CRIME ELEITORAL

Coação por voto em Bolsonaro nas igrejas pode ser denunciada em canal evangélico

Especialistas explicam até onde vai a liberdade das instituições religiosas e o que pode ser abuso de poder econômico

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Se comprovado, abuso de poder econômico pode resultar em punição de candidato beneficiário e de liderança religiosa envolvida, mas sem punição para a igreja - Carl de Souza/ AFP

Nas últimas semanas, cenas de patrões coagindo e chantageando trabalhadores dentro das empresas e de pastores pressionando fiéis e fazendo a defesa do voto em Jair Bolsonaro (PL) a partir da disseminação de mentiras e de informações falsas (as fake news) contra o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se tornaram ainda mais comuns.

Em alguns casos, frequentadores de igrejas têm sido obrigados a declarar voto em Bolsonaro e quando manifestam o desejo de votar no petista, são humilhados ou mesmo expulsos de algumas congregações. Alguns destes relatos estão chegando ao Observatório de Crimes Eleitorais em Igrejas e Abuso Pastoral sobre a Liberdade de Voto, organizado pela Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.

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Em apenas uma semana, o canal de WhatsApp, criado há alguns dias para denúncias pelo número (11) 98431-5637, recebeu quase 30 relatos de abusos de líderranças religiosas que pedem votos em Bolsonaro, xingam e proferem mentiras contra o adversário, fazendo uso da autoridade para impor visões de mundo e de política.

"A gente tem casos de pastores que usam o púlpito e de pessoas que sofrem com a coação dos próprios irmãos, de não poderem se manifestar porque aquela comunidade vai votar no Bolsonaro por pressão do pastor, pastores que estão em situações muito difíceis porque são pressionados a revelarem o voto, entre outros", afirma Fernanda Fonseca, integrante da Frente.

Fernanda informou ainda que as pessoas pedem para não terem as identidades reveladas com receio de passarem por mais problemas dentro das igrejas. Ela contou que as denúncias e reclamações de abusos dentro das igrejas, tanto de pastores e padres e outros líderes religiosos quanto de irmãos são todos referentes a Bolsonaro. "Não recebemos nenhum caso de uso do púlpito com pedido de voto em Lula".

O ibservatório está registrando as denúncias no site do Pardal, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que já chegou a receber até mil multas em um único dia, e envia os relatos para um grupo de advogados que dão suporte jurídico e fazem a triagem do que vai ser encaminhado para o Ministério Público Federal (MPF) e o que vai ficar apenas como denúncia no TSE.

O que diz a lei?

Especialista em direito eleitoral, o advogado Fernando Neisser explicou ao Brasil de Fato que o artigo 37 da Lei Geral das Eleições veda qualquer tipo de propaganda do gênero em igrejas, fábricas, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais em geral, assim como em museus e cinemas, por exemplo.

"Esses locais são considerados para a legislação eleitoral bens de uso comum e, portanto, está absolutamente proibida a realização de qualquer propaganda eleitoral no interior desse tipo de estabelecimento, seja a distribuição de materiais, seja o pedido de voto positivo para que se vote em alguém, seja o pedido de voto negativo para que não se vote em alguém", afirma Neisser.

Segundo o advogado, a pena prevista para a conduta é uma multa de no mínimo R$ 5 mil, além da cessação imediata do ato. Ele acrescenta que há agravantes, quando há recursos financeiros envolvidos e quando o fato repercute de forma considerável na eleição. "Isso pode levar à configuração de abuso de poder econômico e, em tese, à cassação daqueles candidatos considerados beneficiários".

Igreja não é punida

Para a professora de Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Vânia Aieta, é preciso deixar claro que não existe na lei o crime de abuso de poder religioso e que não há punição prevista para a igreja, e sim multa imputada às pessoas físicas envolvidas em abuso de poder econômico. 

"Não pode haver propaganda eleitoral dentro da igreja porque isso é uma norma violadora da propaganda eleitoral. Mas não se pode criminalizar a igreja, que é pessoa jurídica e nem pode ser criminalizada. A tipologia de abuso de poder religioso não existe e seria um tiro no pé se fosse criada, porque abriria portas para o abuso de poder educacional, o abuso de poder cultural, entre outros", analisa Vânia.

"Agora, se houver toda uma engenharia comprovada de pressão em cima do eleitor, carta do pastor ou de qualquer outro líder religioso, toda uma mecânica de obtenção de voto usando a igreja, aí pode haver um caso de abuso do poder econômico, com punição do candidato como beneficiário e o líder religioso como partícipe, mas a igreja não pode ser punida", explica a professora da Uerj.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse