NOVA ORDEM MUNDIAL?

Brasil pode liderar grupo de países do Sul global que promovam reforma da ONU, diz pesquisadora

Para Tatiana Berringer, proposta de Lula de reforma das Nações Unidas pode ser respaldada por outros países

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Presidente Lula da Silva defendeu a reforma das Nações Unidas em defesa da paz e do multilateralismo, após reunião com chanceler alemão - Sergio Lima / AFP

Uma reforma da Organização das Nações Unidas (ONU) voltou a ser um tema de debate diante de recentes declarações do presidente Lula da Silva. Após reunião com o chanceler alemão, Olaf Scholz, na última terça-feira (31), o presidente brasileiro declarou que a guerra entre Rússia e Ucrânia poderia ter sido evitada se a ONU tivesse atuado.

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"Quando a ONU estiver forte, a gente vai evitar guerras. Hoje há guerras que acontecem por falta de um conjunto de países que interfiram nisso" , disse Lula criticando o conflito entre Rússia e Ucrânia.

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O presidente brasileiro disse que está disposto a promover a criação de uma comissão de países que negociem a paz. 

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Para a professora de Relações Internacionais da UFABC, Tatiana Berringer, o histórico dos dois primeiros mandatos de Lula, com Celso Amorim como chanceler, dão um respaldo importante para posicionar o Brasil como um ator que proponha o grupo de negociação de paz, "mas isso não quer dizer que os resultados são garantidos".

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A pesquisadora avalia que "o desenrolar tanto na guerra na Ucrânia como do conflito entre EUA e China podem sim levar a uma mudança mais radical na própria estrutura de poder, mas isso é algo de médio prazo". 

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Nos dois primeiros mandatos de Lula, o Brasil chefiou a FAO, mediou um acordo nuclear entre Irã e EUA, e liderou uma missão de paz da ONU / Patrick Kovarik / AFP

Após reunião com Scholz, o presidente ainda voltou a demandar uma reforma do Conselho de Segurança da ONU com a inclusão do Brasil - outra demanda antiga do Palácio do Itamaraty. Nos próximos dias, Lula se reunirá com outros representantes de Estados permanentes no Conselho da ONU, entre eles a chanceler da França, Catherine Colonna, dia 8 de fevereiro; o presidente dos EUA, Joe Biden, dia 10; e ainda possui uma viagem agendada para Pequim, em março.

"O Conselho de Segurança tem a força, agora precisa ter maior representatividade e falar a linguagem que o mundo está falando. [...] Espero que ao terminar meu mandato, espero que o chanceler Olaf Scholz possa gozar do privilégio de estar no Conselho de Segurança da ONU junto com o Brasil tomando atitudes mais acertadas do que as que estão sendo tomadas hoje", disse o chefe de Estado.

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Berringer explica que a reforma do Conselho de Segurança não seria meramente para aumentar o tamanho do organismo, mas aumentar a presença dos países periféricos nos espaços de decisão da ONU. 

"A entrada do Brasil seria para representar Estados dependentes e o chamado terceiro mundo, na sua luta por justiça e maior igualdade", argumenta.

A proposta de reforma das Nações Unidas ecoa em outros países-membros que também afirmam que o organismo é hegemonizado por países do Norte Global e não fortalece o multilateralismo. 

Em reunião com o presidente da Assembleia Geral da ONU, nesta quinta-feira (2), o diretor de Relações Exteriores do PCCh e ex-chanceler, Wang Yi, disse que é preciso "defender" o sistema de Nações Unidas. "Observando que o mundo está enfrentando unilateralismo, protecionismo e hegemonismo", Wang Yi disse que Pequim está pronto para trabalhar com outros países para defender o sistema internacional centrado na ONU. 

Em 2021, a China já criou um "grupo de amigos" contra o "unilateralismo" e pela defesa da Carta da ONU. A proposta, apoiada por 17 países, vem sendo debatida desde 2019.

"Há esse movimento para que os países tenham o peso na política internacional que eles de fato possuem no mundo, pelo seu tamanho, pela expectativa de crescimento", diz Berringer.

Para a pesquisadora do Observatório de Política Externa Brasileira (OPEB), as resoluções da guerra entre Rússia e Ucrânia e do conflito entre China e Estados Unidos poderiam ser primeiros passos para levar adiante uma reforma mais profunda na diplomacia global. 

"Um grupo como esse pode consagrar um processo de maior participação do Sul Global no sentido da construção de uma outra ordem, de uma mudança na correlação de forças, dado o período de desgaste dos EUA, da crise na União Europeia", disse. 

E ainda completou, "acho que há um quadro para que estes países do Sul Global tenham um papel mais ativo e o Brasil lidere esse processo".

Edição: Arturo Hartmann