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Regime de recuperação fiscal não melhora situação de MG, avaliam especialistas

Categorias do funcionalismo público realizam ato no dia 5 de agosto contra a medida do govenador

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
“O RRF não vai melhorar a situação do estado. É uma proposta que já foi testada e não produziu os efeitos desejados", comenta vice-presidenta da Febrafite - Divulgação

O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) proposto pela União para Minas Gerais não deve melhorar as contas mineiras e pode afetar serviços essenciais para os cidadãos e retirar autonomia do estado, segundo avaliação de especialistas. O projeto, criado pelo governo Temer (MDB) e atualizado por Bolsonaro (PL) é duramente criticado por economistas e servidores públicos que acreditam que ele pode piorar a economia mineira.

Ao aderir à proposta, a dívida dos estados com a União pode ser suspensa e ter condições diferenciadas de pagamento ao longo de nove anos. Porém, ela é cobrada posteriormente com correções e juros. Em março deste ano, Minas devia aproximadamente R$ 105,6 bilhões.

Além disso, o regime impõe exigências, como a suspensão de concursos públicos, a proibição de reajustes salariais aos servidores e a privatização de empresas estatais.

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Ao estabelecer disciplina fiscal rígida, a promessa do RRF é de que os estados irão melhorar sua performance e, consequentemente, obter mais condições de empréstimos. Porém, para Maria Aparecida Meloni, vice-presidenta da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), a adesão ao regime implica na supressão de serviços essenciais e na perda de autonomia estatal.

“O RRF não vai melhorar a situação do estado. É uma proposta que já foi testada e não produziu os efeitos desejados. Ele restringe a capacidade do estado de investir ou de ampliar os serviços, e estabelece regras que ferem a autonomia federativa”, argumenta.

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Dívida do Rio de Janeiro cresceu com RRF

O Rio de Janeiro foi o primeiro a aderir à proposta, em 2017. Com uma dívida que, na época, correspondia a 240% de sua receita, a expectativa era de que a situação do estado melhorasse, porém, três anos depois, o Rio viu a dívida saltar para 310% da receita.

“Não deu certo no Rio de Janeiro. O Regime tirou a autonomia do estado quase que totalmente, obrigou a privatização de estatais públicas e criou uma situação muito delicada”, enfatiza Jairo Nogueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG).

Para garantir a continuidade do estado no programa, em 2021 o Rio de Janeiro privatizou a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Após a venda, a Cedae já contabilizava em fevereiro deste ano 1,8 mil demissões.

Alternativas

Em maio, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) votou favorável ao Projeto de Lei (PL) 3.711/2022, em resposta à insistência de Zema em aprovar a RRF no legislativo mineiro.

Diferente do regime, o PL autoriza que o estado confesse sua dívida com a União e a renegocie, com um prazo de 30 anos para pagamento.

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Especialistas afirmam que existem ainda outras alternativas ao RRF, como a revisão da dívida e o questionamento de valores cobrados irregularmente, com uma auditoria.

Dados do Tesouro Nacional demonstram que Minas quitou R$ 45,8 bilhões de juros e amortizações, entre 1998 e 2019. Porém, no mesmo período, a dívida do estado aumentou de R$ 14,9 bilhões para R$ 93,7 bilhões.

“Existem outras formas para que Minas Gerais acerte seu débito. Por exemplo, nunca se apurou o valor real que o estado deve", defende Ronaldo Ribeiro, diretor do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado de Minas Gerais (Serjusmig).

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O sindicalista lembra ainda que o governo de Minas renunciou aos créditos que tinha com a União, em compensação pelas perdas da Lei Kandir. Na ocasião, Zema perdoou 90% dessa dívida e parcelou o restante em 25 anos, o que comprovaria que não há necessidade de adesão ao RRF. 

Os especialistas defendem, ainda, que a arrecadação do estado é suficiente para estabelecer o equilíbrio nas contas e voltar a pagar as parcelas da dívida, sem perder a capacidade de investir e de prestar serviços à sociedade.

“É possível equacionar fora do Regime. É preciso sentar e negociar com a União o retorno do pagamento da dívida ou uma carência”, argumenta Maria Aparecida Meloni.

Zema quer RRF a todo custo

O Projeto de Lei (PL) 1202, que prevê de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais desde 2019.

Em 2021, Zema encaminhou um pedido de urgência na apreciação da proposta. Porém, em meio a protestos de movimentos populares e forte oposição dos parlamentares, o PL não foi ao plenário.

Em maio deste ano, Zema solicitou novamente urgência aos deputados e recorreu a articulações nacionais: no início de julho, ele se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro e pediu seu apoio para a implementação da medida.

Após o encontro, uma decisão do ministro Nunes Marques, indicado pelo presidente ao STF, delegou ao Ministério da Economia a aprovação ou não da solicitação de Zema.

Dias depois, foi confirmado que o estado estava apto a aderir ao regime. O Ministério da Economia e o governo de Minas devem, então, elaborar o Plano de Recuperação Fiscal, que descreve as medidas que serão tomadas nos próximos anos.

“Fazer isso no apagar das luzes, num ano de eleição, com a possibilidade de um novo governo em Minas, é um golpe que o Zema tem dado no estado. Como Minas não quis, ele conseguiu no tapetão”, critica Jairo, da CUT.

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Sindicatos se mobilizam

Funcionários públicos do governo mineiro organizam um ato na Cidade Administrativa para sexta-feira (5), às 9h, com representação das categorias do funcionalismo público estadual.

“Vamos protestar contra as manobras do governo no STF para implementar o RRF sem a autorização do Poder Legislativo”, afirma Denise Romano, coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE).

A mobilização foi deliberada em plenária ampliada, no último dia 19. Outras ações estão previstas para agosto e para setembro. Além dos servidores estaduais, se somam à luta contra o RRF os metroviários, petroleiros e trabalhadores dos Correios. 

Para Valéria Morato, presidenta da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), os servidores serão os primeiros a serem afetados com o Regime de Recuperação Fiscal.

“Os trabalhadores já não têm reposição salarial justa há anos e teriam seus salários congelados, além de outros direitos suspensos. Também seriam proibidas novas nomeações e realização de concursos públicos, prejudicando serviços que já são insuficientes e com carência de servidores”, afirma.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Larissa Costa