Derreteu

Para especialistas, chance de vitória de Lula levou ao voto útil de ciristas em Bolsonaro

Cientistas políticas analisam que a transferência de votos é um dos fatores que explica alta de Bolsonaro no 1º turno

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Estratégia eleitoral de Ciro Gomes foi de aproximação ao eleitorado bolsonarista - Mauro Pimentel/AFP

Com a possibilidade de vitória do ex-presidente Lula já no primeiro turno, como indicavam algumas pesquisas, parte dos eleitores antipetistas de Simone Tebet (MDB) e, principalmente de Ciro Gomes (PDT), decidiram declarar voto em Bolsonaro (PL)  já no primeiro turno para garantir uma vaga ao mandatário na segunda etapa, segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato..

O resultado do pleito diferiu das pesquisas, com mais votos do que o previsto para Bolsonaro. Elas estimavam no máximo 39% das intenções, mas ele chegou a 43% do eleitorado, ficando atrás de Lula, que teve 48%, dentro do indicado pelos levantamentos. . 

 A hipótese é que a transferência adiantada de votos se deu principalmente entre os eleitores do ex-governador do Ceará, devido ao comportamento do pedetista de ataque ao ex-presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores, numa tentativa de angariar os votos de bolsonaristas.  


Ciro Gomes (à dir.) foi ministro da Integração Nacional do governo Lula entre 2003 e 2006 / Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), afirma que Simone Tebet e Ciro Gomes organizaram suas respectivas campanhas em torno de estratégias e eleitores diferentes. 

“Ciro Gomes se movimentou para ser um porta voz do antipetismo, na franja do eleitorado que não tem muita simpatia pelo Bolsonaro, mas que é, sobretudo, antipetista. Ele quis ser o Ciro que é inequivocamente antipetista, sem uma marcação bolsonarista e, de alguma maneira, com um ar de masculinidade e virilidade”, argumenta Goulart. 

Já Simone Tebet não se apresentou essencialmente como antipetista, mas como porta-voz das mulheres das classes populares que sofrem as discriminações de gênero, raça e classe, mas que não se identificam com o modo de atuar de figuras progressistas e feministas.  

“Ela quis organizar um campo de mulheres, que são de classe populares e, portanto, têm na sua vida cotidiana elementos que dificultam muito de vestir uma camisa do progressismo. Essas mulheres estão muito expostas a violências, mas dentro do discurso conservador que protege o lugar da mãe e da rede de apoio que vem de estruturas conservadoras como a igreja”, afirma a pesquisadora. 

A partir dessa diferenciação, Goulart acredita que foram os votos de Ciro Gomes, principalmente que migraram para Bolsonaro. “Por isso os votos de Tebet tendem a ir mais para o Lula e os votos do Ciro que já iam para o Bolsonaro já foram. O resto vai ser definido na campanha, dependendo do quanto o Bolsonaro vai ser capaz de ser virulento na mobilização dos afetos antipetistas.” 

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Nessa linha, Carolina Botelho, pesquisadora do Doxa – Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), afirma que antes mesmo do primeiro turno já foi registrada uma migração do voto de Ciro para Bolsonaro.  

“Especula-se que parte dele tenha ido para Bolsonaro, assim como o da Tebet. Só que esse esvaziamento do Ciro já tem ocorrido ao longo do tempo. Isso ficou bastante claro no último mês”, diz.  

Uma pesquisa do Instituto Ipec de 28 de setembro mostrou Lula com 51%, Bolsonaro com 36%. Tebet em 5% e Ciro em 7%. Já no dia 1º de outubro, um dia antes da eleição, já foi captada uma tendência de aproximação entre Lula e Bolsonaro e de diminuição das intenções de voto em Ciro Gomes. 

“O Ciro conseguiu se comunicar com o eleitor de extrema-direita por conta de sua performance como candidato. A comunicação foi para acessar esse eleitorado que leu nele uma possibilidade. Mas, na medida em que a ameaça de Lula ganhar no primeiro turno se configurava, esse eleitorado decidiu pelo voto mais anti-Lula", complementa Botelho. 

“O mais provável é que aquele voto pragmático no Bolsonaro do Ciro e da Tebet já tenha ocorrido majoritariamente agora no primeiro turno, sobrando os eleitores mais democratas e moderados de ambos, que devem ir para Lula.” 

Outros fatores de discrepância entre pesquisas e resultado 

Um dos fatores que pode explicar a diferença é o fato de que uma parcela expressiva dos eleitores decide o voto no dia das eleições. Segundo pesquisa Datafolha realizada pouco antes da eleição presidencial de 2018, 12% dos eleitores definiram o voto no dia do pleito. Esses votos ficam de fora das pesquisas, tornando-as distantes do resultado eleitoral.  

Mas, nas eleições deste ano, pesquisadores afirmam que outro fator pode explicar a diferença. João Feres Júnior, cientista político do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Manchetômetro (site de acompanhamento da cobertura de imprensa para economia e política), afirma que a principal diferença entre as intenções de voto e o que se deu nas urnas pode ser explicado pelo eleitorado bolsonarista. 

“A diferença se deu só na intenção de voto de Bolsonaro. Na intenção de voto do Lula, as pesquisas acertaram dentro e perto da margem de erro”, reforça. "Eu acho que a única resposta possível, apesar de ser uma hipótese, é que os eleitores do Bolsonaro são arredios às pesquisas de intenção de voto, ou seja, evitam responder pesquisas ou, quando respondem, declaram informações falsas." O problema, afirma Feres Júnior, foi “captar a preferência pelo Bolsonaro”.  

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Mayra Goulart também traz para o rol de fatores o apagão de dados do Censo Demográfico, que foi feito pela última vez em 2010. “Isso dificulta muito a composição das amostras, em termos de proporção das clivagens [divisões] sociodemográficas que a gente encontra na população geral. A gente tem um apagão de dados sobre o interior, onde o Bolsonaro é mais bem votado. A gente tem um apagão de informação sobre quantos são os evangélicos. Na composição dessa amostra, a gente subestimou as clivagens que são muito mais próximas de Bolsonaro e aí faltou calibrar esse tamanho da amostra em suas clivagens”, explica a professora. 

Os resultados das pesquisas 

Os resultados divergem da pesquisa da pesquisa do Instituto Brasmarket, divulgada na sexta-feira (30) anterior à eleição. No levantamento espontâneo, quando os nomes dos candidatos não são apresentados aos entrevistados, Bolsonaro teve 44,3% das intenções de voto contra 27,6% de Lula. Ciro teve 3,8% e Tebet, 3,2%. 

Também divergem da pesquisa divulgada pelo Instituto Veritá na última semana antes da eleição. No levantamento espontâneo, Bolsonaro aparece com 47,3%; Lula com 44,7%, Ciro Gomes com 3,4% e Tebet com 3,1%. 

Um levantamento feito pelo Instituto Equilíbrio Brasil, divulgado em 28 de setembro, mostrava Bolsonaro com 46%, contra 41% de Lula. Ciro e Simone tinham 5% e 4%, respectivamente, também em levantamento espontâneo. 

As três pesquisas foram amplamente divulgadas pelas redes bolsonaristas por colocarem o mandatário à frente do ex-presidente Lula. Mas não foram apenas esses levantamentos que apresentaram índices diferentes daqueles concretizados nas urnas.

Na pesquisa Ipec (antigo Ibope), divulgada no sábado, um dia antes da eleição, Lula tinha 51% dos votos válidos e Bolsonaro, 37%. Ciro e Tebet empatavam com 5%. No Datafolha, Lula aparecia com 50% dos votos válidos, contra 36% de Bolsonaro. Tebet tinha 6% e Ciro marcava 5%.  

Já no levantamento feito pela Quaest, Lula aparecia com 49% das intenções de votos, seguido por Bolsonaro (38%), Ciro (6%) e Tebet (5%). Similarmente, a Paraná Pesquisas da sexta-feira anterior à eleição, Lula tinha 43,9%, Bolsonaro apareceu com 37,3%, Tebet teve 5,8% e Ciro Gomes pontuou 4,9%. 

Arranque bolsonarista 

Segundo Mayra Goulart, os resultados de âmbito nacional, ainda que tivessem alguma diferença em relação aos levantamentos, estão dentro da variação das pesquisas. “Os resultados estaduais erraram bastante, mas amostras reduzidas têm maiores chance de erro, porque fazem uma prospecção nacional de algo regional”, afirma. 

Na eleição em São Paulo para o Senado, todas as pesquisas estavam mostrando Márcio França (PSB), da coligação do ex-presidente Lula, à frente de Marcos Pontes (PL), aliado de Bolsonaro. No sábado anterior à eleição (1º), o bolsonarista aparecia com 31% das intenções de voto contra 43% de França, segundo o levantamento Ipec. No fim do dia, entretanto, Marcos Pontes estava eleito senador com 49,91% dos votos. França apareceu em seguida, com um desempenho de 35,9%. 


Bolsonaro (PL) acompanhado do Ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, seu candidato ao governo de São Paulo / Alan Santos/PR

No pleito para o governo paulista, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) liderava as intenções de voto com 39%, enquanto Tarcísio de Freitas (Republicanos) aparecia com 31%, conforme dados do Datafolha também divulgados no sábado. Com 100% das urnas apuradas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no entanto, Tarcísio teve 42,3% dos votos e Haddad, 35,7%. 

O arranque dos eleitores de Bolsonaro, que não foi captado pelas pesquisas, também reforçou a agenda bolsonarista no Congresso Nacional. A sigla do presidente Jair Bolsonaro, o PL, conseguiu eleger a maior bancada da Câmara dos Deputados e do Senado. No total, foram eleitos 99 deputados federais, um aumento de 23 parlamentares em relação à legislatura atual. No Senado, foram eleitos oito senadores, somando 13 congressistas na Casa. Com isso, o PL conseguiu totalizar 112 parlamentares no Congresso Nacional.

Edição: Rodrigo Durão Coelho