souvenir, seja na própria oferta alimentar. Então conhecer o mercado é de alguma forma tocar a alma daquela cidade”. 

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Com inspiração francesa, foi instalado no coração do Recife um dos mercados públicos mais antigos do país que data de 1875: o Mercado de São José. É o mercado mais antigo do Brasil com estrutura em ferro. Para o historiador, hoje o mercado traduz a cultura regional. 

“Hoje ele apresenta literatura de cordel, souvenirs, mas também tem um comércio de peixe, de ervas, bens religiosos de matriz africana, então é um local que efetivamente apresenta essa complexidade da cultura do Recife, como cada um dos mercados públicos são, cada um ao seu modo.”


Interior do Mercado de São José / Iggor Gomes

Maria da Conceição de Lima Tavares, mais conhecida como 'Ceça das Ervas', é comerciante no Mercado de São José há quase 38 anos. Descendente de indígenas, Ceça trabalha com ervas secas e flores. 

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“Eu nasci em mercado público, meu pai era locatário do mercado das encruzilhadas. Estudei e me formei, mas não exerci, gosto mesmo é de mexer com as ervas. O Mercado de São José é muito importante pra mim e pra todos que passam por ele, trabalhamos com pessoas da terra, mas também com turistas que vem de longe comprar ervas aqui”. 


Capital paulista possui 14 mercados públicos municipais e o mais conhecido é o Mercadão com seus 300 boxes você encontra de sanduiche de mortadela a verduras / Secom Prefeitura de SP

Ceça das Ervas ressalta que as vendas estão voltando ao normal após o período mais restrito da pandemia. “As pessoas procuram muito o mercado, quando chegam no Recife, elas não querem ir para o Alto da Sé ou para o Porto, elas querem conhecer o mercado”.

O historiador dá uma dica para quem visitar os mercados. “Quando estiverem em um mercado público, olhem pra cima, olhem além das lojas e o que está sendo oferecido como produto. Olhem os detalhes, o teto, as colunas…isso faz com que essa interação e ancestralidade desses espaços ganhem mais força”. 

Ao longo da sua história o Mercado de São José passou por algumas reformas e foi tombado como patrimônio nacional na década de 1970 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Neste momento o prédio está passando por uma restauração.

Edição: Douglas Matos