Bahia

Dia das Crianças

Maternidades Reais: a luta de mães em defesa de uma educação inclusiva e diversa

Conheça a história de mães que defendem infâncias conectadas com a potência e a singularidade de seus filhos

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
"Não vejo na minha família nada de atípico", afirma Perolina - Arquivo pessoal

A maternidade real envolve múltiplos desafios. Apesar de todo o romantismo defendido pela sociedade em torno do ser mãe, na lida do dia a dia, cada pessoa cuidadora, cada adulto responsável vai ter uma história diferente para contar sobre o seu maternar. A infância é um percurso intenso de aprendizados.  Uma vida que cresce a cada ano de aniversário, mas que cresce ainda mais, e de maneiras incontáveis, na convivência uns com os outros. 

Lis tem 10 anos e Ernesto acaba de completar 12. Eles não se conhecem, mas ambos vivem rotinas escolares adaptadas para atendimento de suas singularidades. Além de serem mães de dois, Perolina Souza e Thais Vieira também não se conhecem, mas compartilham de rotinas desafiadoras como mães “atípicas”. O termo é usado para se referir a mães de filhos com algum diagnóstico neurodivergente. Perolina, que é professora de arte educação em Sergipe, entende o uso, mas não gosta da expressão.  

“Penso que ser mãe já é um adjetivo suficientemente completo para me designar. Acordo cedo e durmo tarde, corro de um lado para o outro para tentar dar conta do possível. É a mesma luta de grande parte das mães. Não vejo na minha família nada de atípico”, declara. 

Diagnóstico e aceitação

Thais é servidora pública federal e já vinha de uma experiência traumática com a perda de um bebê. Quando engravidou novamente, confirmou na 29ª semana de gestação que a filha tinha síndrome de down. “Fomos avisados pelo ultrassonografista e, talvez pelo fato de eu já ter perdido um bebê, no primeiro momento, eu recebi a notícia com alívio. A certeza de que minha filha viveria, dentro das potencialidades e limitações dela, foi maravilhosa. Após a euforia inicial, vieram as inquietações sobre o futuro dela”, relembra.

Perolina começou a suspeitar de que havia algo de diverso no desenvolvimento do Ernesto quando ele tinha dois anos de idade. A dificuldade para socializar, os interesses restritos aos mesmos alimentos e desenhos foram os gatilhos para a investigação. “Saí do consultório com um relatório de CID F84 e alguns encaminhamentos para iniciar as terapias. Ele falava apenas três palavras, não fazia contato visual”, destaca Perolina, que relembra esse momento com o sentimento de luto e a sensação de perda do filho em vida. 


"Não existe escola inclusiva sem professores inclusivos", salineta Thaís / Arquivo pessoal

Thais enumera os enfrentamentos com sobriedade e destaca que o primeiro grande desafio é a aceitação do próprio filho. Fortalecer-se como mãe e ter clareza do seu papel. Abandonar a ideia de capacitismo para apostar nas potencialidades, desejos e talentos da criança. Não se fragilizar diante dos preconceitos, socializar com a diversidade e propiciar o convívio com outras crianças atípicas são alguns dos pontos destacados por ela. 

“Aceitar que, apesar de tudo, não podemos controlar e tornar o mundo completamente acessível para minimizar a deficiência característica da síndrome” é outro ponto importante que Thaís afirma com resiliência. Na busca por melhorias, Perolina correu com as terapias e com o tratamento. “Aos poucos, fui entendendo que o autismo estava no meu filho, mas ele não representava tudo o que ele poderia ser”, declara.

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Inclusão no ambiente escolar

Thais comemora a possibilidade da filha estudar em um colégio particular, de fato inclusivo, mas sabe que essa não é a realidade da maioria dos espaços educativos. Em uma pequena demonstração do que já passou, ela conta que teve a matrícula de Lis negada em uma escola de ensino infantil sob a desculpa de que já tinha outra criança com T21 na turma. 

“Há muito medo envolvido, apreensão e um sentimento grande de esperança de que seu filho seja de fato integrado e consiga participar ativamente de todas as propostas feitas aos outros alunos”, alerta Thaís, que defende não haver inclusão sem capacitar todos os profissionais que participam do processo de desenvolvimento da criança na escola. 

“Não existe escola inclusiva sem professores inclusivos, sem conhecimento específico de estratégias diferenciadas de aprendizagem e, principalmente, sem boa vontade e disposição para oferecer todas as adaptações necessárias”, declara a mãe de Lis, que milita no campo das políticas públicas pela garantia de mais direitos. 

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Luísa Dattoli é psicóloga e psicopedagoga com longa experiência em inclusão. Ela acompanha a pequena Lis nas aulas escolares e nos conta emocionada dos bons resultados alcançados.  “A gente trabalha os mesmos conteúdos com ela, só que utilizando adaptações. Um recurso importante que tem sido um bom aliado da aprendizagem de matemática, por exemplo, é a calculadora”, declara Luísa ao comentar sobre como os exercícios são promovidos para que as crianças de inclusão se tornem funcionais frente à sociedade e aos desafios diários. 

Em conjunto com a escola e a família, atividades de aula são ajustadas e outras são propostas extraclasse. “Recentemente, fizemos uma lista de compras para que Lis fosse ao mercado comprar esses itens. Ela levou a lista, escolheu cada produto de acordo com a quantidade listada e levou junto com ela a calculadora para ir somando os valores e fazendo as operações”, explica Luísa contextualizando a relevância desse olhar cuidadoso e subjetivo para cada aprendizagem. 

Desafios para toda a sociedade

Como mãe de um garoto com autismo, Perolina que trabalha com atendimento educacional especializado na rede pública de ensino tem a sensação de que faltam políticas para a fundação de uma escola que abandone o modelo de ensino tradicional e as avaliações com efeito classificatório e estigmatizador.

“Penso que a escola que temos atualmente não é ruim apenas para meu filho, mas é ruim para quase todos, e esse, infelizmente, tem sido o projeto de escola brasileira”, observa.  

Thais salienta que o caminho é árduo e na prática o que precisa mudar é a tolerância dos pais e da sociedade em geral. Para ela, cada escola que recusa uma criança sob o pretexto de não estar preparada, pactua com a falta de empatia e de alteridade. “Por acaso, alguém nos perguntou se estávamos preparados para sermos pais de uma criança atípica? Não, apenas aceitamos e implementamos todos os esforços necessários para dar a melhor oportunidade possível para o desenvolvimento desta criança”, conclui Thais.  

Edição: Lorena Carneiro