PONTES

Com fracasso da economia e da terceira via, ‘mercado’ quer ouvir Lula sobre o futuro

“Muitos empresários se preocupam com responsabilidade social e ambiental”, diz Padilha

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Lula discursa na plenária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), sua última, em dezembro de 2010. Diálogo como marca - Wilson Dias/ABR

O mundo empresarial e financeiro e seus porta-vozes na imprensa tradicional e na política não conseguiram “domar” Bolsonaro como imaginavam. Depois de operar para tirar o PT do governo com o golpe de 2016, pagaram para ver no que daria – tirando Lula da eleição – e deu no ex-capitão. A população sente no bolso e na mesa o fracasso da economia, que começou com o governo golpista de Michel Temer e só piorou.

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Além disso, o Brasil virou vergonha global. Mesmo antes da pandemia e da guerra na Ucrânia, o país estava sem rumo. Por tudo isso, o dito “mercado” já sabe que, sob as regras do jogo democrático, a volta de Lula ao governo é iminente, como indicam as pesquisas.

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A rejeição ao nome de Jair Bolsonaro não abre espaço, até o momento, para que tire pontos do líder. Lula, por sua vez, tem a menor rejeição entre os candidatos que se apresentaram. E os que desistiram, como João Doria (PSDB) e Sergio Moro (União), nada afetaram a disputa.

Lula vinha oscilado entre 45% e 52% dos votos válidos (descontados brancos e nulos), conforme a metodologia. Mas, no Datafolha desta quinta-feira (26), chegou a 48%. Desse modo, a hipótese de que a eleição se resolva no primeiro turno, em 2 de outubro, é respeitável. Ou seja, em vez de brigar com os fatos e com a democracia, é melhor o mercado ouvir o que Lula pensa e negociar uma boa transição para uma nova era.

Dialogar e negociar, aliás, é especialidade do ex-presidente, como dizem seus interlocutores. Porém, Lula não tem se exposto a encontros com empresários que em grande medida responsabiliza pelo golpe que trouxe o caos. Assim, pessoas ligadas à construção do seu programa de governo são frequentemente designadas para ir reuniões com o capital.

Sem posto Ipiranga

O mercado financeiro e o meio empresarial não têm razão alguma para temer um eventual novo governo Lula. A afirmação é do deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), interlocutor da pré-campanha do ex-presidente Lula em diversos eventos com o mercado. “Temos reafirmado aos atores do PIB brasileiro e mundial quem é o Lula. Um estadista que nunca tomará decisões sem dialogar e ouvir a sociedade. Ele não é um Bolsonaro e não precisa de um ‘posto Ipiranga’, mas não descansará, enquanto houver fome, desemprego, inflação e desrespeito à democracia”, diz Padilha à RBA.

Questionado se vai a esses eventos por ser visto como possível ministro, Padilha refuta. “Agora não se discute ministério. Porque primeiro é preciso ganhar a eleição, e estamos longe disso. Mas não temos síndrome de Bolsoguedes”, ironiza, referindo-se ao fato de na eleição anterior Bolsonaro ter antecipado o nome de seu atual ministro por não entender de economia. “Lula fala por si, ele hoje é a própria Carta aos Brasileiros, é o fio de sua credibilidade”, diz.

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O parlamentar lembra que foi ministro das Relações Institucionais do governo Lula e coordenou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). O fórum criado pelos governos petistas reunia representantes do mundo empresarial, dos trabalhadores, dos movimentos sociais, da cultura, da ciência e da academia.

Entre os objetivos, ideias de políticas públicas. “Portanto, o diálogo foi nossa marca e tenho meu nome associado a essa prática. Minha presença nessas reuniões serve para relatar as experiências bem-sucedidas de nossos governos. E também para enfatizar que num novo governo, o diálogo continuará como nossa marca.”

Diferentes visões

De acordo com Alexandre Padilha, o mundo empresarial não tem pensamento uniforme. “Ou seja, são atores que tensionam por todos os lados”, diz. Padilha avalia que há, sim, empresários que só pensam no lucro como se não houvesse amanhã. Para estes, não importam estragos ambientais, miséria ou ataques às instituições.

“Mas já se nota que muitos estão preocupados com as questões todas. Então, estão interessados em construir o diálogo, em saber o que pode vir pela frente e qual será a regra do jogo”, relata. E a regra do jogo para Lula, como define o deputado, é construir um projeto de Estado moderno, com responsabilidade fiscal, social e ambiental.


Alexandre Padilha, sobre interesse do mercado em saber planos de Lula: “Há empresários preocupados com questões sociais e ambientais” / Oswaldo Corneti/Fotos Públicas

“Desse modo, tenho mostrado nossa preocupação com a retomada de investimentos públicos que atraiam investimentos privados. É preciso olhar a questão fiscal, sim. Mas o mercado tem em Lula um exemplo de rigor fiscal que soube combinar responsabilidade com crescimento da economia e da renda do trabalho”, afirma Padilha.

“Preocupação com estabilidade e controle da inflação, mas sem esquecer que sem políticas de habitação, educação, saúde e combate à desigualdade não se constrói um país justo e soberano”, defende o ex-ministro.

Em alguns desses eventos, como num fórum paralelo à reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial em Washington, em abril, Padilha teve a companhia do economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mello integra a equipe da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, que trabalha em projetos de retomada de desenvolvimento para o Brasil.

Neoliberalismo fracassado

“O ultraliberalismo e a austeridade sem consequências se revelaram um modelo arcaico e fracassado. As grandes economias do mundo estão preocupadas com ampliação de investimentos públicos que atraiam recursos privados. Com redução das desigualdades. E, sobretudo, com a construção de um novo modelo de produção que tenha a sustentabilidade como norte. E não como algo simbólico para maquiar imagens. Isso não é possível sem a mediação e a coordenação do Estado”, afirma Mello.

E reforça: governos dos Estados Unidos à China, passando por Alemanha, Coreia, Japão, entre outros, estão investindo pesado em transição ecológica e social. Portanto, segundo o economista, não prospera mais o falso dilema ou Estado, ou mercado.

“O capitalismo precisa produzir, encontrar novas formas de energia, novos padrões de consumo, criar empregos e reduzir desigualdades. E o Estado não precisa ser um ente intervencionista, mas tampouco pode liberar geral. Precisa atuar dentro de suas responsabilidades.”

“E o que temos dito é isso: Lula sabe fazer, e já mostrou isso (2003-2010). Mas também sabe que não vai fazer igual, porque o mundo mudou. Entretanto está convicto, ainda, de que tem um conceito sólido e moderno guiando esse projeto para reconstruir o Brasil. Nas economias do século 21 não há espaço para os erros do passado”, afirma o professor da Unicamp.

Futuro irreversível

O mundo do capital está a cada pesquisa mais convencido de que a tal “terceira via” existe tanto quanto nota de R$ 3. Ou seja, o segundo turno já está em andamento. Mas a vida e o mundo dos negócios não se resumem à disputa eleitoral.

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Grandes empresas, por exemplo, já não escolhem executivos sem saber o que pensam sobre conceitos ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Portanto, preocupação com sustentabilidade e futuro do planeta, com responsabilidade social e com ética na gestão e nos negócios devem guiar o capitalismo do futuro. “Aliás, até mesmo executivos disputados pelo mercado hoje escolhem empresas que estejam mais adiantadas com práticas ESG”, observa Guilherme Mello.

O economista cita como exemplo de gestão desastrosa o que os últimos dois governos fizeram com a Petrobras. De promissora financiadora de uma economia do futuro – com grandes investimentos previstos nas próximas décadas em educação, saúde e pesquisa tecnológica com capacidade de liderar a transição energética – a Petrobras foi fatiada, teve partes desativadas, negligenciadas ou privatizadas.

“Isso porque abandonou a ampliação da capacidade de refino e o caminho da autossuficiência. Além disso, abriu mão de nos projetar para uma nova era, a das energias renováveis e de menor dependência de combustíveis fósseis”, avalia.

 

“O modelo de gestão do governo de Temer, acentuado pelo de Jair Bolsonaro, gera lucro para acionistas, muitos deles estrangeiros. Mas transforma a Petrobras em uma empresa do passado, totalmente incapaz de ajudar o Brasil no futuro. Por isso, imprensa comercial e governo operam juntos para quebrar a resistência da população à privatização. Desse modo, caminha na contramão do que os brasileiros e o mundo desenvolvido poderiam esperar de um país com a dimensão do Brasil“, explica Mello.

Acertos e…

Como o PT é frequentemente cobrado por erros que teriam sido cometidos em seus governos, Guilherme Mello afirma que tudo é debatido às claras com o mundo empresarial. No encontro promovido pela XP Investimentos, em Washington, ele cita que os elaboradores do PT não estavam sozinhos. Convidados como Elena Landau (era FHC), Henrique Meirelles (Lula e Temer), Ricardo Barros (Temer e Bolsonaro) também defendiam suas experiências, nas quais autocrítica não é o forte.

“A diferença é que, de todas essas experiências, o que o mercado deve reconhecer é que a de Lula foi a mais bem-sucedida”, compara.

O professor da Unicamp sustenta essa afirmação com um elenco de fatores. “Primeiro, foi responsável fiscalmente e respeitou meta de superávit. Segundo, controlou a inflação. Terceiro, promoveu valorização salarial, criou empregos formais e investiu em políticas sociais e conseguiu alcançar crescimento com redução de desigualdade. Reduziram-se desmatamentos de 24 mil quilômetros quadrados em 2004 para 4 mil em 2014. Ampliou o acesso, o número de vagas e conferiu autonomia a universidades. Além disso, respeitou as instituições, a democracia e a soberania.

Mello observa ainda que esses acertos foram buscados em momentos distintos. “Com o cenário externo favorável, Lula saiu de uma situação de inflação e desemprego acima dos dois dígitos. Reduziu a dívida pública pela metade (de 60% para 30% do PIB), pagou a dívida externa e acumulou reservas”, lembra.

… Erros

“Já com o cenário externo caótico, após a maior crise financeira global, em 2008, soube empregar políticas anticíclicas, apostou na oferta de crédito, no mercado interno e manteve a economia robusta, enquanto o mundo todo estava abalado”, defende.

“Houve erros”, admite. Ele lembra que o primeiro governo de Dilma Rousseff terminou em 2014 com recorde de empregos e inflação controlada. Mas que, ao iniciar 2015, de um lado um novo agravamento da crise externa trouxe problemas econômicos. De outro, os derrotados na eleição trouxeram a turbulência política. O governo cedeu a pressões por “austeridade”, mas exagerou. Além disso, avalia Mello, se excedeu também nas desonerações.

“Ou seja, caíram a capacidade de arrecadar e investir. Mas esses erros não explicam o insucesso. Isso porque a ideia de tornar o país ingovernável foi levada a cabo pela oposição. Para a crise econômica se previa um aperto de um ano, mas a crise política não teve fim, até levar o golpe de 2016. E depois a economia seguiu afundando. Do social ao ambiental, tudo piorou. O modelo, que já havia perdido nas urnas, fracassou”, avalia.

“O Brasil só não perde em investimentos para o Haiti. É o menor investimento público da história”, critica o economista. “Insistir em arrocho recessivo é correr atrás do próprio rabo. O mercado financeiro tem seus dogmas, mas tem gente preocupada com temas novos, por isso quer ouvir o Lula. É um negociador nato. E convicto de que, assim como o segundo mandato não foi igual ao primeiro, 2023 em diante também será diferente. Esse pensamento guia seu projeto de retomada.”