Rio Grande do Sul

Coluna

Democracia, agroecologia e resiliência

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"A analogia que me ocorreu, observando aquela foto da posse do ministro Alexandre de Moraes, tem a ver com a ideia dos choques e sua superação" - Foto: Reprodução Instagram Lula Marques
Nada se perderá enquanto houver pessoas comprometidas com a reorientação de atitudes

Nesta semana vamos voltar a falar de agroecologia.

Vejam que mais uma vez os grandes acontecimentos da política nacional ilustram (em conformidade com os fundamentos de base agroecológica) que nada se perderá enquanto houver pessoas comprometidas com a reorientação de atitudes, em favor da vida.

Nada mais óbvio: observando a natureza e seus fatos, atentando para seus indicadores de transformação, suas denúncias e seus anúncios, e agindo em conformidade, com consciência, podemos nos recuperar de todas as tragédias. Para isso, basta escolher um rumo e tomar partido, comprometendo-se com aqueles que compartilham nossos desejos e projetos de futuro.

A analogia que me ocorreu, observando aquela foto da posse do ministro Alexandre de Moraes, tem a ver com a ideia dos choques e sua superação. Algo como a capacidade de resiliência, no contexto de ecossistemas afetados pela tragédia da estupidez humana. Como a reação da natureza, retomando áreas degradadas em função de políticas estimuladoras de monocultivos que esterilizam o solo e silenciam os murmúrios da vida.

Ali, na foto, estão representados os blocos de eucaliptos que, perfilados e homogêneos, ampliam a fome e a miséria na medida em que avançam destruindo habitats, eliminando áreas de banhados e manguezais, secando riachos e igarapés fundamentais à estabilidade dos agroecossistemas.

E ali também estão a pujança e a alegria que sentem e irradiam aqueles que se aproximam das fontes de água limpa, das sementes e culturas características das redes que articulam flora, fauna, povos, agricultores e comunidades tradicionais que compõem a alma deste país.

Na sombra daquele fundo invejoso se ocultam (estão representados em espírito) alguns ex-ministros de enriquecimento rápido, empresários que preferem um novo golpe de estado, ao resultado democrático que se anuncia pelo desejo da maioria dos brasileiros, e todos aqueles que ignoram a destruição do país.

É verdade que ali também estão as exceções. Como na sócioeconomia e na política, também na natureza encontramos aquelas árvores que resistem à intoxicação do entorno e que aceleram a recuperação do ecossistema após o corte dos eucaliptos. Talvez até por isso, vale a pena ler denúncia de Guilherme Amado, do Metrópoles, apontando alguns nomes, as marcas e as frases que estão a reclamar por nosso posicionamento, enquanto consumidores conscientes da importância de rejeitar impulsos de compra, em suas lojas e em outras de orientação assemelhada, ali não referidas.

No fundo daquela foto estão representados os processos engavetados, os sigilos centenários, os perdões de dívidas, os crimes ambientais, o genocídio, o garimpo, as incitações a crimes, os assassinatos e a destruição de legislações protetivas ao ambiente e aos povos indígenas.

E ali também, mas em primeiro plano, estão seus opostos.

No burburinho do povo, no sorriso de Dilma e na forma carinhosa como ela se apoia no braço de Lula. Há resiliência na alegria genuína que dali se expande, nos aquece e contagia.

Os produtos dos que sustentam aquele fundo de imagem, são (repita-se, com aquelas exceções), turvos como seus olhares, seu silêncio amuado e suas falas reprimidas. Ali estão representadas tentativas de enganação que se assemelham aos esforços dos que querem nos fazer crer que as lavouras de eucalipto seriam essenciais para nossa vida, dada a “presença de celulose de eucalipto em sorvetes, biscoitos, hambúrgueres, queijos, ketchup e sopas”, além de sua relevância para a produção de “salsichas, mortadelas, linguiças, papel e livros”.

Alguns, mais audaciosos, lembram aqueles que acenam com o fim da democracia como uma solução tão interessante, para nós, como o seria para os nordestinos, o avanço das plantações de eucalipto sobre a caatinga. São aqueles que apostam na corrupção e no apagamento dos que lhes são diferentes, como alternativas para “a salvação” daquele bioma e da nossa história.

Outros percebem (a exemplo do ex-ministro Marco Aurélio), como sendo inadequado, “nefasto” e agressivo o fato do Alexandre de Moraes ter afirmado, entre outras coisas,  que “liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia”.

A imagem também me ajudou a relacionar aqueles formadores de opinião que elogiam compromissos do PDT, com o voto inútil, cientistas que recomendam a consorciação de milho com eucalipto, como mecanismos de apoio à mitigação à fome entre os pobres do meio rural.

Mas o pior está naquelas afirmativas que ocultam de nosso povo a realidade deste país e estimulam o atual governo a maquinar pela continuidade de sua rota destrutiva. Ou ainda, e em respeito à metáfora dos eucaliptos aquelas mitologias que até na Indonésia, onde os milhões de hectares daquela planta se associam à destruição da biodiversidade, à criminalização e assassinato de ambientalistas, à corrupção generalizada e à construção de campanhas midiáticas que iludem o povo com desinformações a respeito destes fatos, suas causas e implicações.

É verdade que lá, como aqui, não faltam críticas e alertas em face da destruição causada pelo avanço dos desertos verdes sobre os biomas, assim como sobre a colonização de mentes de nossos jovens, ao sabor de interesses das cadeias de mercados que nos oprimem.

A lógica que impulsiona esta realidade talvez possa ser mais bem ilustrada pelo retardo no apoio à resiliência planetária, para o enfrentamento da tragédia climática. Neste caso, atendendo a interesses criminosos, as medidas corretivas urgentes e de caráter global vêm sendo proteladas graças à cooptação de lideranças civis e militares que, com apoio de pseudocientistas e autoridades públicas incompetentes, viabilizam a produção, divulgação e enaltecimento de informações enganosas. Trata-se de estratégia política para assegurar, de forma tola, oportunista ou criminosa, a inércia e a apatia das vítimas. Aqueles peões a serviço do mal e com acesso a mecanismos de comunicação massiva, assumem pose de figuras ilustres enquanto agem para convencer a sociedade de que, como a democracia e os fatos científicos sempre podem ser questionados, existiriam razões para priorização dos mercados de insumos e produtos, em relação à vida.

Em oposição a isto, e como anúncios de um novo momento histórico, nesta semana tivemos o 11 de agosto com a Carta pela Democracia. Também tivemos o lançamento da campanha de mobilização e da carta compromisso  “Agroecologia nas Eleições 2022”, por parte da Articulação Nacional de Agroecologia, e ainda, do documento Biodiversidade em debate: Diretrizes para a construção de políticas para a agrosocioiodiversidade, contribuição do Grupo de Trabalho sobre Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia à construção de políticas públicas pelos legisladores e executivos que vierem a ser eleitos a partir de outubro de 2022.

Some-se a isso a Carta do Povo e se faz evidente que o canto primaveril das formas de vida que estão a emergir das aguadas limpas demarcam o início do fim de um inverno escuro, silencioso e triste, sob ameaça das milícias de eucaliptos.

Estas iniciativas coincidem entre si e dão sustentação àquele que pode vir a ser o mais relevante dos fatos indicadores da resiliência de nossa democracia. Me refiro aqui a algo que se assemelha aos corredores ecológicos reclamados pela Articulação Nacional de Agroecologia, que unindo nossos povos e biomas permitiriam recuperar a pujança da biodiversidade nacional.

Trata-se do lançamento, neste dia 15 de agosto, sob coordenação de Irene Cristina e Beto Almeida, pela Associação Brasileira de Imprensa, de versão atualizada daquela Rede de Legalidade que instituída por Leonel Brizola, em 1961,  atrasou em alguns anos o golpe militar de 1964.

Como naquela ocasião, também faz parte da missão desta nova Rede da Legalidade, “defender o Estado de Direito" de ameaças golpistas, mas não se resume a isso.

Trata-se, como alertou Ivan Proença, do alto de seus 92 anos, durante o lançamento da Rede, de recuperar em nosso país a essência da democracia participativa. Para ele, a Rede da Legalidade precisará existir sempre que fatos o exijam. Corresponde, neste sentido, a instrumento capaz de manter a população esclarecida e ativamente empenhada com a reconstrução coletiva de um Brasil que emergirá fragilizado deste período triste.

Também no lançamento, o geólogo Guilherme Estrela destacou a importância de tal rede de conscientização ativa, quanto ao valor de riquezas nacionais que precisam ser recuperadas e preservadas como elementos garantidores do lugar de grandeza que corresponde ao Brasil, no mundo multipolar que emergirá da atual crise geopolítica.

Na sequência, Stédile destacou a importância dos comitês populares que crescem em todo o país, como institutos de apoio à construção coletiva de um projeto de nação democrática e soberana. Marcelo Auler, da pós-TV 247 e Misael Avelino, da Rádio Favela, encerraram a sessão de lançamento da Rede de Legalidade, que pode ser assistida aqui.

Como música, Elis Regina canta de Belchior, Como nossos pais.

 

Um lembrete final. Não deixe de acompanhar, ao vivo, presencialmente ou online o 2º Seminário Agroecologia e Saúde. Promovido pelo Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, dia 23 de agosto, das 9 às 17 horas (Auditório da PR/RS, Rua Otávio Rocha, n.700, Praia de Belas RS). Inscrições no local, transmissão ao vivo pela página do MPF/RS, no youtube).

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko