Catar 2022

Inglaterra, Irã, Estados Unidos e País de Gales: futebol e geopolítica no grupo B da Copa

Seleções representam países com histórico conflituoso nas relações internacionais

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Em 1998, jogo entre Estados Unidos e Irã foi foco de tensão na França - PASCAL GEORGE / AFP

Quando a bola rolar às 10h (de Brasília) desta segunda-feira (21) para o confronto entre Inglaterra e Irã, em Al Rayyan, no Catar, o futebol talvez não seja a atração principal. É que esse será o início da disputa do grupo B da Copa do Mundo, que chama atenção por uma série de confrontos de grande importância geopolítica fora das quatro linhas.

Os jogos do grupo colocarão frente a frente seleções que representam aliados históricos, antigos inimigos e até países que são formalmente integrantes de uma mesma nação. Prato cheio para os amantes da bola e da política internacional. Além de Inglaterra e Irã, chave tem ainda as seleções de Estados Unidos e País de Gales, que se enfrentam também nesta segunda, às 16h.

Inglaterra x Estados Unidos

Ingleses e estadunidenses estarão frente a frente na próxima sexta-feira (25), às 16h (de Brasília), no estádio Al Bayt, em Al Khor. Grandes aliados políticos na atualidade, Reino Unido (do qual a Inglaterra faz parte) e Estados Unidos têm uma história de idas e vindas na geopolítica internacional. Principal potência política e militar do planeta até o início do Século XX, o Reino Unido foi superado justamente pela antiga colônia.

Nas duas grandes guerras mundiais, combateram juntos. Na atualidade, Estados Unidos e Reino Unido mantêm importantes alianças. Basta lembrar que os países estão entre os fundadores da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan, que foi criada em 1949, no contexto do pós-2ª Guerra Mundial.

Apesar da parceria histórica, há importantes focos de rivalidade entre os dois países. Na cultura, por exemplo, as nações dominam listas internacionais dos maiores artistas musicais do mundo. O antagonismo também aparece, claro, no esporte. O jornalista britânico Tim Vickery, que há cerca de trinta anos vive no Brasil, fala com uma dose de bom humor que os estadounidenses estão tentando ocupar um espaço que tradicionalmente não é deles.

"Vejo esse, no lado emocional, como um grupo muito perigoso para a Inglaterra. Os Estados Unidos, especialmente no futebol, têm relação diferente da Inglaterra. Futebol é 'coisa nossa'. Eles estão invadindo agora. Falar de futebol em sotaque norteamericano é piada. Bem, não é piada mais. Tem perigo!", afirmou ao Brasil de Fato.

País de Gales x Inglaterra

Se a relação entre Inglaterra e Estados Unidos é quase umbilical, o time inglês terá pela frente um jogo contra a seleção de um país que faz parte do mesmo estado (ou nação). O jogo País de Gales x Inglaterra, no dia 29, às 16h, vai colocar frente a frente duas equipes britânicas.

Enquanto para entidades internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Otan e até o Comitê Olímpico Internacional (COI) o Reino Unido é uma entidade única, no futebol é diferente. Perante a Fifa, as "nações constituintes" são formalmente separadas. Assim, além de Inglaterra e País de Gales, o Reino Unido tem ainda as seleções de Escócia e Irlanda do Norte (que não se classificaram para a Copa).

Parte integrante do Reino Unido desde o início do Século XVIII, o País de Gales tem hoje pouco mais de 3 milhões de habitantes (contra cerca de 56 milhões da Inglaterra). Muitas vezes ofuscado, o país celebrou a classificação para o Mundial pela segunda vez na história, a primeira em 64 anos, com um vídeo que mostra momentos históricos, entre eles, protestos contra a coroa britânica.

A legenda do vídeo, em língua galesa, afirma: "Ainda estamos aqui, apesar de tudo e de todos. Mesmo que esteja escuro ao nosso redor, estamos prontos para o amanhecer".

Tim Vickery, nascido na Inglaterra, afirma que o jogo vai ser "muito especial", e acredita que muitos ingleses torcerão para que o País de Gales faça uma boa campanha e passe de fase na Copa do Mundo, como uma "zebrinha simpática". Ele não acredita, porém, que os torcedores galeses torcerão a favor da Inglaterra.

"Para o País de Gales, o jogo representa tudo. Ser galês, ser do País de Gales, é basicamente se definir como 'não inglês'. O País de Gales tem grandes diferenças entre norte e sul, tem uma parte que historicamente fala a língua deles, tem outra parte que historicamente nunca falou, sempre falou inglês, e só agora está sendo estimulado a aprender a língua local", contou.

"Para eles isso tem uma força extraordinária. A gente nunca pensa no País de Gales. Para eles é tudo. Isso torna o jogo muito perigoso para a seleção inglesa. Não importa o que tiver acontecido nos dois primeiros jogos. O time de País de Gales não é ruim, é bem capaz de dar uma surpresa. Vai ser um jogo muito especial", disse.

Irã x Estados Unidos

Iranianos e americanos se enfrentarão no próximo dia 29, às 16h (de Brasília), no estádio Al Thumama, em Doha. O jogo, desta vez, carrega uma carga de tensão baixa, cenário bem diferente ao do primeiro confronto entre eles em Copas do Mundo, em 1998, na França. Para a revista britânica Four Four Two, "o jogo com maior carga política da história da Copa do Mundo"

Na época, os países viviam os resquícios de uma briga diplomática iniciada no fim da década de 1970, quando aconteceu a Revolução Islâmica, que instalou o regime dos aiatolás em Teerã. Em 1979, a embaixada dos EUA no Irã chegou a ser invadida por militantes que mantiveram mais de 50 estadounidenses como reféns por mais de um ano.

Nos meses que antecederam a partida, que foi realizada na cidade de Lyon, as autoridades francesas prepararam um esquema especial de segurança. Havia enorme expectativa sobre uma possível animosidade entre jogadores e torcedores. Porém, nada disso se confirmou, e o jogo entrou para a história das relações diplomáticas entre os dois países por um bom motivo.

Antes da bola rolar, os atletas iranianos presentearam os adversários com flores. Os times posaram juntos para fotos. Nas arquibancadas, torcedores dos dois países confraternizaram. Em campo, vitória do Irã por 2 a 1. As duas equipes acabaram eliminadas daquele Mundial ainda na primeira fase.

Pedido de exclusão do Irã

Antes mesmo de a bola rolar, o grupo B da Copa do Mundo já ganhou espaço no noticiário, e não foi apenas nas páginas esportivas. Ativistas iranianos pediram à Fifa que excluísse a seleção do país do Mundial em resposta à atuação do governo iraniano durante protestos no país.

As manifestações começaram em setembro, após a morte de Mahsa Amini, jovem curda de 22 anos, por supostamente não "utilizar corretamente" o hijab. Centenas de pessoas morreram, segundo organizações internacionais de proteção aos direitos humanos.

Entre as pessoas envolvidas nos protestos estão o ex-jogador Ali Daei, principal nome da história do futebol iraniano. Outro ex-jogador, Hossein Mahini, um dos grandes nomes do Persepolis, principal clube do futebol iraniano, chegou a ser preso por participação nos atos.

Os pedidos para exclusão do Irã da Copa ganharam apoio do ex-presidente da Fifa Joseph Blatter. O ex-mandatário da entidade máxima do futebol, aliás, afirmou também que foi "um erro" a escolha do Catar como sede do Mundial.

E quase deu Ucrânia no grupo...

Por pouco o grupo B da Copa não teve a seleção de um dos países com mais espaço no noticiário internacional neste ano. A Ucrânia foi adversária do País de Gales no confronto decisivo da repescagem europeia para o Mundial. A vitória dos galeses por 1 a 0, em junho, pôs fim ao sonho dos ucranianos (e de seus apoiadores) de disputar a Copa em meio à guerra com a Rússia.

"Falei com crianças ucranianas, eles não entendem nada, mas dizem uma coisa: 'Eu sonho que a guerra acabe'. No futebol, também temos um sonho. O sonho é ir à Copa do Mundo e dar essa emoção aos ucranianos neste momento difícil", disse na época o lateral ucraniano Oleksandr Zynchenko, que joga pelo Manchester City, da Inglaterra, e é uma das estrelas do time.

Edição: Thalita Pires