Educação

Reitor da UFBA diz que "ataque ao orçamento das universidades é um ataque à democracia"

Paulo Cesar Miguez analisa o cenário da educação pública neste ano frente às novas ameaças de desmonte da educação

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Miguez aponta que a rápida mobilização dos setores da educação diante do anúncio do bloqueio do orçamento foi essencial para o governo federal voltar atrás - Ascom UFBA

Nesta terça (18), milhares de pessoas foram às ruas em todo o país nos atos em defesa da educação e das universidades públicas. A manifestação, convocada pela União Nacional dos Estudantes e diversos movimentos sociais, foi organizada a partir do anúncio do governo federal no último dia 05 de outubro de que mais de 1 bilhão de reais que compõem as verbas de custeio da educação superior seriam bloqueadas, o que praticamente inviabilizaria o funcionamento das universidades federais nos próximos meses. 

Para conversar sobre o impacto da política de desmonte das universidades públicas promovida pelo governo Bolsonaro, conversamos com o novo reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o professor Paulo Cesar Miguez. Antes de assumir a gestão da UFBA no último mês, Miguez também foi vice-reitor da universidade nos últimos oito anos, quando o professor João Carlos Salles esteve à frente da instituição.

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Brasil de Fato Bahia: O senhor tomou posse como novo reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em setembro deste ano. E 2022 não nos parece qualquer ano. É ano decisivo de eleições. É ano de retomada das aulas 100% presenciais depois de uma longa interrupção por conta da pandemia da Covid-19. Muito trabalho, certamente, se aponta no horizonte dos próximos anos para essa instituição que é a maior e mais influente universidade da Bahia e uma das mais importantes do país. Quais vão ser as suas prioridades nesta gestão e quais os maiores desafios diante da atual conjuntura? 

Paulo Cesar Miguez: Dois mil e vinte e dois deveria ser um ano bastante diferente para nós brasileiros. Primeiro, vou lembrar, 2022 são 200 anos da Independência do Brasil, uma oportunidade única para que discutíssemos enquanto sociedade, nosso passado, nossas dificuldades de presente e nossas possibilidades de futuro. Neste ano também estaríamos comemorando com grande alegria os 100 anos da semana de arte moderna. Mais do que isso, depois de dois anos de pandemia, 2022 marca o retorno a vida presencial. Todavia, 2022 se apresenta como um ano extremamente difícil. Seja pelo fato de para enfrentar o retorno a vida presencial, as universidades estão tendo que fazer um esforço para o qual organização de recursos e a disposição de apoio tem sido muito aquém das necessidades, seja porque em uma perspectiva mais geral 2022 se anuncia como o ano em que a defesa da democracia se tornou o objeto maior das nossas preocupações.

Os últimos oito anos em que eu tive o privilégio e a honra de acompanhar professor João Carlos, Reitor da Universidade na condição de seu vice-reitor, foram anos extremamente difíceis, anos em que a universidade soube resistir, mas também anos em que a universidade avançou na criação de novos cursos, na melhoria dos seus índices acadêmicos, na graduação e na pós-graduação, na conclusão de obras, enfim no enfrentamento dos grandes desafios para que a universidade pudesse cumprir a sua missão. Os próximos quatro anos, certamente, teremos pela frente imensos desafios a serem vencidos. Dar continuidade a essa obra de oito anos, especialmente, lutando pela recomposição dos nossos orçamentos, pela finalização de algumas poucas obras que não puderam ser entregues e sempre atentos à criação das melhores condições pra que a universidade continue avançando no ponto de vista da produção de conhecimento, na qualidade acadêmica, e, muito especialmente, no atendimento aos estudantes. 

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Nos últimos quatro anos, as universidades públicas brasileiras têm sido alvo de ataques dos mais diversos. Além dos cortes orçamentários sucessivos na pasta, no último dia 5, o governo federal anunciou novo contingenciamento que chegaria a R$ 2,4 bilhões no orçamento da educação. Depois da rápida repercussão e das diversas manifestações em todo o país, o ministro da educação Victor Godoyn, anunciou o declínio da decisão. O que dizer desse último episódio e também dessas recorrentes ameaças que afetam e determinam diretamente sobre o orçamento do MEC e, consequentemente, do abrir e do fechar das portas do ensino superior gratuito no Brasil?

Esse último episódio de ataque aos nossos orçamentos nesse último dia cinco, quando foi anunciado um bloqueio 5,8% do orçamento das nossas instituições, representa mais um ataque. Ataque esse que ao longo dos últimos quatro anos tem sido recorrente do ponto de vista dos nossos recursos. Talvez, a melhor avalição que podemos fazer deste episódio é o fato de que com muita rapidez, o sistema federal de ensino, as universidades, a comunidade universitária brasileira reagiram imediatamente, o que acabou provocando um recuo do ministério em relação a esse contingenciamento, Todavia, é preciso dizer que esse recuo não resolve o problema dos orçamentos. Se o bloqueio previsto e anunciado foi suspenso, os cortes continuam vigindo, no caso da Universidade Federal da Bahia, um corte insuportável de 12,8 milhões de reais.  

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O senhor acredita que essas ações de reduções de orçamento e de contingenciamentos são tentativas de deflagrar a privatização das universidades públicas? Existe este risco? Como fica a autonomia das universidades se isso vier a acontecer? 

Os ataques aos orçamentos das universidades, bem como a descontinuidade de um conjunto de politicas públicas, representam acima de tudo um ataque à democracia. Um ataque a vida brasileira. Um desrespeito a nossa constituição. Podemos adiantar, contudo, que nenhuma tentativa, nenhum gesto no sentido de fazer com que se destrua a universidade pública no Brasil terá sucesso. Nós temos a garantia da nossa existência ancorada na Constituição Brasileira e temos, além disso, a mobilização da comunidade estudantil, da comunidade docente, da comunidade dos técnicos e da sociedade na defesa desse bem maior que é a universidade pública. 

A UFBA, na mesma direção de outras universidades públicas brasileiras, enfrenta o desafio central de garantir não só o ingresso, mas - sobretudo - a permanência de estudantes que entram através das políticas afirmativas. Como garantir a continuidade dos direitos e das conquistas nesse cenário de tantas incertezas?

Com certeza, o grande desafio da universidade contemporânea é garantir a permanência daqueles que, graças às políticas de ações afirmativas, entram na universidade transformando o seu panorama e garantindo dessa forma que largos setores da nossa juventude pudessem finalmente chegar ao ensino superior. Evidente que o desafio da permanência depende, em especial, de uma recomposição orçamentária, de orçamentos mais generosos que possam garantir a permanência dessas pessoas. É bom lembrar, por exemplo, no caso da UFBA, dois terços do corpo discente experimenta situação de grande fragilidade socioeconômica, portanto, depende da universidade do ponto de vista de transporte, alimento, residência, material escolar. Portanto, a questão dos orçamentos, neste caso, é absolutamente fundamental para termos uma política de permanência que faça jus à transformação das politicas de ações afirmativas.     

Estamos na expectativa para o segundo turno. No próximo dia 30, a população brasileira vai decidir nas urnas quem vai comandar o Brasil pelos próximos anos. Aqui, na Bahia, o povo baiano vai eleger também o novo governador do estado. Quais são as suas expectativas? De que maneira esses resultados afetam e interferem na subsistência e no futuro da UFBA?

A nossa expectativa é que nessas eleições saiam vitoriosas candidaturas que respeitem a vida democrática, compreendam a importância da educação e que tenha na universidade, efetivamente, instituições que sejam, cada vez mais, a grande aposta de futuro da nossa sociedade.  

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Fonte: BdF Bahia

Edição: Lorena Carneiro