Quando Lionel Messi nasceu, em 24 de junho de 1987, os argentinos estavam a poucos dias de comemorar o primeiro aniversário do bicampeonato mundial, conquistado em 29 de junho do ano anterior, no México. De lá para cá, nossos fanáticos e passionais vizinhos não viram sua seleção conquistar outra Copa do Mundo.
Se em 1986 eles foram carregados para a conquista pelo genial Diego Maradona, Messi tem agora a responsabilidade de guiar a equipe para uma conquista que não vem há 36 anos.
As comparações entre Messi e Maradona, aliás, são inevitáveis. Dois dos jogadores mais geniais da história do futebol, os canhotos são os principais ícones do futebol argentino em todos os tempos. Se conquistar o título no Catar, o ídolo da atualidade provavelmente não chegará à condição de "Dios" (literalmente "Deus") conquistada por Maradona, que morreu em novembro do ano passado. E isso tem muito a ver com as diferenças de perfis entre ambos.
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Enquanto Maradona tinha no corpo tatuagens de Che Guevara e Fidel Castro, Messi prefere manter maior discrição sobre suas posições políticas. São raras as manifestações do atual "dono" da camisa 10 da seleção argentina.
Maradona, uma figura acima do futebol
Muito se discute sobre a posição de Maradona na lista dos maiores jogadores da história. Há quem diga (especialmente na Argentina) que foi maior que Pelé. Há quem diga que briga com outros grandes craques, como Garrincha, Zico, Di Stéfano, Cruijff e Puskás, pelo posto de "segundo maior". Independente de qual for a conclusão, o fato inegável é que Maradona foi alguém muito maior que um jogador genial.
Em diversos momentos ele deixou clara sua posição política. Em 2016, por exemplo, postou foto em que exibia uma camisa do Brasil com o nome do ex-presidente (e hoje presidente eleito) Luiz Inácio Lula da Silva. Na legenda, afirmou ser "um soldado de Lula e Dilma". Na época, a ex-presidenta enfrentava o processo que culminaria com seu impeachment.
Ficou célebre, também, a amizade de Maradona com o líder cubano Fidel Castro. Foram várias visitas ao país da América Central. Em uma delas, foi realizar tratamento para a dependência química que o acompanhou durante boa parte da vida.
Também foi um grande admirador do escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de Veias Abertas da América Latina. E o carinho era recíproco. Galeano uma vez definiu Maradona como "o mais humano dos deuses", e disse que o craque argentino foi excluído da Copa do Mundo de 1994 (sob alegação de doping) por ter peitado a Fifa. De fato, Maradona questionou as decisões da entidade máxima do futebol mundial, que marcou partidas para o meio da tarde durante o verão no hemisfério norte para atender a interesses televisivos.
Messi: discreto e pouco incisivo
Se dentro de campo encanta pela extrema habilidade com que dribla, passa e chuta, Messi poderia passar despercebido na maior parte do tempo fora dele. Mesmo capitão da Argentina (e, por muito tempo, do Barcelona), sempre teve um perfil discreto e silencioso. Até por isso, quando muda de postura, surpreende.
Apesar de ser um dos grandes jogadores do futebol mundial em todos os tempos, ele chegou a ser criticado e questionado pelas atuações nem sempre tão brilhantes com a camisa argentina. O primeiro título oficial pela seleção do país, aliás, só veio em 2021, quando a equipe venceu a Copa América, disputada no Brasil em meio à pandemia.
Durante e após a partida das quartas de final do mundial do Catar, contra a Holanda, viu-se um Messi brigador, irritado, combativo. Ironizou e criticou duramente o treinador holandês, Louis van Gaal, e chamou de "bobo" o atacante Weghorst, autor dos dois gols da equipe laranja na partida. O termo pode até parecer inocente em português, mas em espanhol tem uma carga mais dura, podendo ser traduzido como "idiota".
A postura empolgou o ex-atacante Jorge Valdano, colega de Maradona no time campeão mundial em 1986. Em entrevista ao canal argentino TyC Sports, ele afirmou que Messi está "maradoneando" nesta Copa: tanto pelo talento, quanto pela postura.
É preciso, porém, gastar alguns minutos em buscas na internet para encontrar manifestações de Messi em relação a assuntos que não dizem respeito ao jogo em campo. Justamente por isso, quando se propõe a falar, ele chama mais atenção pela mudança de postura que propriamente pelas palavras ditas.
Em outubro de 2020, por exemplo, a imprensa mundial repercutiu uma entrevista à revista La Garganta Poderosa, ligada ao movimento La Poderosa, fundado por pessoas que vivem em favelas na Argentina. Na ocasião, o mundo vivia um dos momentos mais agudos da pandemia de covid-19.
"A desigualdade é um dos grandes problemas de nossa sociedade e devemos lutar para corrigi-la o mais rápido possível. É fundamental, para quem mais precisa, preservar todos os serviços essenciais em situações como esta pandemia. Água, luz e até alimentos básicos", disse o jogador, na ocasião.
O craque voltou a falar sobre a pandemia quando se juntou ao Unicef em defesa da efetividade da vacinação.
Em um mundo onde os grandes jogadores são estrelas internacionais, com Messi a situação não é diferente. O argentino é procurado por empresas de todo o mundo como garoto-propaganda. E um dos acordos fechados por ele neste ano pegou mal em seu país.
Em maio, o ministro do turismo da Arábia Saudita, Ahmed Al Khateeb, anunciou uma visita do jogador ao país. Não se tratava de uma viagem qualquer. Messi é uma das figuras de destaque contratadas pela Arábia Saudita para melhorar a imagem do país no cenário internacional.
I am pleased to welcome Lionel Messi to Saudi Arabia We are excited for you to explore the treasures of the Red Sea, the Jeddah Season and our ancient history.
— Ahmed Al Khateeb أحمد الخطيب (@AhmedAlKhateeb) May 9, 2022
This is not his first visit to the Kingdom and it will not be the last! @VisitSaudiNow pic.twitter.com/RDfxFIRjrt
O país do oriente médio trabalha para deixar de ser algo além de uma monarquia dependente da exportação de petróleo. Um fundo de investimento público foi criado para aplicar dinheiro em algumas das maiores empresas do mundo e realizar grandes investimentos em esportes.
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A Arábia pretende, por exemplo, ser candidata a sediar a Copa do Mundo em 2030. O problema? A Argentina também se lançou na disputa, ao lado do Uruguai e do Paraguai (e, posteriormente, do Chile). Na prática, Messi pode se tornar uma figura proeminente de uma candidatura concorrente à do próprio país.
Muito disso, porém, pode ficar para trás até o fim desta semana. Após a derrota na estreia (curiosamente, para a própria Arábia Saudita), a Argentina cresceu e chegou com moral às semifinais da Copa, muito disso graças a Messi, artilheiro e líder de um time cheio de jovens.
Se vencer a Croácia nesta terça-feira (às 16h, pelo horário de Brasília) e superar França ou Marrocos na final, no próximo domingo, Messi provavelmente não se tornará "Dios". Mas certamente muitas das críticas à sua postura pouco incisiva ficarão para trás.
Edição: Thalita Pires