Solidariedade

Camponeses haitianos ocupam a entrada da embaixada brasileira em apoio à candidatura de Lula

Povos Tet Kole ti peyizan foram a Porto Príncipe defender Lula como presidente do Brasil

Tradução: Flávia Chacon

Brasil de Fato | Porto Príncipe (Haiti) |
Camponeses haitianos manifestam seu apoio à candidatura de Lula à presidência em frente à embaixada do Brasil em Porto Príncipe, capital do país - Schneider / Radio Rezistans

A organização popular dos camponeses haitianos “Tèt kole ti peyizan” organizou um ato para apoiar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como próximo presidente do Brasil, sob a coordenação do seu presidente Origene Louis, em frente à Embaixada do Brasil no Haiti na terça-feira (25).

O encontro ocorreu após participarem das mobilizações em repúdio às possíveis intervenções patrocinadas pela sua presidenta Helen Meagher La Lime enquanto expressavam publicamente “Solidariedade a Lula”, “Chega de Fascismo”, “Chega de Racismo”, “Viva o Socialismo na América Latina”, entre outros lemas, na segunda (24) próximo ao Gabinete Integrado das Nações Unidas (BINUH).

Antirracismo, antifascismo, anticapitalismo e reparação civil no Haiti: os fundamentos a solidariedade haitiana com Lula

Após 300 anos de regime, o Brasil é o país que aboliu a escravidão mais recentemente na América, em 1888. E ela não ocorreu basicamente por razões éticas e humanas, mas porque não era mais econômica e geopoliticamente capitalizável. A comunidade negra brasileira continua a enfrentar o racismo sistêmico e institucional como símbolos, instituições e até mesmo o imaginário social permanecem sob o domínio colonialista.

Hoje, o neocolonialismo, graças a esta infraestrutura do antigo sistema colonial, tem mais facilidade de se estabelecer no núcleo da sociedade, enquanto viola os ativistas e militantes políticos que o denunciam. Dados do Atlas da Violência de 2018 mostram que 74,5% no Brasil das vítimas eram negras. Entre eles podemos citar João Alberto, assassinado pelos seguranças da multinacional Carrefour em Porto Alegre em novembro de 2020, e a política e defensora negra Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em março de 2018.

Os migrantes haitianos também não são exceção a este aumento da violência racista no maior país da América do Sul. Uma mulher haitiana, Fetiere Sterlin, foi esfaqueada até a morte por um grupo de cerca de dez pessoas em Santa Catarina. A investigação do caso, imputado como feminicídio por motivação racial, permanece sem solução por quase 7 anos.

Segundo a Refugees International no México, a maioria dos haitianos entrevistados em dezembro de 2021 haviam emigrado do Brasil nos últimos três anos porque as condições no país eram muito menos seguras. Isso os obrigou a partir para as perigosas florestas e águas da Colômbia-Panamá-Peru-Guatemala-México. Muitos não sobreviveram. Um haitiano disse que deixou o Rio de Janeiro depois que seu vizinho foi baleado na frente de sua casa em 2021.

Com as eleições no Brasil, os camponeses entendem a solidariedade de esquerda como um aspecto importante na luta dos povos latino-americanos contra o imperialismo — uma ideologia presente no continente desde o século XV, hoje chamada de “intervenção e ocupação militar” —, contra o capitalismo e a transição apenas no nome da escravidão, baseada na atual exploração e na banalização da vida e dos valores humanos.

O projeto de violência contra as mulheres em toda parte é um projeto que faz parte de uma agenda global. Trata-se de um projeto que faz parte da agenda patriarcal. A dominação imperialista é sua mãe. Se este projeto for interrompido graças à educação sexual integral nas escolas, porque Lula acredita na educação eqüitativa, acreditamos que as mulheres migrantes haitianas que migram para o Brasil terão mais chances. No Haiti, também, porque, como eu disse, a violência contra as mulheres é um plano global. Durante o governo Lula, as condições de vida no Brasil eram melhores. E as famílias de migrantes, que dependem deles, estavam menos preocupadas. É por isso que nós, mulheres haitianas, apoiamos Lula. Votar em Lula é votar pela vida, e a vida é global.

Micherline Islanda Adel, feminista, filha de camponesa e membra do Tèt kole Ti Peyizan 

Nós como camponeses, como descendentes dos escravizados (...) aderimos ao projeto socialista porque valorizamos a vida integral, não nos associamos a projetos malignos sem fé nem lei que estão matando e destruindo pessoas em toda parte por suas terras e pelos recursos de seus países.

Jean Jacques Henrilus, membro do Tèt Kole Ti Peyizan

Os camponeses haitianos também não fazem segredo do fato de que uma das razões pelas quais apoiam Lula é para fazer reparações pelas consequências da intervenção militar liderada pelas forças armadas brasileiras durante seu mandato em 2004.

O Brasil foi o país que liderou a intervenção militar no Haiti após o golpe de Estado dos EUA, França e Canadá contra o presidente eleito, Jean Bertrand Aristide. Esta ocupação de quase 20 anos é a causa de muitas crises no país, incluindo crises constitucionais (dois governos de facto), crise migratória (mais de meio milhão de jovens estão fugindo do país), crise de saúde (quase meio milhão de pessoas foram infectadas pelo surto de cólera pelos capacetes azuis), crises humanitárias, etc.

Também é importante salientar que os soldados brasileiros nessa missão estão no topo da lista daqueles que violaram mulheres haitianas, entre elas menores, outras grávidas abandonadas com crianças, sem mencionar outras violações dos direitos humanos, tais como violação da liberdade de expressão, destruição de propriedade privada, roubos, assassinatos, etc.

Hoje o povo brasileiro aprendeu sua lição. Eles podem ver que estes mesmos militares que estavam destruindo o Haiti em 2004 são aqueles que hoje, no governo Bolsonaro, estão tentando destruir as mudanças que o Partido dos Trabalhadores fez no Brasil. Por isso é importante que expressemos nossa solidariedade com o povo brasileiro, com todos os trabalhadores brasileiros.

Camille Chalmers, Líder da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo

Esses líderes sociais e políticos estão apostando na candidatura de Lula também como estratégia para melhor discutir reparações adequadas, bem como para pedir ao próximo governo de Lula a saída do Brasil do Core Group, união à embaixada controlada pelos EUA da qual o Brasil faz parte no governo Bolsonaro. Este grupo está pressionando por uma nova ocupação no Haiti sob os mesmos pretextos que “eles mesmos constroem” enquanto rejeitam as propostas da sociedade civil haitiana por “uma solução haitiana, no interesse dos haitianos” para uma saída da crise política que o país está enfrentando hoje.

Os jovens estudantes universitários haitianos que participaram desta campanha em Petion-Ville também têm uma leitura pró-Lula.

Com a expansão do projeto de ecocídio do sistema neoliberal na América Latina, por exemplo, temos a Amazônia, o pulmão do planeta, a floresta está atualmente sujeita à destruição maciça [da biodiversidade] porque o sistema neoliberal quer impor um sistema agroindustrial feroz que destruirá os seres amazônicos. [Digo seres porque] sabemos que também há povos nativos que vivem nesses espaços há milhares de anos. Atualmente estes povos também estão em perigo com o projeto Bolsonaro. Apoiamos a candidatura de Lula porque Lula é o inverso desta figura destrutiva.

Hyrvensky Daniel Underson Pierre, Estudante da Universidade do Estado do Haiti (UEH)

A batalha que estamos travando atualmente no Haiti não pode ser reduzida apenas ao nosso território (…) Com a América Latina compartilhamos traços, histórias coloniais e histórias de resistência. E este sistema colonial deixa para trás privilégios socioeconômicos e políticos, instituições racistas e discriminatórias. A América Latina, e mais precisamente o Brasil, tinha um sistema escravista baseado na exploração de negros, assim como nós no Haiti. Com Lula como presidente a voz do Haiti pode ir mais longe mesmo no Conselho das Nações Unidas.

Richecarde Celestin, graduado da Fundação Universidade Jean Bertrand Aristide (UNIFA)

Edição: Flávia Chacon