Entenda

Alta taxa de mortes por tuberculose no Rio de Janeiro se acentua no pós-pandemia

Como consequência da desigualdade, pessoas privadas de liberdade e moradores de favelas são mais acometidas pela doença

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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A meta da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) é que a tuberculose seja eliminada nas Américas até o ano de 2025 - Tomaz Silva/Agência Brasil

A tuberculose é responsável pela morte de cerca de 1,5 milhão de pessoas em todo o mundo anualmente. O Brasil registra um terço dos casos da doença nas Américas. O Rio de Janeiro é o segundo estado com mais casos de tuberculose no país, ficando atrás apenas do Amazonas, mas é o primeiro em mortalidade de acordo com o Boletim Epidemiológico da Tuberculose do Ministério da Saúde.

A doença é transmitida de forma aérea, já que a bactéria causadora pode ficar no ambiente até oito horas, principalmente se não tiver ventilação adequada. Seu tratamento é totalmente gratuito e feito exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A meta da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) é que a tuberculose seja eliminada nas Américas até o ano de 2025, porém a pandemia de covid-19 pode ter atrapalhado este cenário.

O pneumologista e presidente da Comissão de Tuberculose da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do estado do Rio de Janeiro (SOPTERJ), Jorge Eduardo Pio explica em entrevista ao programa Central do Brasil, uma parceria do Brasil de Fato com a rede TVT, que com o SUS tendo que colocar seus esforços para tratar pacientes com covid houve aumento significativo de subnotificações de casos de tuberculose.

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“O serviço de saúde não pôde se dedicar a acompanhar as pessoas com tuberculose, os profissionais estavam muito ocupados com a pandemia e a gente teve muita dificuldade. Boa parte da piora nos bairros da cidade está relacionado ao efeito da pandemia, já que perderam o acompanhamento que tinham, uma vez que o sistema de saúde teve que focar no acompanhamento da covid”, conta Jorge.

Desigualdade

O pneumologista explica também que as altas taxas de tuberculose no Rio são consequência da desigualdade social no estado e por isso pessoas privadas de liberdade e moradores de favelas acabam sendo mais acometidas pelo bacilo por ser uma doença de transmissão respiratória e também muito relacionada às condições sociais.

"Condições de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), condições de moradia, de emprego. Todos os países que controlaram a tuberculose, controlaram mesmo antes das medicações porque tiveram um desenvolvimento social importante”, explica.

O tempo de tratamento da doença, que dura seis meses, pode fazer com que pacientes desistam antes de finalizar, principalmente as pessoas mais pobres que não conseguem se dedicar ao processo de tratamento e recuperação.

 “A transmissão da doença ocorre principalmente em locais onde você tem muitas pessoas em poucos metros quadrados de área. A gente sabe que as pessoas que estão sofrendo mais com problemas sociais e econômicos se alimentam pior, tem mais stress e isso facilita que no momento que elas são infectadas a doença se desenvolva”, diz o pneumologista.

Mudança estrutural

Para o pesquisador em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Victor Viana, a maneira mais eficaz de diminuir as taxas de tuberculose no Rio é partir de uma mudança estrutural no estado.

“Deveria ser diminuído o número de pessoas na mesma cela, por exemplo, dentro de um presídio. A gente sabe que isso é um problema que precisa ser enfrentado, de difícil solução porque é uma população que cada vez mais, no contexto do país, aumenta, mas a gente não tem a construção de novos presídios mais adequados, com melhora da circulação, com janelas, algo que facilite a entrada da luz solar e circulação de ar”, explica.

Outro grande problema que pode ter influência direta no aumento dos casos da doença é a baixa cobertura vacinal nos últimos anos. Segundo Paulo, o prognóstico é de tendência de aumento dos casos de tuberculose até 2025.

“A vacina BCG é a primeira vacina ofertada para todo cidadão brasileiro assim que nasce, é uma vacina que protege contra as formas graves da doença e a BCG garante uma proteção para criança até o quinto ano de vida. O país tem passado por um racionamento das doses por dificuldade na aquisição de lotes, de importação dessa vacina que vem da Índia e também por causa do fechamento da nossa única fábrica de fabricação da BCG que era a Fundação Ataulpho de Paiva que está interditada pela Anvisa”, explica o pesquisador.

Ele destaca que qualquer pessoa que tenha sintomas de tosse contínua, febre, perda de peso e/ou fadiga deve procurar uma unidade de saúde básica para fazer os exames. “O tratamento é eficaz e 100% de graça”.

Ao Brasil de Fato, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) informou que o “plano estadual tem como meta detectar, anualmente, pelo menos 90% dos casos estimados, tratar 100% dos casos de tuberculose diagnosticados e curar pelo menos 85% dos casos diagnosticados”.

“Além disso, em janeiro de 2022, foi firmado o Termo de Cooperação (TC) 129 intitulado Fortalecimento das ações de controle e eliminação da tuberculose no Estado do Rio de Janeiro, entre a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), a OPAS e o Ministério da Saúde, com o objetivo geral de estabelecer um sistema de governança que articule políticas de vigilância, atenção à saúde e apoio social no enfrentamento à tuberculose no estado do Rio de Janeiro, nos próximos cinco anos”.

Aos questionamentos sobre o racionamento de doses da vacina BCG e a baixa cobertura vacinal contra a tuberculose, a secretaria não respondeu.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse