Eleições

Qual o papel do Nordeste na disputa para a presidência da República

"A gente tem um eleitorado com perfil de esquerda no Nordeste", afirma cientista política Priscila Lapa

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Bolsonaro viajou ao Nordeste para inaugurar obra de transposição do Rio São Francisco, iniciada por Lula - Fotos: Divulgação | Montagem: Brasil de Fato

Em ano de eleição para a presidência da República, o Nordeste está em disputa. Para falar sobre isso, conversamos com a cientista política Priscila Lapa, que fez uma análise sobre o atual cenário eleitoral.

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Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Priscila é especialista em Ciência Política pela Universidade Católica de Pernambuco.

Palestrante e debatedora em temas como eleições, gestão pública e Poder Legislativo e já produziu análises acadêmicas sobre a polarização política nas eleições 2018. Confira:

Brasil de Fato Pernambuco: Priscila, nós estamos em ano de eleição para a presidência da República e o Nordeste está em disputa em várias narrativas. A região tem de fato uma importância diferente em relação às outras regiões? 

Priscila Lapa: Eu costumo dizer que o Nordeste acaba tendo uma importância quantitativa e qualitativa no processo eleitoral. A gente não pode menosprezar uma região para uma eleição nacional, uma eleição presidencial. Uma região que tem simplesmente o segundo maior colégio eleitoral do país. É uma região que tem suas especificidades, como todas, o Brasil é um país muito diverso e o Nordeste acaba tendo traços identitários de cultura política muito específicos, mas ele quantitativamente representa aí um peso significativo no processo eleitoral justamente por esse tamanho de eleitorado.

Além disso, temos essa questão qualitativa, que é menos numérica e muito mais simbólica. O Nordeste sintetiza alguns dos vários problemas que acometem a sociedade brasileira do ponto de vista, sobretudo, de uma desigualdade estrutural de classes, que realmente coloca a região em uma situação de condição especial quando você vai construir uma agenda eleitoral.

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Você acabou fazendo essa relação das políticas públicas e do acesso a direitos no Nordeste em relação às eleições. A gente sabe que essa realidade muitas vezes é usada de maneira xenofóbica para colocar o eleitorado da região como se “votasse mais pela barriga”, como dizem....   

Olha, essa discussão sobre o voto mais pragmático, que é aquele voto mais motivado por interesses digamos assim, menos ideológicos, por interesses de cunho pessoal, é como se fosse o eleitor que vota para resolver os problemas que afetam a sua vida em uma relação de barganha política com seus representantes versus aquele voto mais de opinião, qualificado, guiado ideologicamente e, portanto, seria um voto qualitativamente superior.

Há muito tempo que ciência política se debruça neste debate observando que não faz sentido, que no fundo todo voto é pragmático. As nossas ideologias são construídas a partir dos nossos interesses, concepções, valores e visões de mundo. Dificilmente um representante achando que ele pode representar uma piora para a sua vida ou para a vida da sociedade em que ele está inserido. Então, no fundo, todo voto é motivado por questões individuais também.

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A Bahia é o principal eleitorado do Nordeste. Quem vence na Bahia, vence no Nordeste?  

Acaba que tem um peso muito significativo e quantitativo. Qualquer colégio eleitoral, por exemplo, isso se fala muito de São Paulo quando a gente olha o conjunto nacional, quando se olha para as capitais quando você pensa em uma eleição para governador. Aqui no estado de Pernambuco muito se fala que candidatos que ganharam a eleição para governador ganharam também na capital, pelo peso quantitativo que um reduto eleitoral desse tem, então ele desequilibra a disputa.

No caso da Bahia, é o maior estado do Nordeste em termos populacionais, em número de municípios, em número de colégios eleitorais. Então acaba que a Bahia se torna sim um distrito eleitoral muito importante para definir o rumo da eleição nacional e impactar nessa eleição presidencial.

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O Nordeste está em disputa. E a gente vê que há uma narrativa bem direta sendo disputada entre os principais candidatos à presidência da República, que no caso como as pesquisas apontam, seriam o ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro. O que essa identificação com a região pode gerar no resultado da eleição? 

De fato, esses dois grandes líderes que hoje protagonizam as pesquisas eleitorais até o momento têm uma relação com o Nordeste. Seja identitária como ex-presidente Lula, que é Nordestino e que durante os seus governos trouxe a região para o centro da discussão nacional, e por isso que ao longo de toda a sua trajetória política é bem avaliado aqui na região, e também candidatos correlacionados ao lulismo tem uma projeção eleitoral fortalecida na região como um todo e isso é verdade também no contexto de 2022.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro entende que sem a conexão com essa fatia do eleitorado nacional é muito difícil vencer as eleições. Por isso que ele vem desde o início, ainda que de forma caricata, fazendo uma simbologia de gestos para a região tentando demonstrar dentro dessa disputa de narrativa que também se importa com a região, de que a região também é alvo das suas disputas estratégicas enquanto gestor da nação.

Nas últimas eleições para governos dos estados o Nordeste caminha mais à esquerda e elege candidatos de esquerda. Bolsonaro, que representa uma candidatura de extrema direita, não venceu no Nordeste, apesar de ter ganho em cinco capitais. Qual é a tendência em relação a isso para as eleições deste ano? 

A gente tem um eleitorado com esse perfil de esquerda no Nordeste justamente por esse discurso que a esquerda tem de uma construção histórica de tratar muito de perto essa questão da desigualdade, do combate à fome, à pobreza. Esse é um discurso muito caro à esquerda, da igualdade. Acaba que existe sim uma identificação prioritária da região para esse tipo de candidatura colocada nesse sentido.

Porém, as coisas vão mudando e tem novas dinâmicas econômicas, no interior do Nordeste hoje, às médias cidades passam por um processo de urbanização. O campo vem perdendo muito espaço em cidades estratégicas que são fora do eixo metropolitano tradicional da região Nordeste, a gente tem hoje um outro perfil econômico.

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O Nordeste é berço de muitas lutas sociais, não só de desigualdade social e de exploração. Quais pautas devem prevalecer no calendário político da região nesse período de eleição e pós-eleição?

Eu acredito que mais uma vez a pauta econômica faz muita diferença para a região. E acho que a prioridade do momento é a gente acabar com esse quadro de pobreza e miséria que está impactando em todo o Brasil. Nas grandes metrópoles temos observado isso, mas no Nordeste é muito forte, da perda de oportunidades que tinham sido conquistadas nos últimos anos. Então, eu acho que essa coisa da pobreza da base da pirâmide, ela volta com muita força para esse debate. Isso tem que ser a agenda dos próximos governos independente de quem vença as eleições.

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Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga