Disputa global

Restrição a exportação de microchips é movimento de maior impacto no embate dos EUA com China

Ao colocar China como principal obstáculo em sua estratégia militar, Washington abre guerra no campo da tecnológico

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Fábrica de semicondutores em Nantong, na China - AFP

Quando Nancy Pelosi viajou para Taiwan em agosto, foi notícia de primeira página em todo o mundo especulações de uma guerra entre os EUA e a China.

No início de outubro, o governo Biden fez um movimento muito mais decisivo contra a China – mas mal chegou a ser notícia nos países vizinhos, como a Austrália.

Biden decidiu cortar o acesso da China aos chips de computador "high-end" (também conhecidos como semicondutores).

Mas não se deixe enganar pelo tom técnico que o assunto parece ter. Mais do que qualquer outra decisão política de um presidente americano desde o fim da Guerra Fria, esta medida destina-se influenciar o equilíbrio global de poder a favor dos Estados Unidos.

Por que os semicondutores são tão importantes?

Os semicondutores são pequenos, onipresentes e subestimados. Eles são o cérebro de todos os dispositivos modernos.

Sem semicondutores, seu telefone, TV e microondas seriam transformados em tijolos. Aviões não voariam e seu carro não andaria. A bolsa de valores, os sistemas de armamaentos e as telecomunicações dependem de semicondutores.

Segundo a Associação da Indústrias de Semicondutores dos Estados Unidos, em 2021, A China detinha 7% do mercado mundial em semicondutores. Em comparação, os EUA tinham 46%, a Coreia do Sul 21%, o Japão 9%, a UE 9% e Taiwan 8%.

A fatia do mercado global da China, porém, vem crescendo rapidamente.

Mas nem todos os semicondutores são iguais.

Chips avançados precisam de empresas e tecnologia dos EUA

As novas restrições dos EUA estão finalmente bem calibradas: aplicam-se apenas aos chips mais avançados, que a China não consegue fabricar sozinha.

Pesquisa do Centro de Segurança e Tecnologias Emergentes dos EUA mostra que a China "depende de empresas sediadas nos Estados Unidos e aliadas dos EUA para a produção dos chips mais avançados que estão em smartphones, supercomputadores e sistemas de inteligência artificial".

Além disso, todas as instalações avançadas de fabricação de semicondutores no mundo são "dependente fundamentalmente da tecnologia dos EUA". Isso torna os novos controles devastadoramente abrangentes, especialmente quando vistos em sua totalidade multifacetada.

Primeiro, proíbem a exportação dos chips de ponta para a China.

Segundo, limitam a exportação do software, equipamento e componentes de que a China necessitaria para estabelecer uma capacidade própria de fabricação de semicondutores.

Depois, restringem americanos especialistas da área de trabalharem com entidades Chinesas, limitando a transferência de conhecimento.

Por último, estendem o controle estadunidense para além de suas fronteiras para todos os fabricantes avançados de chips fora dos EUA. Todos estes fabricantes são aliados dos EUA e, se descumprirem as restrições, perderão o acesso a equipamentos dos EUA que são essenciais.

O quadro geral: corroendo a pesquisa da China

Em agosto, os Estados Unidos aprovaram o "Ato dos Chips e da Ciência" que incluiu um investimento de US$50 bilhões de dólares na indústria nacional de semicondutores dos Estados Unidos. Associado às novas restrições, isto equivale ao que foi descrito como "uma nova política dos EUA para estrangular ativamente grandes segmentos da indústria tecnológica Chinesa – estrangular com a intenção de matar". As implicações disso são de grande alcance.

objetivo das novas restrições dos EUA é limitar a capacidade da China "de comprar e fabricar certos chips high-end usados em aplicações militares".

No entanto, esses chips de última geração são utilizados para fins militares e civis. Essas restrições também afetarão todas as pesquisas chinesas que dependem de computação avançada.

Como estudioso americano de Relações Internacionais Jon Bateman escreve:

isso prejudicará o desenvolvimento e a implantação de Inteligência artificial (IA) em todo o país – dificultando o progresso chinês no comércio eletrônico, veículos autônomos, segurança cibernética, imagens médicas, descoberta de medicamentos, modelagem climática e muito mais.

Esta política não se trata apenas de manter a supremacia tecnológica dos EUA. Tem o potencial de degradar a pesquisa chinesa em todas as áreas.

A China conseguirá encontrar uma saída?

Não está claro o impacto imediato da nova medida. Há muito que se especula que a China tem armazenado chips e equipamentos, e ela tentará, sem dúvida, contornar a situação.

As novas medidas dos EUA darão novo impulso aos esforços chineses existentes para alcançar a auto-suficiência em semicondutores, mas não vai ser uma tarefa fácil.

A produção de semicondutores é incompreensivelmente complexa. Requer instalações tão limpas que fazem uma sala de cirurgias parecer suja e um equipamento tão preciso que a sua calibração é impactado pela rotação da Terra. Quanto mais sofisticado for o chip, mais complexo será o processo de fabricação.

Alguns fabricantes de chips acreditam que a China não será capaz de produzir semicondutores avançados sem equipamento e experiência dos EUA. Deixarei esse debate para os experts, mas a capacidade de inovação da China não deve ser subestimada.

Uma resposta ainda está por vir

Até a presente data, a resposta oficial direta da China foi silenciosa: réplicas relativamente brandas do porta-voz oficial do Ministério de Relações Exteriores chinês que os EUA procuram apenas "manter a sua hegemonia em ciência e tecnologia" e "bloquear e sabotar arbitrariamente as empresas chinesas".

Mais importante que suprir a demanda, a maneira como a China tratará essa questão de maneira mais ampla exige mais atenção.

O mundo já vive uma escassez global de chips, particularmente do tipo de chips menos sofisticados produzidos na China. A China também domina 80% da cadeia de abastecimento global dos elementos de terras raras que são essenciais para a maioria dos componentes de alta tecnologia.

A China poderia tentar interromper o fornecimento de um ou de ambos, mas essa seria uma resposta simétrica pouco usual Provavelmente também prejudicaria a China tanto quanto os EUA.

Mirando na ambição da China

Em um discurso no Congresso do Partido Comunista, uma semana após o anúncio das medidas de restrição dos EUA, o presidente Xi reafirmou, duas vezes, o objetivo de seu país em cinco anos é de "se juntar às fileiras dos países mais inovadores do mundo, com autoconfiança e força em Ciência e Tecnologia".

As restrições anunciadas pela administração Biden atingem diretamente a ambição de Xi em relação à China. Eles procuram manter a supremacia tecnológica dos EUA, ao mesmo tempo em que prejudicam a capacidade da China de conduzir pesquisas fundamentais. Diante disso, uma resposta crescente e significativa da China não deve ser inesperada.

A 'dissociação' entre EUA e China

Numa época em que os os equipamentos militares, as economias e a nossa vida cotidiana dependem da tecnologia, é espantoso o número de pessoas que continuam a ignorar as quando o assunto é tecnologia - e as políticas que as moldam.. Se alguma vez houve tempo para prestar atenção, é agora.

Durante vários anos, líderes e comentadores de todo o mundo têm especulado sobre a possibilidade de os EUA "se desassociar" da China: reduzindo o a teia de relações económicas e tecnológicas com a crescente potência asiática.

Os debates sobre a viabilidade da disassociação econômica continuarão. No entanto, os historiadores apontarão a decisão de Biden em 7 de outubro de 2022 como o momento em que a dissociação tecnológica dos EUA e da China se tornou inevitável.

Os EUA já fizeram sua jogada. A questão mais importante permanece: o que a China fará a seguir?