GOLPE?

Na Bolívia, oposição se nega a dialogar e dispara contra policiais após 12 dias de paralisação

MAS-IPSP denuncia tentativa de golpe e movimentos convocam ato para exigir fim dos bloqueios em Santa Cruz

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Na Bolívia, opositores bloqueiam vias no departamento de Santa Cruz para exigir realização do censo nacional em 2023 - Alzar Raldes / AFP

Na Bolívia, a oposição realiza uma paralisação no estado de Santa Cruz há 12 dias para exigir que o governo de Luis Arce realize o censo demográfico nacional em 2023. A proposta do governo é realizar o censo em 2024, no entanto a medida é taxada como "irresponsável" pelos opositores. O presidente formou uma comissão de diálogo nacional para encontrar uma solução ao impasse, mas a oposição se nega a negociar. 

O adiamento do censo, segundo o governo, se dá devido a questões técnicas e foi aprovado pelo Conselho Nacional de Autonomias (CNA), reunido na última semana em Cochabamba, com representatnes de todos os departamentos, menos de Santa Cruz. O governo Arce indicou o Ministro de Planejamento, Sergio Cusicanqui e o porta-voz da presidência, Jorge Richter, para formar uma comissão de diálogo. 

A greve por tempo indeterminado foi convocada no dia 22 de outubro pelo Comitê Interinstitucional, liderado pelo governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho; pelo reitor da Universidade Autônoma da região, Vicente Cuellar; e pelo líder do Comitê Cívico de Santa Cruz, Rómulo Calvo. A paralisação abrange a capital Santa Cruz de la Sierra e inclui bloqueios nas vias de acesso ao estado.

Cuellar e Calvo demonstraram disposição em dialogar com o governo nacional na última terça-feira (1º), mas o governador do estado se negou ao diálogo e convocou sua base mais radical a manter as barricadas nas rodovias.

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"Estão tratando de camuflar como se fosse um movimento social, uma causa pelo censo, mas na verdade é um movimento político", analisa o cientista político boliviano, Yecid Velasco, em entrevista ao Brasil de Fato.

O impasse está na proporcionalidade da representação parlamentar. Se o censo for realizado em 2023 e confirmar o crescimento populacional em Santa Cruz, o departamento, hegemonizado pela oposição, poderia ter direito a mais cadeiras na Assembleia Plurinacional da Bolívia a tempo das eleições legislativas de 2024.

Os bloqueios de vias e distúrbios realizados pelos opositores são vistos pelo Movimento Ao Socialismo (MAS-IPSP), partido governante, como uma tentativa de desestabilizar a gestão de Arce.

"O censo é uma ferramenta técnica para verificar nossas características demográficas e foi satanizado para romper com a ordem constitucional e desestabilizar o governo", denuncia a direção do MAS-IPSP em comunicado.

E agregam "o confronto violento é uma armadilha de quem não aceita viver em democracia, reconhecer seus compatriotas como cidadãos em situação de igualdade de direitos e oportunidades". 


"O Movimento ao Socialismo socilita novamente ao presidente Luis Arce e seu gabinete a resolução pacífica da conflitividade social gerada em torno ao censo para restituir a harmonia entre os bolivianos", publica o MAS-IPSP no Twitter 

Ao impedir o escoamento de mercadorias, a paralisação provoca perdas diárias de US$ 40 milhões (cerca de R$ 100 milhões), segundo o governo boliviano.

A ministra da Presidência, María Nela Prada denunciou a meios locais bolivianos que estaria sofrendo ameaças de morte e que grupos violentos realizam rondas em frente a sua residência com o fim de intimidar seus familiares.

O atual governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, foi um dos protagonistas do golpe de Estado de 2019. Camacho também é um dos líderes dos movimentos separatistas "Media Luna", região de maioria branca, rica em hidrocarbonetos, como o gás natural, e com forte presença do agronegócio, onde foram registrados conflitos separatistas em 2008. Ela abrange os estados de Tarija, Chuquisaca, Santa Cruz, Beni e Pando, no oriente boliviano, região fronteiriça com o Brasil.  

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Camacho foi um dos denunciados no escândalo dos Panamá Papers, que revelou uma rede internacional de políticos que usavam empresas-laranja no Panamá para lavagem de dinheiro e evasão de impostos.


"Não à paralisação, sim ao trabalho": movimentos populares bolivianos exigem fim dos bloqueios que já duram 12 dias no departamento de Santa Cruz / Aizar Raldes / AFP

Na noite de terça, houve enfrentamentos entre a polícia e membros da União Juvenil Crucenhista (UJC) - grupo paramilitar da base política de Camacho -, em La Guardia, região metropolitana da capital do departamento de Santa Cruz, que terminaram com nove pessoas detidas. Segundo o ministro de Governo, Eduardo del Castillo, pelo menos seis patrulhas policiais foram destruídas. 

"A União da Juventude Crucenhista é um grupo delinquente e a própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos defendeu que ele seja desarticulado por sua ação violenta durante o golpe de Estado", comenta Velasco.

O ministro de Saúde, Jeyson Auza, acusa o governador de Santa Cruz de cometer crimes de lesa humanidade, divulgando vídeos que mostram os manifestantes impedindo a passagem de ambulâncias nas vias do departamento e atacando profissionais da saúde que tentam se locomover para seus locais de trabalho. O funcionário ainda afirmou que irá processar manifestantes que aparecem em vídeos bloqueando os veículos hospitalares. 

"Até em conflitos bélicos se respeita os profissionas da saúde e o trânsito de ambulâncias. Impedir a passagem de ambulâncias, como acontece hoje em Santa Cruz, é um ato deplorável e equiparável a um crime de lesa humanidade", denunciou Auza.

Em resposta, movimentos populares iniciaram uma caravana na noite de terça, que partiu de San Julián e irá percorrer 140 km até a capital Santa Cruz de la Sierra, para exigir o fim da paralisação opositora. 

"São os movimentos sociais que estão defendendo o governo de Luis Arce, eleito com mais de 55% dos votos em primeiro turno, então ele tem o apoio dos cidadãos. É um grupo pequeno de oligarcas de Santa Cruz que tenta derrubar o governo, porque não conseguiram manter o governo golpista de Jeanine Áñez e agora querem quebrar o Estado", conclui Yecid Velasco. 
 

Edição: Vivian Virissimo