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Um olhar retrospectivo sobre três anos de luta anti-covid-19 da China

Quase três anos depois, no próximo dia 8 de janeiro de 2023, a China abrirá oficialmente suas fronteiras

Brasil de Fato | Xangai (CHI) |
Funcionários e voluntários em um complexo para realização de testes de covid-19 no distrito de Jing'an, em Xangai - 6 de abril de 2022 - HECTOR RETAMAL / AFP

Publicado originalmente em MRonline

Cheguei em Xangai 36 horas depois de sair de São Paulo, uma quase deportação na África do Sul, e um vôo de conexão cancelado. Era 21 de março de 2020. Nos dias seguintes, a China implementou sua quarentena centralizada obrigatória para todos os viajantes internacionais. Exatamente uma semana depois, em 28 de março, a China iniciou sua proibição de viagens para evitar a propagação de um vírus ainda pouco conhecido chamado covid-19, que estava chegando a todos os cantos do mundo.

Quase três anos depois, no próximo dia 8 de janeiro de 2023, a China abrirá oficialmente suas fronteiras, removerá a quarentena obrigatória e os testes de ácido nucléico para pessoas que entram no país, e rebaixará a administração da covid-19 da Classe A para a Classe B. Não é o fim de uma era; pelo contrário, é a continuação de um processo rigoroso de enfrentamento de uma pandemia histórica e global, em que a ciência e as pessoas foram colocadas em seu centro. Tem sido uma experiência incrível ver como o governo e o povo chinês enfrentaram esta pandemia, enquanto o mundo sofreu 6,68 milhões de mortes registradas, com mais de 650 milhões de pessoas infectadas. O impacto deste vírus entrará para os livros de história, os efeitos duradouros serão estudados nos próximos anos, e a luta ainda não terminou.

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A grande mídia ocidental, entretanto, se apressa em criticar a China a cada passo do caminho, desde a "draconiana" estratégia de Covid Zero até as medidas "distópicas" para garantir a realização de forma segura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, e agora até o "pesadelo" de flexibilizar as medidas do país em relação à covid-19. Além da retórica, como tem sido a luta contra o vírus na China — caracterizada pela estratégia de Covid Zero — e por que as medidas de flexibilização estão sendo tomadas agora? É importante olhar os últimos três anos para entender como chegamos a este ponto hoje. Tendo vivido na China durante todas as idas e voltas da covid-19, eu categorizaria a estratégia dinâmica do país em quatro fases-chave.

Fase 1: Resposta de emergência (dezembro de 2019 a maio de 2020).

Duas semanas e meia após minha chegada à China, em 8 de abril, o país comemorou o fim do bloqueio histórico de 76 dias em Wuhan, onde a pandemia eclodiu pela primeira vez e tirou a vida de 4.512 chineses. Foi uma vitória emotiva e agridoce para todo o país, que mobilizou seu povo e seus recursos para combater um vírus muito mortal e nunca antes visto.

Em 26 de dezembro de 2019, a médica Zhang Jixian, diretora do Departamento de Medicina Respiratória e de Cuidados Intensivos do Hospital da Província de Hubei de Medicina Integrada Chinesa e Ocidental, viu um casal de idosos com febre alta e tosse — sintomas que caracterizam a gripe. Mas exames posteriores descartaram a influenza A e B, micoplasma, clamídia, adenovírus e SARS. Ela e sua equipe determinaram então rapidamente que havia um novo vírus em jogo. Três dias depois, as autoridades da província foram alertadas, depois o Centro Chinês de Controle de Doenças (CDC) e, em 31 de dezembro, a OMS foi informada. No Ano Novo, as autoridades do CDC ligaram para o médico Robert Redfield, chefe do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, que estava de férias, para informá-lo sobre a gravidade de suas descobertas.

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Em 3 de janeiro, foi finalizado o sequenciamento genético do vírus, que foi então compartilhado com o mundo uma semana depois. Neste momento, havia muitas incógnitas: o que era o vírus, como ele era transmitido e como poderia ser detido. Não havia vacinas e o país, e o mundo, estavam despreparados. No dia 23 de janeiro começou um estrito fechamento da cidade de 11 milhões de pessoas, e 41.000 trabalhadores médicos foram enviados de todo o país para Wuhan. Salvar vidas e estudar este novo vírus foram as principais prioridades nesta fase.


Trabalhadores da saúde registram pessoas para serem vacinadas contra a covid-19 no Museu do Planejamento Urbano de Chaoyang, em Pequim, em 15 de Janeiro de 2021 / Noel Celis / AFP

Fase 2: Controle e eliminação (junho de 2020 a julho de 2021)

Após a covid-19 ter sido contida com sucesso em Wuhan, e durante o restante de 2020 e 2021, a China implementou uma estratégia chamada Covid Zero, caracterizada por extensas medidas para rastrear, testar, isolar e tratar as pessoas infectadas. O continente chinês registrou cinco mortes neste período desde o surto de Wuhan, e conteve com sucesso 11 surtos da variante Delta, que é mais transmissível e causa infecções mais graves. Enquanto isso, o registro global de mortes tinha atingido mais de 5,4 milhões de pessoas no final de 2021, com muitos milhões a mais infectados.

Longe de "falhar" como a mídia ocidental está afirmando agora, a Covid Zero funcionou de forma extremamente eficaz. Desde que a pandemia eclodiu, a expectativa média de vida do povo chinês aumentou de 77,3 para 78,2 anos (2019-2021), ultrapassando a dos Estados Unidos pela primeira vez na história. Por sua vez, nos EUA a expectativa média de vida caiu de 78,8 para 76,4 anos durante esse mesmo período, devido em grande parte ao alto número de mortes relacionadas à covid. Isto é particularmente impressionante quando se considera que a China era o décimo primeiro país mais pobre do mundo em 1949 (medido pelo PIB per capita PPP) com uma expectativa de vida de apenas 36 contra 68 para os EUA. Isto significa que a esperança média de vida de um chinês mais do que dobrou, enquanto nos EUA, a esperança média de vida cresceu apenas oito anos em quase oito décadas.

Os EUA registraram 1,1 milhão de mortes devido à covid-19. A taxa de mortalidade acumulada nos EUA por um milhão de pessoas é atualmente 834 vezes a da China (3.339 contra 4). No caso dos EUA e da China, o indicador de "excesso de mortalidade" — a diferença entre o número de mortes observadas e as esperadas — é de pouco valor para fins de análise, pois ambos os países tiveram números relativamente baixos desses óbitos nos últimos três anos. Se a China tivesse seguido o caminho imprudente dos EUA, a China teria sofrido 4,8 milhões de mortes. Mesmo um cálculo rápido revela que a estratégia da China realmente salvou milhões de vidas.


A China realizou testagens massivas como parte da política "covid zero" / STR / AFP

Enquanto continha o vírus, a China também estava estudando intensamente o vírus e desenvolvendo respostas, inaugurando sua primeira vacina, a Sinopharm, em dezembro de 2020, que foi posteriormente aprovada pela OMS para uso emergencial em 7 de maio de 2021. Em outubro daquele ano, de acordo com um estudo da revista científica Nature, as vacinas chinesas representavam quase metade das 7,3 bilhões de doses entregues em todo o mundo. Desde então, a China aprovou oito vacinas, com outras 35 em testes clínicos, doou 328 milhões de doses, prometeu mais de US$100 milhões ao programa global de distribuição de vacinas Covax para os países do Sul Global, e propôs que as vacinas se tornassem um bem público global.

Fase 3: Adaptação e preparação (agosto 2021 - outubro 2022)

Em agosto de 2021, em resposta à propagação da variante altamente transmissível do Delta, a China adotou uma nova estratégia chamada "Covid Zero Dinâmica". Ela foi projetada para equilibrar as necessidades sanitárias, econômicas e sociais e para minimizar o impacto pandêmico na economia, na sociedade, na produção e na vida cotidiana das pessoas.

Não há uma medida única para um país de 1,4 bilhão de pessoas. Durante esta terceira fase, guiado pela ciência, o país experimentou com suas práticas de prevenção e implementação. Os testes em massa foram desenvolvidos para altos níveis de eficiência. O sistema permitiu, por exemplo, que os 18 milhões de habitantes da cidade de Cantão pudessem ser testados em apenas três dias. O agrupamento de testes PCR (colocando dez amostras por tubo de ensaio e aproveitando as baixas taxas de infecção) permitiu reduzir o custo para apenas 3,5 yuan (US$0,50) por pessoa. O país desenvolveu um código nacional de viagem digital e aplicativos de celular de "código verde" em níveis municipais para rastrear casos de covid e aqueles que visitaram áreas de alto risco. Durante todo o tempo, o governo avançou para medidas mais direcionadas para limitar o uso de bloqueios em larga escala. Durante o surto de Xangai, por exemplo, as comunidades foram classificadas em zonas de "lockdown", "controladas" ou "de precaução" com base em seu nível de risco para tentar minimizar a interrupção da vida diária e econômica.

Entre janeiro de 2020 e meados de abril de 2022, a China havia gasto cerca de US$ 45,1 bilhões para fornecer 11,5 bilhões de testes PCR gratuitos para seus residentes. Os custos desta estratégia de testes em massa, no entanto, também estavam aumentando, com estimativas alcançando 1,8% do PIB do país e pressionando especialmente os orçamentos dos governos locais. Apesar das pressões econômicas, em vez de "paralisar" a economia da China, o PIB do país cresceu quase quatro vezes mais rápido do que os EUA e cinco vezes em comparação com a UE, desde o início da pandemia até o terceiro trimestre de 2022.

Apesar de ser a segunda maior economia, a China ainda é um país em desenvolvimento. A pandemia pressionou o sistema médico do país, que tinha lacunas em várias áreas-chave. Assim, a China usou os últimos três anos para começar a resolver essas carências, principalmente através do aumento da capacidade de sua unidade de terapia intensiva (UTI). Em 2019, a China tinha apenas 3,6 UTI por 100.000 residentes, o que era nove vezes menor do que os EUA com 34,7 unidades. Desde 2019, a China aumentou seu fornecimento de leitos de UTIs 2,4 vezes (passando de 57.160 em dezembro de 2019 para 138.800 em dezembro de 2022). No mesmo período, os médicos e enfermeiros de UTI aumentaram em um terço e dobraram, respectivamente.

Em 15 de janeiro de 2022, a China teve seu primeiro caso de infecção por Omicron transmitida localmente. Em 18 de abril de 2022, Xangai anunciou suas três primeiras mortes relacionadas à covid, todos idosos não vacinados com mais de 89 anos de idade. Na época do surto de Xangai, 87% do país já estava totalmente vacinado, mas para os 3,6 milhões de idosos com mais de 60 anos da cidade esse número caia para apenas 62%, com só 38% tendo recebido doses de reforço. O país sabia que este setor vulnerável da população tinha que ser protegido.

Desde então, esforços significativos têm sido feitos para aumentar a vacinação dos idosos. A Comissão Nacional de Saúde oficial informou que, em 30 de novembro de 2022, a distribuição das taxas de vacinação para pessoas com mais de 80 anos de idade é a seguinte: 76,6% pelo menos uma dose, 65,8% duas doses ou mais, e 40% três ou mais doses. Apesar das menores taxas de mortalidade da variante Omicron, sua natureza altamente contagiosa colocou sérios desafios às medidas de prevenção e controle existentes no país, ao mesmo tempo em que colocou grandes pressões sobre a economia. Mesmo duas doses das chamadas vacinas ocidentais avançadas de mRNA como a vacina Pfizer/BioNTech ou a Moderna fornecem apenas cerca de 30% de proteção contra a infecção da Omicron por cerca de quatro meses.

Fase 4: Diminuindo a severidade e facilitando os controles.

Quando a Omicron começou a se espalhar, as comparações mostraram que o risco de morte com infecção de Omicron BA.2 era menos da metade do que o da Delta. Um estudo científico chinês com ratos mostrou que as novas cepas covid-19 tinham uma carga de vírus 100 vezes menor do que a original, mas era altamente transmissível. A China sabia que precisava ajustar suas políticas por causa da natureza mutável do vírus, mas levando em conta algumas considerações importantes.

Em 11 de novembro, o governo central divulgou suas "20 medidas" para começar a flexibilizar suas políticas de Covid Zero. Isto incluiu a redução do tempo de quarentena obrigatória para vôos de chegada, a diminuição dos tempos de isolamento, a promoção da vacinação de idosos e a eliminação do uso de testes em massa. Para um país de seu tamanho, qualquer política do governo central leva tempo e enorme capacidade organizacional para ser implementada em escala local.

A flexibilização criou uma confusão inicial, e algumas pessoas ficaram chateadas com os funcionários da comunidade local por não apoiarem as medidas de flexibilização do governo central, freqüentemente veiculadas nas redes sociais chinesas. Embora houvesse frustração e exaustão, seria um erro acreditar que a fase de flexibilização foi uma resposta à série de pequenos e coordenados "protestos com papéis brancos" que ocorreram após um incêndio no apartamento Urumqi que tirou dez vidas em 24 de novembro. Os protestos não só ocorreram duas semanas depois que o governo começou a relaxar suas medidas contra a covid, mas também não eram representativos da opinião pública chinesa em geral. A flexibilização do governo também despertou outra preocupação, com muitas pessoas preocupadas em se contagiar. Vários usuários da rede social Weibo expressaram raiva e críticas aos manifestantes, vendo-os como jovens irresponsáveis da classe média, que queriam suas liberdades pessoais a um custo coletivo. Ao contrário dos retratos da mídia ocidental, o povo chinês não tem uma única voz.


Manifestação em Shangai, na China, em 27 de novembro / Hector Retamal / AFP

Na segunda-feira, 26 de dezembro, a China anunciou que rebaixará a gestão a covid-19 da Classe A para a Classe B de doenças infecciosas em 8 de janeiro de 2023. As três principais razões para esta mudança incluem o fato de que a Omicron não é tão virulenta quanto a Delta, que uma grande porcentagem da população está vacinada e de que o sistema de saúde do país está melhor preparado. A China utiliza um sistema de três níveis para a classificação das doenças infecciosas, cada um delimitando medidas de resposta específicas. A classe A, a mais perigosa, inclui apenas a cólera e a peste. A classe B inclui SARS, AIDS e tuberculose. A classe C inclui a gripe e a papeira. Em função desta mudança, as medidas da covid-19 serão ainda mais flexibilizadas.

Doze medidas principais foram identificadas para a nova política contra a covid-19 correspondente ao controle de Classe B: 1) aumentar as taxas de vacinação; 2) preparar medicamentos e reagentes de teste para os pacientes; 3) aumentar o investimento na construção de recursos médicos, incluindo leitos de UTI; 4) deixar de realizar testes de PCR em massa; 5) tratar os pacientes de acordo com a gravidade; 6) melhorar a pesquisa e os dados de saúde, incluindo o status de vacinação das pessoas com mais de 65 anos; 7) controlar instituições da população vulnerável, incluindo assistência a idosos, hospitais e escolas; 8) reforçar a prevenção e controle para áreas rurais e para pacientes de alto risco; 9) aumentar o monitoramento, resposta e controle de epidemias; 10) promover a proteção pessoal e o princípio da responsabilidade pela qual todos são responsáveis por cuidar da própria saúde; 11) possibilitar o acesso à informação e educação; e 12) otimizar o intercâmbio internacional de pessoas.

Em uma coletiva de imprensa do Mecanismo Conjunto de Prevenção e Controle do Conselho de Estado, a doutora Yin Wenwu, médica-chefe da Divisão de Prevenção de Infecções do CDC, abordou as consequências de classificar a covid-19 como Classe B, o que reduziria a frequência da publicação de dados. Os novos dados, que serão divulgados mensalmente, incluirão o número de casos hospitalizados existentes e doenças graves, incluindo doenças críticas, e o número cumulativo de mortes.

Como era de se esperar, a diminuição da gravidade do manejo do vírus também significaria aumentar o número de infecções e mortes relacionadas. Entretanto, nenhum modelo de previsão pode ser facilmente aplicado à China. Os modelos existentes de previsão de infecção e mortalidade por covid-19 têm uma ampla gama de resultados. A precisão das previsões tende a diminuir à medida que os tempos de previsão aumentam, com modelos que mostram até cinco vezes mais erros na comparação de horizontes de uma semana a 20 semanas. Mesmo a mesma variante do Omicron resultou em taxas de mortalidade variadas em diferentes países. A partir de 21 de dezembro, a taxa de mortalidade móvel de sete dias nos EUA chegava a 437 pessoas, ou seja, uma taxa de 1,29 por milhão. Enquanto isso, o Japão tinha uma taxa de 2,0 por milhão e a Nova Zelândia de 0,85 por milhão.

Embora a China tenha agora superado a expectativa de vida dos EUA, tem relativamente menos pessoas de 75 anos e mais velhas, do que os EUA (46% menos como porcentagem da população total de cada país). A Omicron teve o impacto de que 69% de todas as mortes por covid-19 nos EUA em setembro de 2022 eram dessa faixa etária. A diferença demográfica nesta faixa etária, tomada como um fator isolado, implicaria uma redução de mais de 30% nas taxas prováveis de morte para a China.

A mídia ocidental tem sido rápida em usar casos e fotografias específicas para criar uma imagem de uma situação "caótica" na China, incluindo a alegação de taxas de mortalidade muito altas. A China, com uma população de mais de 1,4 bilhão de pessoas, teve mais de 27.000 mortes por dia antes da pandemia. Usando as taxas de morte pela Omicron de outros países, poderia se inferir um possível aumento de 6% nas taxas de morte. Estas seriam mortes significativas, em muitas dezenas de milhares, mas ainda não há evidências que sustentem as milhões de mortes sobre as quais o Ocidente está especulando.

Esta fase de flexibilização é de fato complexa e desafiadora, já que os médicos estão trabalhando horas extras com aumento de casos, alguns hospitais estão em plena capacidade, tem havido escassez de medicamentos para febre e as doenças relacionadas ao inverno estão somando complicações. Entretanto, medidas de flexibilização agora significam que a China tem usado os últimos três anos para tentar se preparar o melhor que pode, vacinando as pessoas, estudando o vírus, construindo infra-estrutura médica, treinando trabalhadores e esperando até que o problema se tornasse muito menos letal. Ela também ganhou uma experiência, duramente conquistada, que é essencial para gerenciar qualquer pandemia futura.

Passos que estão sendo dados agora

Há várias razões para as taxas de vacinação serem relativamente baixas para os mais velhos na China, mas a falta de vacinas não é uma delas. Muitos dos idosos tinham noções pré-concebidas sobre vacinas ou estavam preocupados com complicações relacionadas às condições de saúde subjacentes, enquanto o controle bem sucedido do vírus desincentivou os mais velhos a se vacinarem. Comparativamente, nos Estados Unidos, apenas 36% das pessoas com 65 anos ou mais receberam a vacina conhecida como booster bivalente, de acordo com dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. A China, por outro lado, tem feito esforços consistentes para convencer, e não coagir, este grupo vulnerável a ser vacinado.

Em 29 de novembro, o Mecanismo Conjunto de Prevenção e Controle do Conselho de Estado, ajustou o protocolo de vacinação de reforço e exigiu que as localidades fizessem um amplo levantamento das populações idosas e intensificassem os serviços e campanhas de conscientização. Entre 1 e 13 de dezembro, 823.000 das pessoas com mais de 80 anos de idade receberam uma terceira vacina. A China criou a primeira vacina inalável comercialmente lançada no mundo contra a covid-19: CanSinoBIO's Convidecia Air, uma vacina baseada em vetores virais não replicantes. Esta opção já está ganhando popularidade junto aos idosos.

Com relação ao fornecimento de medicamentos, algumas cidades tiveram escassez de medicamentos para a febre nas primeiras semanas de dezembro, à medida que os casos aumentaram. O acaparamento, o aumento dos preços e o aumento da demanda estiveram entre os fatores que contribuíram para a escassez da oferta. Em resposta, os governos locais começaram a distribuir gratuitamente Ibuprofeno, e os residentes de Pequim, por exemplo, agora podem obter Ibuprofeno e Paracetamol em até uma hora. A China também aprovou um regulamento sobre fornecedores farmacêuticos online, que incluía penalidades de até cinco milhões de RMB (US$720.000) para farmácias que aumentassem os preços de forma especulativa. A China também disponibilizou o tratamento antiviral oral Paxlovid da Pfizer.

Devido aos testes em massa durante a fase três da luta anti-pandêmica, o governo conseguiu obter dados precisos sobre o vírus para melhorar suas respostas. Uma vez que os testes em massa foram eliminados nesta fase atual, alguma precisão dos dados inevitavelmente deve-se perder. Entretanto, a resiliência da China fica demonstrada em sua capacidade de responder a novas situações, aplicando tecnologias e ciência para fazer evoluir seu sistema de saúde pública. Por exemplo, nas últimas duas semanas, mais de dez CDC's provinciais, incluindo Sichuan, Jiangsu, Zhejiang, lançaram pesquisas com centenas de milhares de cidadãos participantes. Estes dados da pesquisa, embora limitados pela amostragem, fornecem uma referência importante para que as autoridades locais e centrais possam monitorar o caminho da doença e coletar informações, inclusive sobre hospitais importantes, disponibilidade de medicamentos para febre e capacidade de resposta dos governos locais.

Em 31 de dezembro, Hainan divulgou os resultados de sua segunda pesquisa on-line (realizada de 19 a 25 de dezembro) preenchidos por cerca de 3,4% da população da província. Aqui está um dos gráficos divulgados:


Proporção de comportamento de procura de cuidados de saúde de pessoas infectadas em duas rodadas de pesquisa / MR

Proporção de pessoas infectadas em busca de comportamento nos dois turnos da população pesquisada (%)
 

O CDC da China continua conduzindo ativamente o monitoramento dinâmico em tempo real da covid-19. De 1° a 29 de dezembro, completou toda a sequência genética de 1.142 casos através de pesquisa por amostragem. Há sete subvariantes Omicron em circulação, duas das quais, BA.5.2 e BF.7, respondem por mais de 80% de todos os casos. A BF.7 tem uma maior capacidade de fuga imunitária, um período de incubação mais curto, e transmissão mais rápida. Cantão relatou que 96% das pessoas infectadas e testadas tinham a variante BA5.2, cujos sintomas são geralmente considerados mais leves. Não houve reemergência da variante Delta ou de outras linhagens anteriores. No entanto, os EUA usaram convenientemente este momento para discriminar visitantes da China, exigindo que apresentem testes de covid-19 negativos para entrar no país. Ironicamente, foram os EUA que não conseguiram dar prioridade ao controle da variante covid-19 em 2020.

Diversos modelos de projeção foram publicados na última semana, incluindo um do ex-cientista chefe de epidemiologia do CDC, Zeng Guang, que afirma que a taxa de infecção em Pequim pode ter ultrapassado 80%. Estes modelos também prevêem que a segunda onda será provavelmente muito mais branda e apontam para três fatores por trás das hospitalizações mais elevadas na cidade: O inverno de Pequim exacerba os sintomas respiratórios entre os idosos, Pequim está agora listada como uma sociedade moderadamente envelhecida (com 20% dos residentes com mais de 60 anos de idade), e a dominante BF.7 subvariante parece ser mais virulenta.

O governo está prestando muita atenção à disponibilidade de recursos médicos, especialmente nas áreas rurais, antecipand-se ao feriado do festival de primavera, que dura uma semana e começa em 21 de janeiro. A China aumentou a produção diária de testes de antígenos para 110 milhões de unidades, juntamente com a produção de 250 mil oxímetros por dia, e está priorizando o fornecimento para as áreas rurais. Os testes rápidos de antígenos custam até US$ 0,51 cada na plataforma de comércio eletrônico, Pinduoduo. Nas áreas rurais onde a infraestrutura médica é menos desenvolvida, a gravidade do vírus não é tão ruim quanto se temia originalmente. Os "médicos descalços", um legado da era Mao (que às vezes, são "sequestrados" por aqueles que procuram privatizar a saúde rural), têm sido essenciais na prestação de cuidados em áreas rurais, apesar de terem menos recursos do que os grandes hospitais das cidades.

Um olhar retrospectivo sobre os últimos três anos mostra como a pandemia tem sido difícil para a China e para o mundo, testando a capacidade do governo chinês de enfrentar uma crise de saúde pública tão imprevista, assim como a paciência do povo. Em Pequim, onde vivo, no entanto, as pessoas estão de volta e aglomeradas nas ruas, no trabalho e no metrô, com o trânsito e as viagens voltando aos poucos também. As pessoas esperam ansiosamente o festival da primavera, o feriado mais importante do ano. Ao entrarmos em um novo ano e uma nova era de luta contra a covid-19 — enquanto prevemos a chegada de novos vírus que inevitavelmente surgirão — a esperança é de que o mundo possa aprender com estas difíceis lições, agir e cooperar usando a ciência, e não rumores, e encarnar um espírito de solidariedade internacional, e não o do estigma.

*Tings Chak é pesquisadora e diretora de arte da Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social e membro co-fundadora do coletivo Dongsheng. Atualmente, ela está fazendo doutorado na Universidade Tsinghua e vive em Pequim.

*As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo