Rio Grande do Sul

Pacto Federativo

Artigo | Disputa em torno do ICMS exigirá posição firme dos futuros governadores

A fragilização do ICMS e dos repasses aos municípios é a realidade, não por outra razão o assunto foi parar no STF

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"A queda da arrecadação do ICMS, com consequente diminuição dos repasses aos municípios, ficará para o próximo governador. E, infelizmente, para a população dos estados" - Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

Apontados pelo governo Bolsonaro como os responsáveis pelos altos valores cobrados pelos combustíveis no país – em total dissintonia com a realidade, que indica os preços praticados pela Petrobras ajustados à paridade internacional como o culpado e não aos custos de extração praticados no Brasil – os futuros governadores terão de agir de forma unida em 2023 e, a partir daí, propor uma nova discussão do Pacto Federativo. Um debate que, em última análise, apresente à opinião pública e ao Congresso a necessidade de proteção dos recursos de estados e municípios.

Hoje, a fragilização do ICMS e dos repasses aos municípios é a realidade. Não é por outra razão que o assunto foi parar no STF, numa disputa entre a União e os governadores atuais, que tentam proteger o caixa estadual, cujos recursos financiam a saúde, a educação, a segurança, a manutenção de estradas e do sistema de Justiça. Os governadores exigem uma compensação por terem sido obrigados a reduzir as alíquotas do ICMS cobrados sobre os preços dos combustíveis, numa evidente afronta ao Pacto Federativo.

Diante deste cenário, o Supremo já começa a deliberar. De acordo com o site do STF, o ministro Gilmar Mendes determinou, na segunda-feira (22), a compensação a três estados por mudança no ICMS. De acordo com a decisão, a União deve compensar, a partir deste mês, as perdas de arrecadação do imposto das dívidas públicas do Acre, de Minas Gerais e do Rio Grande do Norte. A decisão se deu na concessão de tutela provisória nas Ações Cíveis Originárias (ACO's) 3594 (MG), 3595 (AC) e 3596 (RN). Para o ministro, o deferimento da liminar se justifica, entre outros pontos, na grande probabilidade de perda arrecadatória dos estados e pela certeza dos vencimentos das parcelas das dívidas contratuais administradas pela Secretaria do Tesouro Nacional.

O Rio de Janeiro, através do Legislativo estadual, também bateu às portas do Supremo pedindo abatimento de dívida do estado com a União para compensar perdas na arrecadação do ICMS sobre serviços de combustíveis, comunicação, energia e transporte coletivo, em decorrência de mudanças na legislação tributária. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1000, distribuída à ministra Cármen Lúcia, e que tentar evitar prejuízos na arrecadação fiscal do estado e o comprometimento da prestação de serviços públicos, ainda aguarda uma decisão.

Em outra decisão (dia 17 de agosto), desta vez envolvendo outro tema, mas que tem repercussão direta sobre a arrecadação estadual, o ministro Alexandre de Moraes já havia determinado que a União se abstivesse de efetuar qualquer alteração ou reclassificação da Capacidade de Pagamento (Capag) do estado do Piauí em razão da decisão liminar que suspendeu o pagamento de prestações da dívida pública do estado.

Diante de inúmeros impasses, o STF tenta, sem sucesso, um acordo entre estados e municípios sobre alíquotas e outros temas relativos à tributação. Os encontros estão à cargo do ministro Gilmar Mendes.

“Considerando a busca por um compromisso conciliatório manifestado pelos estados-membros e colhida, pessoal e informalmente, a concordância da submissão ao interesse autocompositivo com diversas autoridades do Poder Executivo da União, designo audiência de conciliação/mediação, na qual poderão comparecer os representantes de todos os entes federados, a ser presidida por mim e/ou pelo juiz auxiliar Diego Viegas Veras no dia 28 de junho de 2022, as 9h, virtualmente, pela plataforma Zoom”, afirmou ele naquele mês.

Quase dois meses depois, sem perspectiva de acordo após três reuniões, Mendes afirmou que o tema vai muito além de uma discussão sobre técnicas de tributação, mas diz respeito às bases do pacto federativo brasileiro. “E, se o federalismo brasileiro está em debate, também em questão se coloca a própria democracia”, disse.

Disse ainda, ao abrir a reunião no último dia 16, que a Federação se funda na ideia de aliança, pacto e compromisso entre as forças subnacionais e centrais. Nesse sentido, a seu ver, as discussões da comissão não devem perder de vista o essencial: que a arrecadação dos impostos não pode ser considerada um fim em si mesma.

“Muito pelo contrário, os recursos financeiros existem para fazer frente às inúmeras despesas de todas as unidades políticas para cumprir as competências assinadas pela Constituição, muitas delas decorrentes dos direitos fundamentais nela enunciados”, disse.

De acordo com o ministro Gilmar Mendes, segundo matéria publicada no site do Supremo, a receita com ICMS representa 48,1% da arrecadação total dos estados e 77% da arrecadação tributária (dados referentes ao ano de 2020). Ou seja, trata-se da principal fonte de custeio dos entes estaduais e distrital, verbas que servem para custeio das áreas de saúde, educação, segurança pública e combate à miséria, entre outros serviços essenciais.

Guerra fiscal, repasses da Lei Kandir, Regime de Recuperação Fiscal e todas as suas implicações para a autonomia dos estados são outros temas que a partir de janeiro do próximo ano tomarão conta da agenda dos governadores eleitos. Até lá, com o café esfriando no gabinete, os atuais mandatários irão empurrando com a barriga a situação ou, se forem corajosos, acionarão o STF.

De qualquer forma, a bomba com a queda da arrecadação do ICMS, com consequente diminuição dos repasses aos municípios, ficará para o próximo governador. E, infelizmente, para a população dos estados.

* Luiz Augusto Kern é jornalista, ex-editor e repórter de política.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira