análise

Tudo começou em 2016 com o golpe contra Dilma Rousseff

"O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática", disse Dilma em 2016

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Apoiadores de Jair Bolsonaro promovem ato de vandalismo nas sedes dos Três Poderes - TON MOLINA / AFP

Quando o Di Cavalcanti tomou sete facadas, o crime se consumou ali com a ajuda daqueles braços, mas aquela faca vinha sendo afiada de muito tempo passado.

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Quando o relógio de pêndulo do século 17, um dos dois existentes no mundo e de valor incalculável, foi destruído, houve outra destruição, mais grave e brutal, que o antecedeu.

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Quando a mesa de trabalho de Juscelino Kubitschek foi emborcada pela onda de devastação, outra mesa havia sido virada antes.

Quando a primeira janela se estilhaçou a golpes de ferros e porretes deu-se no impacto do último impulso porque o primeiro fora dado havia muito. 

Quando defecaram sobre os móveis do palácio, enquanto jatos de mijo varriam o piso, as fezes e a urina eram resquícios de outras secreções mais antigas e discretas porém também imundas.

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Quando os três palácios foram violentados, a violência já havia sido semeada em dois deles havia coisa de seis anos, quase sete.

Quando a população de democratas cresce subitamente após os acontecimentos trágicos do domingo, podemos perguntar onde se ocultavam então tantas vocações democráticas.

Quando um policial foi arrancado do seu cavalo por mãos brutas e espancado, outro espancamento, o da lei, já ocorrera no ano de 2016.

Quando nos preparamos para lembrar sempre – e assim o faremos – o dia 8 de janeiro de 2023, seria bom para nossa memória cansada lembrar também das datas de 17 de abril e 31 de agosto, ambas de 2016.

Quando nos horrorizamos com a podridão da chusma transportada e remunerada deste janeiro brasiliense, poderíamos gastar um tanto do nosso horror para recordar como tudo isso começou.

Quando a lembrança capengueia, podemos reativá-la com a voz firme e forte de quem sofreu primeiro as consequências disso que o Brasil sofre agora.

Com a palavra, Dilma Rousseff:

“O golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática.”

E mais:

“O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência.”

No Senado, no 31 de agosto, frente a frente com seus algozes (61 deles), ela continuou:

“Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma presidenta que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar.”

Como “um alento”, Dilma citou versos do poeta russo Vladimir Maiakovski:

“Não estamos alegres, é certo,
Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado
As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,
Rompê-las ao meio,
Cortando-as como uma quilha corta.”

E, profeticamente, avisou:

“Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.”

Cabe a nós, com coragem, mas sem ilusões, aprender com Dilma e Maiakovski, e atravessar as ameaças e as guerras, cortando-as como uma quilha corta o mar.

* Jornalista, editor do Brasil de Fato RS, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017).

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko