CLIMA ELEITORAL

Cristina Kirchner acusa "Estado paralelo" judicial em 1º ato público após sentença na Argentina

"Não renunciei à política, fui banida": lawfare e eleições foram temas centrais das declarações da vice-presidenta

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
A vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner disse que foi banida das eleições de 2023 em seu primeiro discurso público, nesta terça (27) - Luis Robayo /AFP

Nesta terça-feira (27), a vice-presidenta da Argentina Cristina Fernández de Kirchner ofereceu seu primeiro discurso em um ato público após sua condenação em primeira instância. Ao lado de seus principais aliados dentro da coligação governante Frente de Todos (FdT), Cristina criticou a imprensa, as elites econômicas e o Poder Judicial argentino de promover um "Estado paralelo". 

O evento foi a inauguração do ginásio poliesportivo Diego Armando Maradona, no município de Avellaneda, subúrbio de Buenos Aires. Cristina foi condenada a seis anos de prisão e inabilitação política perpétua, em primeira instância, no dia 6 de dezembro. A Causa Vialidade é considerada mais um caso de perseguição político-judicial contra líderes progressistas da América Latina.

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Sob os gritos de "se tocam Cristina, que problema se formará", a vice-presidenta foi recebida por um estádio repleto de militantes peronistas. Cristina estava acompanhada do prefeito de Avellaneda e seu ex-ministro de Habitação, Jorge Ferraresi, e do atual governador da província de Buenos Aires e ex-ministro de Economia, Axel Kicillof.

O complexo poliesportivo Diego Armando Maradona foi inaugurado na Favela Corina, cerca de 12km da Favela Fiorito, no subúrbio da capital, onde Maradona cresceu. 

"Cristina presidenta"

Aos gritos de "Cristina presidenta", ela comentou as manchetes de imprensa que titulavam o ato como a primeira atividade pública de Cristina após sua renúncia à política, em menção ao seu discurso do dia 6 de dezembro, quando recebeu a sentença da Causa Vialidade e afirmou que não iria concorrer a nenhum cargo público nas eleições de 2023.

"Nem renúncia, nem autoexclusão: há proscrição", disse. 

Cristina voltou a denunciar o seu processo como um caso de lawfare (guerra jurídica), que busca bani-la da vida política. Durante a sua defesa e no seu discurso do dia 6 de dezembro, Cristina apresentou ao menos vinte imprecisões no seu processo, além de acusar a falta de provas, e também o adiamento da votação da setença nos tribunais para aproximar-se do período prévio às próximas eleições.

O atual governo abriu investigações sobre mensagens trocadas entre autoridades judiciais e ex-ministros de Mauricio Macri que sugerem a parcialidade do Poder Judiciário.

As mensagens publicadas mostram vínculo íntimo entre diretores do Grupo Clarín, maior conglomerado midiático do país, um ministro macrista, um ex-agente de inteligência e quatro juízes, um deles responsável pelo processo que terminou com a condenação à vice-presidenta.

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Assim como a plateia, o governador de Buenos Aires e aliado de Cristina na Frente de Todos apoiou a vice-presidenta. "Precisamos de você para seguir esse projeto de mudanças. Àqueles que te ameaçam, nós dizemos: não temos medo", defendeu o governador Axel Kicillof.

Eleições 2023

A Argentina ainda não finalizou as celebrações da vitória na Copa do Mundo do Catar e os festejos de fim de ano e já começa a se preparar para as eleições.

O calendário eleitoral prevê que até 14 de junho devem ser oficializadas as chapas ou frentes que disputarão o processo eleitoral, já 24 de junho é o limite para inscrever candidaturas às primárias, chamadas PASO.

Assista ao vídeo | Qual o futuro da coalizão governista argentina para a eleição de 2023?

Em clima de campanha, o governador de Buenos Aires Axel Kicillof aproveitou o evento para falar das obras da sua gestão e do orçamento que o governo antecessor o deixou. "A província de Buenos Aires perdeu 7% na participação orçamentária nos últimos anos", disse.

"Podemos viver de outra maneira, podemos viver melhor através do que é público [...] Dinheiro não faltou, faltou interesse. Faltou a ideia de que educação é um direito" e celebrou o feito de haver construído o dobro de escolas que sua antecessora, a macrista María Eugenia Vidal.

A imprensa local argentina também esperava que o evento servisse para orientar parte da militância peronista, mais próxima à vice-presidenta, sobre as eleições de 2023. 

Cristina aproveitou para lançar sua proposta de lema de campanha da coligação para o próximo ano. "Argentina e democracia sem máfias", afirmando que o país é vítima de uma "máfia judicial" que não respeita o projeto peronista, vitorioso nas urnas em 2019.

Segundo o prefeito de Avellaneda, Jorge Ferraresi, CFK teria pedido à Frente de Todos que se fortaleça no aspecto político para os debates internos dos próximos meses. "Se Cristina tem que ser candidata, terá que ser, porque o importante é que em 2023 a Frente de Todos continue sendo governo", defendeu Ferraresi a meios locais

Coparticipação

Outro assunto polêmico da política nacional argentina são os repasses do governo federal aos estados. 

A Corte Suprema de Justiça determinou que o governo nacional deve repassar 2,95% dos fundos orçamentários ao governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires na quarta-feira (21). O valor deveria incidir sobre os impostos recolhidos pelo Governo Federal que possuem participação das províncias.

O presidente Alberto Fernández contestou a decisão, afirmando que o repasse financeiro à capital é desproporcional com relação às demais províncias do país. Na última quinta-feira, Fernández publicou um comunicado conjunto com outros 14 governadores peronistas afirmando que a sentença era "político, contrário às províncias e impossível de ser cumprido".

Apesar do documento, na última segunda (26), o presidente voltou atrás e disse que pagaria o repasse financeiro a Buenos Aires em títulos de dívida do Estado.

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Já nesta terça-feira, Alberto Fernández enviou um novo documento à Corte Suprema pedindo a revogação do veredito e a suspensão dos três juízes envolvidos na decisão. Em documento, assinado pelo mandatário e pelo secretário do Tesouro Carlos Zanini, o Executivo afirma que o Judiciário teria excedido suas funções. 

"A sentença afeta os interesses gerais da nação, privando o Estado Nacional de recursos necessários para poder manter políticas essenciais que corrijam as desigualdades estruturais que existem entre as províncias argentinas", declaram no documento

A capital é governada por Horario Rodríguez Larreta, da coligação Juntos pela Mudança, do ex-presidente Mauricio Macri. Larreta, Macri e a ex-ministra de segurança Patrícia Bulrrich são os possíveis presidenciáveis da coligação opositora em 2023.

No ato desta terça-feira, Axel Kicillof também criticou a desigualdade na distribuição dos recursos federais, acusando a Justiça de tentar favorecer a direita macrista. "Aportamos 40% e recebemos 20% do governo federal", acusou o governador. "Há um problema grave na distribuição de recursos", disse.

Kicillof reitera a tese da vice-presidenta de que o poder judiciário age de maneira arbitrária para favorecer elites políticas vinculadas ao macrismo. "O que não ganharam nas urnas, querem aprovar através do partido judicial", criticou. 

A vice-presidenta ainda denunciou que a Corte desconsiderou a lei orçamentária aprovada pelo Legislativo, que respaldava a distribuição de impostos participativos proposto pelo atual governo.

"Acreditem que esse partido judicial está afetando a vida de todos os argentinos e argentinas. É um Estado paralelo que está definindo a vida de todos", acusou Cristina. 

"Vão dar ao chefe do governo de Buenos Aires o aumento necessário para sua campanha. O que [a Corte Suprema] propõe aumentar no repasse a Buenos Aires representa seis anos o orçamento anual do município de Avellaneda", criticou. 

Edição: Thalita Pires