Cultura

Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc: oposição pede devolução de MP de Bolsonaro que adia pagamento

Normas preveem incentivos ao segmento cultural, primeiro a ser afetado pela pandemia

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Referência na área do humor, ator Paulo Gustavo morreu em maio de 2021, vítima da covid - Divulgação

 

Parlamentares de oposição querem que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolva a Medida Provisória (MP) 1135/22, que adia para 2023 os pagamentos previstos pela Lei Paulo Gustavo (LC 195/22) e para 2024 a chamada Lei Aldir Blanc 2 (Lei 14.399/22), ambas criadas para socorrer e incentivar o setor cultural.

A MP também abrange o socorro previsto no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído pela Lei 14.148/21, que fixa uma indenização para empresas do setor de eventos que tiveram queda maior do que 50% no faturamento entre 2019 e 2020 por conta da pandemia. A política prevê R$ 2,5 bilhões de investimento, cuja liberação fica adiada de 2023 para 2024.  O texto da MP não traz justificativas para a mudança.

Assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na segunda-feira (28), a MP causou um estrondo entre opositores e integrantes do meio artístico. Eles criticam o ex-capitão por desproteger o segmento cultural, que foi o primeiro a sofrer os impactos da pandemia e aguarda políticas de incentivo desde a aprovação das normas em questão.

O texto da Lei Paulo Gustavo, por exemplo, previa a liberação de R$ 3,86 bilhões em recursos federais para estados e municípios em até 90 dias após a publicação da norma, que foi aprovada pelo Congresso Nacional em março deste ano. Após ir à sanção, o texto foi alvo da tesoura de Bolsonaro, que vetou a legislação.

Com o retorno da medida ao Congresso para avaliação da iniciativa, deputados e senadores recuperaram o texto, derrubando o veto, o que fez com que a lei entrasse em vigor na sequência. Assim, trabalhadores do segmento estavam na expectativa de repasse dos valores ainda este ano.

Jornada semelhante teve a Lei Aldir Blanc 2, que prevê mais de R$ 3 bilhões a serem repassados anualmente da União para os demais entes federados ao longo de cinco anos, com início a partir de 2023. Agora, com a MP de Bolsonaro, a previsão salta para 2024.

Percurso  

As duas normas traçaram percurso semelhante: ambas nasceram a partir de demandas colocadas pela classe artística e outros operadores da cultura, foram aprovadas por ampla maioria no Congresso Nacional, depois foram alvo de um desgaste político causado por vetos de Bolsonaro aos textos e, por fim, tiveram os trechos recuperados por deputados e senadores após votação no Legislativo.

A edição da MP por parte do governo serviu para coroar a já difícil relação do ex-capitão com trabalhadores do setor, um dos mais atingidos pela asfixia orçamentária promovida pela gestão desde 2019.

“A nossa reação é de indignação, porque foi uma luta gigantesca para garantir a aprovação das duas leis. Depois tivemos que fazer outra luta gigantesca para derrubar os vetos e, na segunda pela manhã, a gente é surpreendido com uma MP flagrantemente ilegal que tenta revogar duas leis que são conquistas importantíssimas da cultura brasileira”, desabafa o curador de arte Márcio Tavares, que atua na coordenação do Comitê Nacional Paulo Gustavo, criado para articular a lei de mesmo nome.  

O autor da norma, senador Paulo Rocha (PT-PA), defendeu, durante a sessão plenária de segunda (29), a devolução da MP por parte de Pacheco. Já a bancada do PSOL oficiou formalmente o presidente do Congresso para cobrar a iniciativa. A sigla aponta inconstitucionalidade na medida e afirma que a MP bate de frente com o artigo 2º da Constituição Federal, que trata da necessidade de harmonia entre os Três Poderes.

O partido chama a atenção para o fato de Bolsonaro ter acabado com o caráter impositivo das três leis em questão por afirmar, na MP, que “fica a União autorizada" a fazer os repasses. No caso das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, os textos anteriores mencionavam que "a União entregará" as verbas, enquanto a lei do Perse apontava para a existência de um teto “assegurado” com os valores.

Outro ponto que despertou a preocupação da assessoria técnica da legenda é o fato de a MP afirmar que nos três casos serão "respeitadas as disponibilidades orçamentárias e financeiras de cada exercício". Na prática, esse entendimento acaba com a obrigatoriedade do governo federal de encaminhar as verbas.

“E isso foi na calada da noite. Foi um golpe contra a cultura e contra o próprio acordo que foi estabelecido na derrubada dos vetos no Congresso Nacional”, atribui a líder do PSOL na Câmara dos Deputados, Sâmia Bomfim (SP).


"A mobilização continua", disse Sãmia Bomfim ao Brasil de Fato / Câmara dos Deputados

A parlamentar conta que a MP pegou a bancada de surpresa porque deputados governistas ainda não haviam ventilado nos bastidores as chances de prorrogação da execução das normas, como geralmente ocorre no Congresso antes de o presidente da República adotar certas medidas políticas.

“O que houve foi uma forte negociação durante a discussão da derrubada do veto, e em nenhum momento o governo tinha sinalizado que iria impor retrocessos ou mesmo deturpar completamente o significado da aprovação das leis”, afirma. Sâmia acrescenta que a MP descaracterizou a Lei Paulo Gustavo, por exemplo, porque desconsiderou que a legislação tinha caráter emergencial e que por isso deveria entrar em vigor o quanto antes, não podendo ser adiada.

Rota

Assessor jurídico do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura, entidade atuante no Ceará e primeira organização social do país na área cultural, André Brayner afirma que a MP cria um problema de planejamento para os entes federados. “Estados e municípios que começavam a se organizar para receber esse recurso agora não vão receber, ou seja, a cadeia produtiva começava a se articular, mas aí o Bolsonaro posterga isso, inclusive deixando para um eventual outro presidente depois assumir todo o recurso. Isso deixa o setor numa situação difícil”.

Brayner também vê um problema de insegurança jurídica. Ele aponta que a medida do presidente da República coloca as leis em um perigoso limbo. “Você dá uma impressão de que foi prorrogada por meio da MP, mas a MP não é lei. E o Congresso tem um prazo para analisar. Se neste prazo ele não analisar ou aprovar, ela inclusive perde os seus efeitos. Então, veja em que caos os estados e municípios ficam, porque eles não sabem o que fazer.”  

Para a líder do PSOL, se Rodrigo Pacheco não acatar o pedido de devolução da MP 1135, a oposição tende a obter a derrubada da norma no Legislativo, dado o apoio que as leis obtiveram de siglas das mais diferentes colorações partidárias nas duas casas.  

“A mobilização continua. Pedir para o presidente do Congresso devolver foi só o primeiro passo. Se ele não quiser, certamente a força que se expressou na derrubada do veto vai ser ainda maior agora”, acredita a psolista.

 

Edição: Vivian Virissimo