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“Nenhuma gota de sangue a mais”: servidores da Funai mantêm greve e convocam ato nesta quinta

Além de justiça por Bruno e Dom, reivindicação principal é a exoneração de Marcelo Xavier, delegado que preside o órgão

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Servidores da Funai denunciam desmonte deliberado da política de proteção de terras indígenas pelo governo Jair Bolsonaro - Divulgação

“Não iremos descansar um minuto até que esteja fora da Funai a gestão Marcelo Xavier, que demonstra não possuir qualidade mínima para gerir a política indigenista”, afirma um manifesto dos servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai). Os trabalhadores convocaram atos em todas as unidades do órgão no país para quinta-feira (23) a partir das 10h. Além disso, a greve iniciada na semana passada será mantida ao menos até essa data.  

Mais que a demanda de justiça pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, assassinados na Amazônia, os servidores têm como reivindicação a exoneração do presidente da Fundação. 

“Lutamos para que as investigações cheguem até a ampla cadeia de crime organizado instalada no Vale do Javari”, expõem os servidores. “E para que nunca mais tenhamos que passar por situação semelhante, o que requer a imediata proteção dos nossos colegas indigenistas, dos Povos Indígenas e de suas lideranças, organizações e territórios”, completa o manifesto. 

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O desaparecimento de Bruno e Dom em 5 de junho e a posterior confirmação de suas mortes “têm como pano de fundo o desmonte da Funai”, segundo os servidores do órgão. Por isso, “precisamos dar um basta na atual gestão anti-índigena”, ressaltam no documento, que foi assinado pela Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef/Fenasef), pela Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef) e pela INA – Indigenistas Associados. 

Xavier, “um interventor” 

Delegado da Polícia Federal, Marcelo Augusto Xavier da Silva preside a Funai desde julho de 2019. Sua nomeação teve apoio da bancada ruralista, que assiste, durante o governo Bolsonaro, sua promessa de campanha de não demarcar “nenhum centímetro” de terra indígena ser cumprida. 

Quatro dias depois do desaparecimento de Bruno e Dom, Xavier deu uma declaração pública com a informação falsa de que a dupla teria que ter pedido autorização à Funai para estar no local onde desapareceram.   


Indicado por Bolsonaro em 2019, o presidente da Funai Marcelo Xavier é delegado da PF, natural do interior paulista, / Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A afirmação não se sustenta pois eles estavam fora da Terra Indígena. Além disso, segundo comunicado da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bruno havia recebido permissão para ingressar na área protegida, em documento assinado no mês anterior pela gestora da unidade descentralizada da Funai na região. 

“Ao invés de incentivar as buscas e manifestar preocupação com o desaparecimento, Xavier trabalhou para prejudicar a imagem desses profissionais, como se estivessem fazendo algo equivocado. É um ato indigno de uma autoridade pública”, avalia Fernando Vianna, presidente da INA. 

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Uma prática comum desses três anos de gestão de Xavier tem sido provocar a Polícia Federal para investigar opositores da agenda ruralista. Foi o caso de procedimentos contra Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Fabiano Contarato, senador (PT-ES); e Ciro Barbuda, procurador da própria Funai que havia feito um parecer jurídico favorável a tupinambás da Bahia. Todos os procedimentos foram arquivados.   

Pouco depois de completar quatro meses à frente da Funai, Marcelo Xavier fez uma exoneração em massa e trocou 15 coordenações de áreas do órgão. Nessa mesma leva, Xavier destituiu Bruno Pereira do cargo de coordenador-geral de povos indígenas isolados.  

Pouco antes disso, Pereira havia coordenado uma grande operação contra o garimpo ilegal na região do Vale do Javari, que resultou na queima de dezenas de balsas.  

“Já não há condição de aceitar esse corpo estranho na Funai. Ele é um interventor”, define Vianna. “Ele tem que sair da Funai para que seja possível o órgão voltar a atuar na defesa, promoção e proteção dos direitos indígenas”.   

Servidores mobilizados

A decisão pelo ato e paralisação foi feita em Plenária Nacional Extraordinária na última sexta-feira (17), com a participação de 198 servidores. Os trabalhadores da autarquia estão mobilizados desde o primeiro dia do desaparecimento de Bruno e Dom, fazendo vigílias diárias em frente à sede da Funai em Brasília. 

As primeiras reivindicações foram, na visão de Fernando, “modestas”. Consistiam em uma retratação pública da diretoria da Funai a respeito de Pereira e Phillips e uma força-tarefa para garantir a segurança e continuidade de atuação de servidores que estão na região do Vale do Javari. “Essa pauta inicial foi desprezada”, resume Vianna. Em resposta, os servidores intensificaram a mobilização. 

O Brasil de Fato pediu um posicionamento da Funai a respeito das demandas dos servidores, mas não teve resposta até o fechamento da matéria. Se o órgão se manifestar, o texto será atualizado. 

Edição: Felipe Mendes