Semana da criança

Crescer em ambiente saudável e acolhedor melhora desempenho escolar e aumenta oportunidades

Na Semana da Infância e Cultura de Paz, BdF e Aliança pela Infância promovem debates em áudio sobre direito da criança

São Paulo |

Ouça o áudio:

Criar rede de profissionais para amparar crianças em situação de vulnerabilidade é melhor caminho para quebrar ciclos de violências - Giorgia Prates

Crescer em um ambiente saudável, acolhedor e seguro – onde seja possível confiar nos adultos e ter liberdade de se expressar e de brincar – garante que as crianças desenvolvam seu potencial, tenham melhor rendimento escolar e mais oportunidades na vida adulta. Essa é a conclusão de especialistas em infância em situação de conflito, que participaram de um podcast especial promovido pelo Brasil de Fato e pela Aliança pela Infância, para marcar Semana da Infância e Cultura de Paz, promovida pelo movimento internacional. 

No Brasil, um país marcado pela violência, meninos e meninas acabam sendo duplamente vitimizados em situações de conflitos, herdando apenas o ônus de diversos problemas sociais do país. E vale pontuar que o termo "conflito" não se refere à realidade de países em guerra, como a Ucrânia ou a Síria, mas de locais no Brasil onde a violência está presente de forma sistêmica, como favela com embates entre o tráfico de drogas e a polícia, áreas ribeirinhas em disputa pelo garimpo ilegal ou ocupações e cortiços na iminência de reintegrações de posse.

"No dia a dia em que acompanhamos famílias em cortiços do centro de São Paulo encontramos situações estarrecedoras, pela precariedade das condições de vida e pelo ambiente cada vez mais hostil e de violência  que as crianças estão expostas. Elas perdem perspectivas e deixam de acreditar no futuro delas", diz o arquiteto Luís Kohara, fundador e colaborador do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.

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Em uma pesquisa feita pela instituição, ele acompanhou e comparou o desenvolvimento de crianças que vivem em cortiços e em unidades unifamiliares, e que estudam em uma mesma escola pública de ensino fundamental do bairro do Glicério, na região central da capital paulista.

"As crianças que moram em cortiços têm quatro vezes mais chances de ser reprovadas. Analisamos os outros anos e constatamos que 70% das crianças reprovadas na quarta série eram moradoras de cortiço", diz. "São espaços muito pequenos, de em média 12 metros quadrados, onde elas não têm espaço para guardar o material escolar, que acaba sujando com óleo e comida. Elas não têm espaço adequado para estudar e para dormir. Outros problemas são os despejos: encontrei crianças que foram despejadas três vezes. É uma humilhação para elas."

Esse grupo de crianças acaba exposto a um conjunto de fragilidades que por vezes as deixam vulneráveis a diversas violências, como abandono, maus tratos, exploração sexual e exposição a pornografia. Além disso, as crianças em áreas de conflito correm mais risco de serem vítimas também da violência letal: 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil, só entre 2016 e 2020, segundo dados do Anuário Brasil de Segurança Pública de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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"Com meu trabalho, eu conheci mais de 20 países em guerra. Antes disso, eu achava que essa violência só existia naqueles países. Quando eu cheguei lá comecei a comparar os números e pensei: o que acontece então no Brasil? Eu sou do Jardim Ângela [bairro da periferia de São Paulo] e na minha época de criança, 52 pessoas eram assassinadas por fim de semana", pontua o pedagogo Reinaldo Nascimento, especialista em situações de emergência. "Essas crianças em contexto de violência podem ter dificuldades no desenvolvimento, porque não se sentem seguras em lugar nenhum."


Promover cultura de paz é fundamental para garantir desenvolvimento pleno das crianças / Arquivo/EBC

Cultura de paz

Quebrar a lógica da violência não é uma tarefa simples, mas é possível, desde que o conjunto da sociedade se engaje em proteger e promover os direitos das crianças, segundo os especialistas. Afinal, como eles lembraram, elas são prioridade absoluta no país, segundo o artigo 227 da Constituição Federal.

"A gente fala muito de rede, de trabalhar em parceiras, mas isso precisa ocorrer de forma mais fluída", defende Nascimento. "Como pedagogo eu poderia pensar em formas de ajudar essa criança na escola, mas quando o medo que elas sentem começa a virar uma síndrome do pânico? E quando a tristeza se torna uma depressão? Quem eu busco para me ajudar? Eu não sou psicólogo ou psiquiatria e agora é disso que ela precisa. O mesmo movimento do outro lado: como nós, educadores, podemos ajudar os psicólogos? Não adianta só encaminhar para atendimento."

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Por isso, os especialistas defendem que é fundamental promover, incentivar e valorizar a cultura de paz, para permitir que as crianças tenham acesso a territórios acolhedores, seguros e livres de violência. E vale destacar que cultura de paz não diz respeito a ausência de conflitos, mas a práticas que ajudem a mediá-los de forma não violenta.

"É preciso trabalhar não apenas com as crianças, mas com toda sociedade. Elas são vítimas, que recebem o ônus dessa sociedade injusta. Então, precisamos parar de culpabilizar as vítimas, porque o culpado não tem forças sequer para reivindicar seus direitos", diz Kohara. "A confiança é fundamental nesse processo. Não tem nada mais seguro que estar perto de alguém em que sente confiança. Nenhum ser vivo se desenvolve quando não há confiança, porque a confiança te dá liberdade e a paz está diretamente atrelada a liberdade."

Edição: Camila Salmazio