3 DIAS DESAPARECIDOS

"Não vemos interesse do Estado em encontrar Bruno e Dom Philips", dizem indígenas do Javari

Lideranças ouvidas pelo Brasil de Fato cobram sobrevoo da região e explicam quem são os detidos pelo desaparecimento

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

Ouça o áudio:

O repórter Dom Philips (à esq.) e o indigenista Bruno Pereira (à dir) - Divulgação/Funai

As buscas pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips entraram nesta quarta-feira (8) no terceiro dia. Com protagonismo dos povos indígenas, a varredura pelos rios Javari, Itaquaí e Ituí tem participação da Funai, Polícia Federal, Exército e Marinha. Embora três suspeitos de envolvimento tenham sido presos, os recursos empregados pela força-tarefa têm sido apontados como insuficientes para encontrar a dupla, desaparecida desde domingo (5) na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas. 

O Brasil de Fato ouviu três lideranças indígenas da região. Sob anonimato, eles apontam omissão na atuação dos órgãos federais. Segundo eles, a vastidão da TI, a segunda maior do Brasil, torna imprescindível o sobrevoo da área. Sem isso, as chances de sucesso na localização diminuem a cada dia, enquanto aumenta a angústia de familiares, amigos e colegas de trabalho de Bruno e Dom. 

:: Com atraso e acusações de omissão, governo anuncia medidas tímidas para localizar desaparecidos ::

Segundo divulgou a Marinha, um helicóptero está sendo empregado na operação, além de uma moto aquática. Mas indígenas que percorrem o território com esperança de localizar os desaparecidos afirmam não terem visto o sobrevoo. 

“Essas ações que estão tendo aqui [de buscas] não estão sendo de aeronave. Não está sendo utilizado helicóptero. Essa busca ativa está sendo feita pelas embarcações das autoridades e da Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari]”, afirma uma liderança. 

"Não vemos interesse"

Outro indígena concorda com a necessidade da busca aérea: “Deveria ter um helicóptero sobrevoando aquela área onde eles desapareceram. Todas as associações indígenas estão fazendo busca, conforme a nossa sabedoria de rastrear a trilha por onde percorreram, conforme nossa cultura. Temos esperança de encontrá-los com vida”.

Um terceiro indígena diz não acreditar que as buscas darão resultado. "Nós não vemos um interesse deles [autoridades] de botar para valer. Eu vejo que eles, mais uma vez, não vão fazer nada. Mas a gente vai botar pressão para que a gente consiga prender esses indivíduos. Esses malditos, esses bandidos, esses canalhas que ficam eliminando ou excluindo a vida das pessoas”, afirmou. 

:: Famílias sobem o tom dos apelos por desaparecidos na Amazônia; Bolsonaro fala em "aventura" ::

À reportagem, um habitante da TI diz que o Vale do Javari está entregue aos crimes ambientais, por isso os indígenas montaram estruturas próprias de fiscalização. “É uma área muito grande e eles nunca conseguiram realmente pegar os infratores que invadem as terras indígenas. É só quando tem um desaparecimento como esse, que a força policial sai para fazer busca”, descreveu.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Defesa reafirmou ter enviado um helicóptero para a região na terça-feira (7). A Funai acusou recebimento das perguntas, mas não encaminhou resposta.  

Quem são os detidos

Até agora, três pescadores ilegais foram detidos nas investigações. Na terça-feira (6), a Polícia Federal (PF) comunicou a prisão de dois homens, um conhecido como “Churrasco” e outro identificado como Jâneo. Segundo as organizações indígenas, ambos foram levados à delegacia de Atalaia do Norte e, na sequência, liberados. Um terceiro suspeito, conhecido como “Pelado”, foi preso na terça-feira (7) na comunidade ribeirinha São Gabriel, no rio Itacoaí. “Pelado” portava munições de uso restrito e drogas, conforme informou à reportagem a Polícia Militar (PM) do Amazonas. 

Um indígena que trabalhava ao lado de Bruno Pereira no dia do desaparecimento afirma que “Pelado” e Jâneo haviam ameaçado a equipe de monitoramento, incluindo o indigenista da Funai e o repórter do jornal britânico The Guardian, quando cruzaram caminhos no sábado (4). “Eles [‘Pelado’ e outro pescador] levantam duas armas dizendo para os indígenas: ‘vocês vão levar tiros’”, relatou ao Brasil de Fato.  

:: Vigília na sede da Funai cobra resposta sobre indigenista e jornalista desaparecidos ::

“Nós chegamos à nossa base [de fiscalização], em frente a um lago de nome Jaburu. O senhor ‘Pelado’ passa beirando a nossa canoa com uma cartucheira de mais ou menos uns 30 cartuchos. Nós fizemos o vídeo e fizemos fotos. O repórter [Dom Philips] tirou foto e filmou. Todo o material estava em nossas mãos para tentar incriminar esse invasor”, contou a testemunha.

Outro detido, “Churrasco”, é o homem com quem Pereira e Philips se encontrariam na comunidade São Rafael, na manhã do desaparecimento. “Quando ele [Bruno] chega às 6h ou 6h20, mais ou menos, nessa comunidade, o senhor ‘Churrasco’ não estava. E ele só encontra a mulher do ‘Churrasco’, segundo relatos. A senhora oferece um gole de café e um pão. Ele toma café e o pão com o jornalista [Dom Philips] e em seguida segue viagem”, relatou o indígena. 

Autoridades federais negaram planejamento conjunto com indígenas 

Além de criticar a falta de infraestrutura logística disponibilizada na operação, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) apontou a falta de diálogo entre órgãos federais que atuam nas buscas e representantes dos indígenas, que conhecem a região melhor do que ninguém. 

Em nota publicada na terça-feira (7), a entidade afirma ter convocado as instituições envolvidas para participar de uma reunião, com objetivo de elaborar um planejamento conjunto. O encontro realizado na própria terça, no entanto, teve a participação apenas de seis policiais militares do Amazonas. 

“Assistimos uma vez mais o atual Governo Brasileiro se omitir de suas responsabilidades diante da escalada de violência contra os povos indígenas e defensores de direitos humanos no Brasil”, diz o comunicado da Univaja, assinado conjuntamente com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).

“Embora tenha sido instado a colaborar com um efetivo de 25 militares, o exército brasileiro até o presente momento não disponibilizou nenhum efetivo para a operação. A Polícia Federal, da mesma forma, deslocou um único delegado para Atalaia do Norte, junto com oficiais da Marinha que se deslocaram ainda ontem [segunda, 6] para Atalaia. Ressaltamos que não foi constituída uma Força-Tarefa para as operações de busca”, destaca a nota. 

Edição: Felipe Mendes