Coluna

A crise que a sabatina revelou

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Bolsonaro abriu a temporada de sabatinas de presidenciáveis no Jornal Nacional - Divulgação Rede Globo
No fundo, o que não queremos aceitar é que o jornalismo falhou

Durante a sabatina do Jair Bolsonaro no Jornal Nacional nessa segunda-feira (22), o presidente foi questionado sobre suas declarações desdenhosas e as frases em que imitou pessoas asfixiadas durante a pandemia da covid-19. 

Isso causou uma disparada de buscas no Google para os termos “Bolsonaro falta de ar” e semelhantes, tão não faltaram relatos nas redes sociais de pessoas alegando que elas próprias ou seus familiares não sabiam das posturas lamentáveis do presidente. 

Aliás, não é novidade que muitas coisas só tomem a devida proporção quando noticiadas no Jornal Nacional do Grupo Globo. 

É meio sintomático que a comunicação brasileira seja tão dependente de apenas um jornal em um determinado horário do dia (não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre o programa jornalístico). 

Quando boa parte da população brasileira não sabe ou desconhece o que acontece no país e os fatos no entorno do mandatário máximo da nação, precisamos discutir sobre o nosso jornalismo. 

E infelizmente tudo isso é fruto de um lento, repetitivo, e devastador trem descarrilhado de fracassos que nos trouxeram ao agora e que distanciaram as pessoas do jornalismo.

Como por exemplo, o “jornalismo” policial que certamente não se preocupa em informar o espectador, mas sim em chocá-lo. 

Uma indústria que manipulou resultados eleitorais, agitou ameaças de terror, excitou falsas-controvérsias, e falhou muitas vezes em informar a nação. Do colapso do sistema político aos perigos que a sociedade vive.  

Uma indústria que orientou mal a atenção da sociedade com a destreza de Harry Houdini enquanto milhares de brasileiros negros e jovens morriam ora pelo crime organizado, ora pelas forças de segurança do estado. O motivo para tamanho desastre não é nenhum segredo.   

Como rentabilizar o serviço fundamental de prover informações aos cidadãos?  

Como depender cada vez menos dos tão escassos assinantes? Duas respostas: anunciantes e cliques no atacado.  

Isso acabou distanciando ainda mais os leitores das notícias, o cidadão passou a ser visto como um mero consumidor de publicações baratas, deixou de ter a sua cidadania reconhecida e de ser visto como um eleitor. A viabilidade desse modelo de negócio só foi possível graças à supressão de informações nocivas aos anunciantes, ou a polemização hedionda e vil de factoides com pouco ou nenhum interesse público. 

Do outro lado, para aqueles que decidiram investir nos acessos de leitores no atacado, restaram eleger inimigos e heróis fictícios, manipular a emoção das pessoas e trabalhar sempre com o medo e com o ódio.  

Como esses dois últimos sentimentos cegam, não demorou muito para que os cidadãos ficassem desorientados. E então, outra tragédia estava formada.   

Em uma época em que o pouco que resta de bom jornalismo é atacado ferozmente por autoritários de plantão, ninguém fez mais mal ao jornalismo profissional do que o próprio jornalismo profissional.  

Quantos profissionais e veículos se preocupam em contextualizar as notícias, em oferecer espaço ao contraditório e escutar de maneira honesta os seus leitores sem qualquer postura jocosa?  

Faço todas essas indagações como um mero leitor, um voraz consumidor de notícias e, principalmente, um apaixonado pelo jornalismo bem-feito e de qualidade que ainda resiste em redações de todo o país. 

Falhamos quando a distribuição de informação fica dependente de um único jornal em todo o país, quando o eleitor não é informado sobre aquilo que impacta a sua vida.  

No fundo, o que não queremos aceitar é que o jornalismo falhou, pois se ele falhar, significa que também falhamos como sociedade.  

É muito fácil entender como chegamos até aqui, da crise de representatividade até estado atual em que o Brasil se encontra, afinal de contas, nada é mais importante para uma democracia do que um eleitorado bem-informado! 

Edição: Glauco Faria