PRÓXIMO PRESIDENTE

Colômbia: "Um governo de transição", avalia esquerda sobre possível presidência de Petro

Pacto Histórico reúne campo progressista e pode fazer história se vencer 2º turno no dia 19 de junho

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Francia Márquez e Gustavo Petro saíram vitoriosos no primeiro turno das eleições gerais na Colômbia e podem ser os primeiros governantes progressistas a ocupar a presidência - Juan Pablo Pino ? AFP

O Pacto Histórico, chapa pela qual Gustavo Petro e Francia Márquez concorrem à presidência e vice-presidência da Colômbia, representa uma das alianças mais amplas que disputam as eleições no país. Formalmente a coalizão é composta por seis organizações: Colômbia Humana, União Patriótica, Partido Comunista, Polo Democrático Alternativo, Aliança Democrática Ampla e Movimento Alternativo Indígena e Social, mas, na prática, outros setores de esquerda e até partidos de centro-direita apoiam a chapa. 

Com a maior bancada no Congresso e 40% da preferência no 1º turno das eleições presidenciais, o Pacto pode ser a primeira aliança progressista a assumir o governo da Colômbia – um país marcado por 57 anos de conflito armado e governos dos partidos Liberal, Conservador ou do campo do uribismo – corrente política liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe Vélez (2002 - 2010), fundador do partido governante, Centro Democrático, e considerado mentor do atual mandatário, Iván Duque.

"Na Colômbia se erigiu um sistema político de elites que tomaram conta dos territórios e suas riquezas, por isso hoje ostentam um poder político, econômico e militar que não querem perder. Para eles é uma ameaça que o Pacto Histórico possa assumir o governo", afirma Jimmy Moreno, membro da direção nacional do Congreso de los Pueblos, movimento que apoia a candidatura, mas não faz parte da coalizão.

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Esta é a terceira vez que Gustavo Petro concorre à presidência. Os votos do dia 29 de maio, 8,5 milhões segundo resultados preliminares, foram o dobro do resultado obtido no 1º turno em 2018 e oito vezes mais que a votação que lhe conferiu a vitória para a prefeitura de Bogotá, em 2011.

"Nossa fortaleza é ter alcançado a unidade da esquerda. No entanto ainda não conseguimos canalizar todo o potencial de mobilização para as urnas", comenta o membro da direção nacional da Marcha Patriótica, Mauricio Ramos.

Petro é natural de Ciénaga de Oro, departamento de Córdoba. Economista de 62 anos, foi militante do grupo guerrilheiro Movimento 19 de Abril (M-19) na sua juventude e tinha o codinome de "Comandante Aureliano". 

Ele foi um dos responsáveis pela transição da guerrilha urbana no partido Aliança Democrática M-19, pelo qual foi constituinte em 1991 e deputado até 2006. Em 2011 foi eleito prefeito de Bogotá (2012-2015) com o partido Polo Democrático Alternativo, e desde 2018 atua como senador já pela nova legenda, da qual também foi fundador, Colômbia Humana. 


Após negativa de Rodolfo Hernández, candidato Gustavo Petro foi sozinho ao primeiro debate da campanha no segundo turno, organizado na última quinta-feira (2), por movimentos feministas da Colômbia / Daniel Munhoz /AFP

Francia Márquez tem 40 anos, nasceu em Yolombó, Antioquia, mas vivia na comunidade de La Toma, em Cauca, onde iniciou sua vida política em manifestações contra a retirada forçada da comunidade para liberar a área para extração mineral.

Tornou-se advogada para representar sua comunidade. Em 2018 ganhou o Goldman Environmental Prize pelo seu papel como defensora do meio ambiente. Até iniciar a campanha para a presidência também atuava no Conselho Nacional pela Paz.

Para os movimentos e organizações de esquerda que compõem a aliança eleitoral, a dupla representa um momento de ruptura para a política do país, que se expressou na escalada de mobilizações nos últimos quatro anos, sendo o ápice a maior greve geral da história da Colômbia, iniciada em abril do ano passado.

"A mudança não virá por decreto. Petro e Francia farão um governo de transição. Acreditamos que o que eles podem fazer é criar as condições para que nos tornemos um país onde as diferenças sejam resolvidas através do diálogo e do respeito", diz Mauricio Ramos, dirigente da Marcha Patriótica.

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Um caminho para a paz

O programa do Pacto Histórico resgata vários artigos previstos nos Acordos de Paz, assinados em 2016, que não foram implementados até hoje. Entre eles, está a reforma rural integral, que previa destinar 7 milhões de hectares de terra a ex-guerrilheiros e pequenos agricultores. Com isso, Petro e Francia asseguram que a Colômbia poderia especializar-se na produção e venda de 11 alimentos: mandioca, milho, arroz, trigo, batata, abacate, banana, soja, sorgo, inhame e tomate.

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A chapa ainda propõe revogar a reforma tributária aprovada no governo de Iván Duque e implementar uma reforma da forças de segurança do Estado, dois fatores que foram o estopim pra a greve de 2021. 

Também promete ensino superior gratuito para os mais pobres, assim como bolsas de incentivo para estudantes de baixa renda.


Já são mais de 1.600 lideranças e ativistas de Direitos Humanos que foram assassinadas pelas forças de repressão do Estado colombiano desde a assinatura dos Acordos de Paz de 2016 / Luis Robayo / AFP

O ex-comandante das FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo) e atual senador pelo partido Comunes, Rodrigo Granda, assegura que os últimos quatro anos foram "perdidos" e já solicitaram a extensão do período de aplicação dos acordos.

"Sem a terra não podemos ter projetos produtivos para um movimento agrário, como o que deu origem à antiga guerrilha das FARC-EP. A imensa maioria das pessoas que a compunham deixou a enxada para pegar o fuzil, agora estamos fazendo o caminho inverso", diz.

Para alguns setores que apoiam a aliança, se Petro conseguir implementar todos os seis capítulos que compreendem os Acordos de Paz, já seria um grando salto para a construção de um novo modelo econômico para o país. 

"Temos que ser moderados. Acreditamos que não deixarão Petro fazer mais do que é possível.  Os acordos de paz têm o respaldo da maioria do povo colombiano, assim como de um setor importante da direita e das elites que sempre detiveram o poder, da comunidade internacional. E não há mais nada que fazer, é preciso implementá-los", defende o dirigente da Marcha Patriótica.

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A retomada das negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN), maior guerrilha ativa no país, com presença em cerca de 200 municípios, também é visto como uma possibilidade em uma gestão do Pacto.

A Colômbia vive um conflito armado civil há cinco décadas. Nos dois anos seguintes à assinatura dos Acordos, houve uma diminuição drástica dos índices de violência, no entanto, no último biênio as cifras voltaram a aumentar, sendo 2021 considerado o ano mais mortal da última década no país, com 96 massacres e 338 líderes sociais mortos. 


Presos políticos da FARC se organizam em um Conselho dentro da da prisão 'La Picota', localizada no sudeste da cidade de Bogotá / Sasha Yumbila Paz

Desde 2016 são mais de 1.620 vítimas e somente em 2022 foram registradas 44 chacinas, com 158 mortos, entre ex-guerrilheiros e defensores de direitos humanos, segundo levantamento do Instituto do Desenvolvimento da Paz (Indepaz).

A situação de violência se intensifica perto das eleições. Além das ameaças de morte contra Petro e Francia, entre março e maio, foram registradas 222 denúncias de violência eleitoral, entre ameaças e homicídios, segundo a Fundação Paz e Reconciliação (Pares).

"Precisamos estabelecer acordos humanitários nos territórios diante dessa escalada da guerra. Mas também precisamos fazer um exercício de memória, verdade, reparação e não repetição. O Estado não pode lavar as mãos e deve assumir sua responsabilidade com os desalojamentos, judicializações, assassinatos, desaparições forçadas, enfim, com a imposição desse modelo de morte e espoliação", defende Jimmy Moreno, do Congreso de los Pueblos.

Em busca de alianças de partidos de centro-direita, como Partido Liberal, Mudança Radical (Cambio Radical) e União Nacional (partido de la U), Petro já estaria abrandando o seu discurso. Um exemplo seriam as propostas para o setor da saúde: no programa de governo, defende o fortalecimento da rede pública, suspendendo contratos com empresas terceirizadas na gestão municipal. Já durante a campanha ele fala em "fiscalizar" estas estruturas.

Por outro lado, há quem defenda que com uma bancada numerosa no Congresso e o controle do Executivo, este seria o momento de avançar em mudanças estruturais a partir de uma nova constituição.

"Defendemos um processo constituinte aberto, para que as pessoas comecem a pensar qual país necessitamos, como seria uma nova democracia, como seria um país que realmente tire a política do âmbito das armas. Seria um grande pacto político nacional para tirar o país da violência", afirma o senador do Comunes, Rodrigo Granda.


A Colômbia é o país com mais bases militares dos Estados Unidos, que anualmente recebem novas tropas do Pentágono. / BdF

Relação com os EUA 

Petro e Francia também poderiam ser freados por pressão e influência de Washington. Na semana prévia ao 1º turno, o presidente Joe Biden assinou o memorando de inclusão da Colômbia como o primeiro aliado estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na América Latina.  

Os Estados Unidos possuem sete bases militares operando no território colombiano, além de sedes das principais agências, como o FBI, CIA, DEA e USAID, com presença de dezenas de milhares de soldados estadunidenses. 

"Esperamos que com o Partido Democrata novamente no poder, e eles tendo sido testemunhas das negociações, agora reconheçam os acordos de Havana, para selar a paz na Colômbia. Essa seria a maior contribuição dos EUA", comenta Rodrigo Granda.

"Se bem vamos ter melhores condições com esse governo, também acreditamos que se intensificará a guerra nos territórios, por isso devemos dinamizar nossa organização popular", analisa o dirigente do Congreso de los Pueblos.

A senadora pelo Partido Comunista da Colômbia, Gloria Ramírez, acredita que seria possível reverter no Congresso a presença das bases militares dos EUA. "Hoje elas são ilegais, porque nunca passaram pela aprovação do Legislativo".

No entanto, destaca que "a relação não será de ruptura com o governo dos EUA, porque nos levaria a uma situação de isolamento e não é isso que buscamos. Queremos que respeitem nossa soberania nacional, que haja uma integração latinoamericana e que tenhamos uma região de paz", disse a parlamentar comunista.

O segundo turno será realizado no dia 19 de junho, enquanto a posse está prevista para 7 de agosto. De acordo com a última pesquisa, realizada pelo Centro Nacional de Consultoria (CNC), com a participação de 1.200 colombianos de 43 municípios, haveria um empate técnico no segundo turno. Pela centro-esquerda, Petro e Francia aparecem com 39% das intenções de voto, enquanto pela direita, Rodolfo e Marelen, teriam 41% da preferência. Já 14% continuam indecisos, e a margem de erro é de 2,8%. 

Edição: Felipe Mendes