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Por eles mesmos, jovens das quebradas do DF expandem consciência e se qualificam para o mercado

Projeto social Jovem de Expressão movimenta a cena cultural em Ceilândia e abre espaço para novos talentos da periferia

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Praça do Cidadão, na Ceilândia Norte, movimenta a cultura jovem e atrai interessados de cidades satélites de Brasília - Jovem de Expressão/ Reprodução
São jovens da comunidade falando com outros jovens sobre cinema, música, teatro e fotografia

Há 16 anos, o programa Jovem de Expressão luta para transformar a realidade da juventude periférica de Ceilândia, cidade satélite de Brasília, no Distrito Federal (DF). Um universo de arte, cultura, lazer e informação construído em uma praça revitalizada, que se tornou referência na formação pessoal e profissional periférica. 

Milhares de adolescentes e jovens adultos já foram impactados pelas iniciativas sediadas nas salas de aula, galpões e eventos ao ar livre. Uma variedade de temas que têm ajudado a abrir portas e criar perspectivas para quem convive com a falta de assistência do Estado e um sistema educacional precário - realidade conhecida em qualquer grande metrópole do país.

“A gente entende que o jovem de periferia não tem esse espaço de criatividade. O que é imposto pra ele é que sempre tem que estudar, trabalhar para sustentar. A gente perde muitos talentos por falta de momentos que ajudem a desenvolver a criatividade e despertar algum talento que está guardado”, afirma a pedagoga Rayane Soares, coordenadora do Jovem de Expressão. 

As origens do projeto remontam a um período de experiências com o hip-hop, basquete de rua e outras atividades ligadas à cultura urbana. O objetivo inicial era expandir a consciência dos jovens do entorno para afastá-los das estatísticas de violência, evasão escolar e desemprego.

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“A Praça do Cidadão que a gente ocupou era um local em conflito, de disputas entre grupos, e a comunidade passou a usá-la mais. Não tinha bancos, parquinho para as crianças, coisas básicas que nós fizemos. Hoje ainda tem dificuldades? Tem, porque a gente não pode substituir o Estado, mas temos feito nosso papel de estimular o direito à cidade”, ressalta Max Maciel (PSOL-DF), recém-eleito deputado distrital, que já não faz parte da coordenação do projeto, mas segue sendo consultor e entusiasta. 

O técnico cinematográfico Victor Couto, o V2, se deslocou de Taguatinga algumas vezes e rapidamente se encantou pela singularidade da iniciativa. “O diferencial do Jovem de Expressão é a porta aberta. Você pode ver que as portas estão sempre abertas e as pessoas que passam entram para ver. Não tem uma catraca, um controle de acesso, um bedel, aqui é aberto e na praça. Se tem uma oficina rolando, você entra e senta”, exalta. 

Projeto precisou superar estigmas e se reinventar

Depois dos primeiros anos de êxitos em uma geração ainda desconectada do mundo virtual, sem smartphones à mão, o Jovem de Expressão precisou superar o preconceito e diversas barreiras impostas pelo poder público.  “Volta e meia aparecia uma administração que tentava nos tirar do espaço. Eles sempre nos respeitaram, mas nunca reconheceram do ponto de vista legal, porque sabiam que isso nos daria muito mais poder e tudo tem uma relação política generalizada”, relembra Maciel.

Para se manter e poder atingir mais gente, o projeto passou a ampliar o universo e as linguagens para além do universo do hip-hop em suas mais variadas vertentes, como o rap, o grafite, o break dance e o basquete de rua. As atividades desse tipo se mantiveram, mas passaram a conviver com cursos de formação profissional e reforços educacionais de línguas estrangeiras e conteúdos pré-vestibular. 

O potencial do projeto atraiu o patrocínio da Caixa Econômica Federal e do Instituto CNP Brasil, com apoio da ONG RUA (Rede Urbana de Ações Sócio-culturais). Aos poucos, a estrutura e a programação foram se adaptando às necessidades trazidas pelos próprios alunos.

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“Nossas oficinas antes duravam um ano. Aí uma hora a gente viu que isso era quase um lato sensu, uma pós, e não era esse o nosso objetivo, e sim que o jovem experimentasse as coisas. Se ele curtir e quiser se aprofundar, ele será estimulado para se especializar ou agregar outros conhecimentos”, explica Maciel sobre a duração dos cursos e oficinas agora terem duração máxima de três meses. 

A força do projeto, tocado de forma mais horizontal, está no próprio ciclo de renovação. A própria Rayane Soares que hoje coordena as atividades também se aproximou do Jovem de Expressão como aluna de oficinas e trabalhos voluntários a partir de 2012. 

Ela representa um modelo de “passagem de bastão” que inspira e motiva quem passa a frequentar os espaços. “São jovens da comunidade falando com outros jovens. A linguagem acaba sendo mais acessível, seja para área da educação, para quem quer ir pra universidade, seja para áreas do audiovisual, como cinema, teatro e fotografia”, comenta.

Talentos formados na casa viram referências no mercado

A formação profissionalizante leva em conta as demandas da vibrante cena cultural de Brasília, especialmente na música e no cinema. A organização horizontal, repleta de reuniões e aberta a novas ideias, acredita na potência de métodos de ensino mais práticos e tocados por quem tem experiência no ramo.

Atualmente, o espaço oferece 7 oficinas, aulas de idiomas, empreendedorismo, além de abrigar cineclubes e festivais sazonais. Para isso, conta com apoio de outros grupos independentes que usam os espaços para suas ações, como o festival Foto de Quebrada, exposições de arte e os cineclubes.  

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Aluno de cursos audiovisuais, Steven Brito já experimentou outros temas e frequenta as aulas enquanto sua filha está na escola. “Estou me formando nos cursos de audiovisual, já me formei como DJ, fiz fotografia. Estou no meu terceiro curso de produção de audiovisual. Como são gratuitos e para jovens de periferia, é muito importante que gente daqui continue passando informação para gente daqui”, opina.

Wudson Pereira de Moraes, o WD, se descobriu produtor cultural e assistente técnico de cinema. “Quando a gente está na juventude, a gente está tentando descobrir o que a gente quer, a gente não sabe direito ainda, só vai experimentando tudo. O Jovem de Expressão é isso: um lugar para experimentar para ver se você se acha e se você não se achar tudo bem também”, diz.

Envolvido em diversos filmes e shows, especialmente como técnico de iluminação, V2 fala sobre uma máxima que passou a circular no meio artístico: “Hoje, a gente até fala que em todo set de filmagem ou festival de música em Brasília sempre tem uma pessoa do Jovem de Expressão. E assim, está passando o carro nas instituições de ensino porque estamos formando muita gente na prática”. 
 

Edição: Douglas Matos