EXTREMISMO

Professor avalia atos da extrema-direita: “Acreditam estar numa guerra santa, numa cruzada”

Dimas Antônio, da PUC Minas, avalia que número do movimento não é preocupante: "Não chega a 100 mil pessoas no Brasil"

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Atos antidemocráticos foram instalados logo após a vitória de Lula no segundo turno das eleições, em 30 de outubro - Sérgio Lima/AFP

Eles bloquearam rodovias, acamparam em frente a quartéis e, mais recente, promoveram verdadeiros atos de vandalismo em Brasília. O movimento de extrema-direita brasileiro se mantém nas ruas baseado em fatos que se aproximam mais do sonho, ou pesadelo, do que da realidade.

“Na cabeça das pessoas que estão na rua, o mundo está acabando e o mal está dominando. Eles acreditam que estão numa guerra santa, numa cruzada”. Essa é a avaliação do professor Dimas Antônio de Souza, do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais e que tem se dedicado a estudar a base ideológica do bolsonarismo.

O movimento, afirma o professor, cria para si uma mitologia, com direito a vilão, conspiração e salvador. Seriam eles, respectivamente e resumidamente: Lula, Foro de São Paulo e Bolsonaro. Longe de ser uma piada de mau gosto, a estrutura dessa narrativa tem bases históricas.


Dimas Antônio de Souza, do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas e que tem se dedicado a estudar a base ideológica do bolsonarismo / Foto: Reprodução

Brasil de Fato: Devemos mesmo classificar o movimento de extrema direita como “bolsonarista”? Ele é tão vinculado assim à figura de Bolsonaro?

Dimas Antônio de Souza: É uma extrema-direita bolsonarista. Pior foi ter chamado de "bozo". Dar nome de palhaço a alguém de tamanha gravidade e seriedade, coisa que setores fizeram desde o início.

Vi essa discussão, se deveria chamar de bolsonarismo, uma vez que não tem "hitlerismo", mas acho que não vai muito sentido no caso brasileiro. Frisar sempre a ligação do bolsonarismo com o extremismo é necessário. Inclusive, se a gente dissociar, corremos o risco de conseguirem, de uma forma ou outra, separar o que é inseparável: o bolsonarismo do extremismo de direita.

O que se pode dizer, hoje, quanto à composição desse movimento? Ainda é o chamado “núcleo duro” bolsonarista ou isso se expandiu?

Não tenho pesquisas para me apoiar em números, mas o movimento tende a ficar cada vez mais reduzido. O extremismo, tanto de direita ou de esquerda, tende a ser grupo minoritário nas sociedades democráticas. O movimento de rua, que está na porta dos quartéis, não é um movimento extremamente grande, preocupante em número. Não chega a 100 mil pessoas no Brasil todo, em rodízio.

A direita brasileira – que não é a extrema – votou em Bolsonaro, mas nem todos os eleitores vão cair no extremismo. O bolsonarismo cresceu no vácuo deixado pelo PSDB. O Aécio Neves fez um desserviço para a democracia brasileira e para o partido dele. Ao apostar em um discurso muito radical, que não era próprio do PSDB, ele abriu a base eleitoral do partido para a extrema direita, e a extrema direita surfou nessa onda.

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Por isso é muito importante associar Bolsonaro ao extremismo, para que as pessoas mais sensatas da direita saiam dessa seara e voltem ao campo democrático. A sinalização do governador de São Paulo eleito, Tarcísio, vai muito por esse caminho. Ele diz: "eu não sou bolsonarista raíz". Ou seja, não vou brigar com o STF, não vou querer fechar a Assembleia Legislativa, foi isso que ele quis dizer.

O que tem mantido os apoiadores de Bolsonaro nas ruas?

Há algum tempo, pouco antes de sair as denúncias da Vaza Jato – que revelou o complô da Lava Jato –, eu havia escrito um artigo ao Brasil de Fato apontando que o movimento bolsonarista tem muita semelhança com o nazismo. E essa semelhança é no contexto da própria narrativa. A narrativa nazista e a narrativa bolsonarista têm em comum teorias de conspiração, que infantilizam e enlouquecem as pessoas, colocando elas em um verdadeiro mundo paralelo.

Fala-se em teoria da conspiração, mas o certo é chamar de mitologia conspiratória, que em geral tem um caráter apocalíptico. Na cabeça das pessoas que estão na rua, o mundo está acabando e o mal está dominando. A ideia deles é que o Lula é um demônio, que a esquerda toda é ligada às forças do mal, do inferno, ao banditismo, ao tráfico de drogas, ao sequestro.

Eles simplificaram o jogo da política em uma luta do bem e do mal e, da forma que colocam, o mal está encarnado e está pronto para vencer e ganhar o mundo todo. Porque os comunistas, LGBTs, negros, pobres, ladrões e também as grandes corporações, inclusive o Banco Itau, são esse leque "comunista", o eixo do mal.

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O grupo que está na rua acredita que está numa guerra santa, numa cruzada. Na porta do quartel fazendo reza, pedindo a Deus, mandando sinal pra ET, porque eles estão fora da realidade. Esse grupo saiu da realidade. Eles estão na travessia do deserto, liderados por um tipo de Moisés, que é Bolsonaro, visto como um salvador.

As pessoas comentam: "mas Bolsonaro, o salvador? Um cara tão ridículo?". É ridículo para mim, mas para os que o seguem, o lugar dele nesse imaginário é de um profeta. A mitologia apocalíptica é assim: tem uma luta do mal contra o mal, o mal está quase vencendo, e Deus manda o salvador, que surge do seio do povo. Um homem comum, igual a todo mundo. O Bolsonaro encarna esse homem-massa, o homem-médio, e se projeta para parte da população como o salvador.

Esse movimento é messiânico, tem as mesmas características do nazismo porque a base é a teoria conspiratória. A narrativa mãe é o Foro de São Paulo, como conspiração comunista. E o grande narrador dessa mitologia foi o Olavo de Carvalho, que conseguiu convencer a classe média. O narrador de uma mitologia tem que ter credibilidade. O Olavo assumiu esse papel do "O Olavo tem razão". Ele ficou como aquele ser que fala com razão. E toda essa mitologia deu brecha para o surgimento do profeta, o salvador.


Manifestantes estão nas ruas desde o dia 30 de outubro, quando Jair Bolsonaro fracassou nas urnas / Foto: TERCIO TEIXEIRA / AFP

Essa situação muda com a saída de Bolsonaro da presidência?

Esse movimento é como o nazismo, é movimento de massa, e pra viver tem que estar sempre em mobilização. Quando Bolsonaro estava no poder, tinha um certo controle, mas agora, para esse grupo continuar, tem que se manter ativado.

Eles vão seguir agitando esse grupo com mensagens de "72 horas", renovando a esperança de que em 72 horas algo vai acontecer e produzindo fake news, para manter o movimento aquecido e ver se consegue manter o líder na posição. O profeta foi derrotado e isso vai pesar, porque esses movimentos não vivem sem líder, se não ele se desfaz.

Pelo que você tem pesquisado, qual será a estratégia de mobilização do movimento de extrema-direita?

O Bolsonaro está calado, está fazendo um papel de vítima. Mas existe um esquema no gabinete do ódio. A imprensa bolsonarista vai martelar em mentiras e, a partir da mentira, provocar mobilização. Em geral, a mentira tem como lance impor o medo. As pessoas acuadas e com medo fazem algo para se proteger. E pouco importa o que era antes, porque existe uma narrativa. É como se elas estivessem vivendo um sonho, ou um pesadelo.

Não adianta mostrar o que Bolsonaro fez no governo, o esquema de corrupção e compra de votos, não adianta mostrar que o caixa do governo está rapado, porque tudo vai ser obra dos comunistas, da Globo golpista, e sempre Bolsonaro estará perdoado. O argumento para proteger o líder chega a todo Brasil de uma forma muito rápida.

Eles têm uma rede de comunicação e de distribuição muito profissional. Para enfrentar isso, a gente tem que começar a estudar o mecanismo deles e instalar uma rede de dissipação rápida de fake news.

Vimos durante a eleição que dialogar com eleitores de Bolsonaro é uma coisa muito difícil. Militantes de esquerda relatam terem tentado muito, com apresentação de números, provas, argumentos, mas nada funcionava. Na sua avaliação, como o governo eleito pode fazer esse diálogo?

A comunicação com o "bolsonarista raiz" é quase impossível. Ele está totalmente dominado pela mitologia, está dentro da narrativa. Com argumentação racional, números, é pouco provável. O que pode provocar uma fissura é quando se dialoga por mecanismos que a pessoa não espera, digamos, o momento em que está com a mente "descansando".

Ou seja, se você chega com uma camisa vermelha, já dá um sinal. A nossa mente é cheia de mecanismos de defesa. Apareceu algo que pode ferir o núcleo da ideia, a defesa opera e a estrutura da narrativa permanece.

É mais fácil conversar com eles pela arte, pelo quadrinho... para alguns pode dar certo, mas a grande maioria é possível que continuem mesmo nessa fé.

Já as pessoas que estão próximas do bolsonarismo, mas não são do grupo “raiz”, um pouco mais de tempo, de paciência, o governo Lula agindo e trazendo à tona a realidade do país, tomando ações que beneficiem o povo, e também fortalecendo algumas pessoas de direita que estão nessa frente ampla do governo, podem funcionar. Com o fortalecimento de alguns personagens de direita e centro, esse grupo tende a perder força.

Mas a bem da verdade, o que levou a essa situação foi a grande mídia brasileira. Ela trata os temas da política o tempo todo despolitizando. Trata a negociação política como se fosse roubo. Uma negociação política que envolva a PEC do Bolsa Família, na voz dos repórteres vira a "PEC da Gastança". É todo um jogo de mídia para desqualificar, despolitizar e gerar ódio em relação à política, e tudo isso favorece as narrativas extremistas.

Nessa nova conjuntura, é muito necessário que o jornalismo brasileiro faça uma reflexão sobre o seu compromisso profissional. No fundo, se o extremismo cresce é porque está havendo um campo fértil pra ele crescer, tanto na imprensa, quanto nas igrejas católicas conservadoras e das igrejas evangélicas.

O nosso trabalho deve ser lento e contínuo.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Larissa Costa