Sistema agrofloresta

"As hortas trarão um novo olhar sobre alimentação e saúde para favela", diz morador da Rocinha

Serão implantadas 50 hortas de alimentos orgânicos em lajes da Rocinha, em parceria entre os moradores e a UFRRJ

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Flávio em evento de conscientização das crianças da Rocinha. Compostagem de resíduos orgânicos como forma de melhorar o solo da floresta. - Flávio Gomes
A insegurança alimentar voltou a rondar a favela, os alimentos vão servir de sustento os moradores

“Eu creio que um dia a Rocinha vai voltar a sua origem agrícola e plantando em pequenos espaços, mas que vai ter uma relevância muito grande nas mudanças de hábitos”. 

Com esse desejo é que já em 2017, o empreendedor social Flávio Gomes, 47 anos, morador da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, começou a ensinar para as crianças da comunidade ações de sustentabilidade, reciclagem e plantio de mudas. Nos últimos três anos, Flávio passou a desenvolver um projeto educativo chamado 'Horta na Favela', em que são ensinadas práticas de compostagem e plantio de alimentos para esses meninos e meninas. 

“Falar de comer sem agrotóxico já é um grande avanço e se falando da favela, trazendo esse trabalho para o mundo, porque o que a gente sempre vê é que a coisa vem de fora para dentro. E o Horta na Favela traz de um morador oriundo da favela a ideia de sustentabilidade, e de produzir o próprio alimento, ou seja, a favela está se mobilizando para mudar o cenário social e ambiental da própria comunidade”.  

Segundo Flávio, as iniciativas socioambientais ganharam mais força com a chegada de um antigo morador, hoje professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), José Lucena Barbosa Júnior, que propôs, além das atividades socioeducativas, também que as hortas pudessem gerar emprego e renda para as famílias da comunidade. 

“A importância da implantação dessas hortas na Rocinha é que vamos trazer para a favela um novo olhar para a alimentação, qualidade de vida e para a saúde dessas famílias”. 


Moradores da Rocinha colhendo couve no sistema orgânico de produção / Flávio Gomes

Juntando a experiência do projeto Horta na Favela, liderado pelo Flávio, em parceria com os pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Faperj), nasceu outro projeto o ‘Horta na Floresta’ em que serão implantadas 50 hortas nas lajes na parte alta da comunidade. O projeto conta com uma equipe de engenheiros de alimentos, florestais, químicos, agrônomos, nutricionistas e também empresários da área de produção de mel. 

“A ideia do projeto é ter um sistema agroflorestal, que vamos chamar de agrovila, com 50 lajes produzindo [alimentos orgânicos] e produzindo mel com a ajuda das abelhas da região que serão reintroduzidas lá, uma vez que as abelhas são importantes para o processo de reflorestamento, pois ela poliniza a floresta. Os próprios moradores vão servir de base, pois o mel dessa abelha custa quase R$ 500,00 o litro, então é uma forma também de incentivá-los a ganharem renda e prestarem um serviço ambiental para própria floresta”, explica o professor José Lucena Barbosa Júnior, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFRRJ. 

Além de conter de uma forma integrada o avanço da favela em direção a floresta, a produção de alimentos tem um histórico nesta região. Quando Flávio falou no início desta reportagem sobre a origem agrícola da Rocinha, José explica que o projeto também tem o intuito de fazer um resgate da tradição no local, pois no início do século XX, os feirantes que vendiam na Gávea, ressaltaram que os alimentos eram das proximidades, produzidos nas suas “rocinhas”. 

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José, ex-morador da favela na década de 1980, passou fome, tinha dificuldade de acessar alimentos e comia frutas da floresta, como jaca e tamarindo. Nos últimos anos a insegurança alimentar voltou a rondar a comunidade e, com dificuldade de acesso a alimento, o projeto então passou a ter o objetivo também de sustento das famílias; e o excedente será comercializado. 

“Nosso projeto realmente tem esse papel, que é uma questão pessoal envolvida tanto minha, quanto do Flávio, que continua lá lutando pela favela, e que a gente possa não apenas trabalhar a questão da floresta e produzindo produtos que possam ser vendidos para restaurantes da região e gerando renda para as famílias produtoras, mas também que os moradores da Rocinha possam consumir esses produtos de qualidade, feitos na própria favela”, diz o pesquisador que coordena o projeto. 


Laje modelo para produção de alimentos orgânicos na favela da Rocinha. O foco projeto é a geração de renda e na segurança alimentar dos moradores da Rocinha. / Flávio Gomes

No reflorestamento eles irão plantar hortaliças e espécies frutíferas nativas como Grumixama, Cambuci, Ingá, Jussara, entre outras, como estratégia será enriquecer as áreas já reflorestadas com estas espécies frutíferas. 

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Cerca de 20 moradores visitaram uma fazendinha agroecológica na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e conheceram um dos eixos que serão trabalhados na Rocinha, que é a produção de alimentos orgânicos.

“Segundo os professores da Universidade Federal Rural, nos teremos inicialmente uma renda extra de R$1.000 a R$1.500 só com a produção de mel das abelhas sem ferrão, abelhas que serão capturadas no Morro Dois Irmãos e Floresta da Tijuca, então eu estou vendo um avanço muito grande e estou com uma expectativa de que a favela já está aderindo e vai aderir muito mais a partir desta geração de renda com os alimentos orgânicos”, conta Flávio. 

Neste momento, eles estão elaborando uma laje modelo em que serão analisadas possibilidades de produção, como plantas alimentícias não convencionais (PANCs), hortaliças, plantas medicinais, tubérculos, espécies frutíferas, entre outros. 

Edição: Douglas Matos