Apesar de as votações na abertura do Congresso Nacional terem sido favoráveis ao governo Lula, com a confirmação das presidências de Arthur Lira (PP- AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (PSD - MG) no Senado, os brasileiros elegeram deputados federais e senadores expressivamente conservadores sobre assuntos como direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher, concepção de família, posicionamento sobre responsabilidades domésticas, religião e posições antigênero.
A constatação é de um estudo encomendado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), divulgado em janeiro deste ano, que analisou individualmente o posicionamento de deputados federais e senadores eleitos em 2022, nas redes sociais em relação aos assuntos da agenda feminista.
Foram analisados os perfis no Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e site oficial no período oficial de campanha eleitoral no 1º e 2 turnos de 2022, entre 16 de agosto a 30 de outubro.
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Jolúzia Batista, integrante do Cfemea e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), afirma que “os dados da pesquisa revelam que existe um aprofundamento do conservadorismo, principalmente se for analisada a ascensão do PL. No Senado, no geral, são 20 senadores que chegam eleitos por força do bolsonarismo”.
Na Câmara, o Partido Liberal, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro forma a maior bancada, com 99 deputados eleitos. No Senado, também o PL é o maior partido com 14 senadores, seguido pelo PSD, com 11; MDB e União Brasil, com 10 cada um; e pelo PT, com 9.
“Houve um aprofundamento a partir do aumento dos deputados e senadores eleitos ligados à agenda conservadora no geral. A gente vê essa tomada de assalto que está prevista no Senado, que era um lugar em que a gente até apostava em estratégias regimentais diante de algumas de alguns ataques sem solução na Câmara. Mas o Senado agora virou uma arena”, afirma Batista.
Nesse sentido, “o estudo vem confirmar uma tendência que a gente tem observado nas duas ou três últimas legislaturas, que é a organização de um ataque mais forte, mais sistemático e também de um melhor desempenho de alguns parlamentares identificados com essa agenda”.
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A pesquisadora também afirma que os dados mostram que há pouca compreensão dos parlamentares sobre o machismo como parte estruturante da violência contra as mulheres.
Nas publicações em suas redes sociais, os deputados pouco citaram o machismo como problema estrutural da violência de gênero. Apenas 59 deputados fizeram menções ao machismo como aspecto estrutural e relacionado à violência doméstica.
No Senado, apenas 6 senadores (7,41%) reconhecem essa relação. Na mesma linha, 12 senadores (14,81%) potencialmente também associam o machismo à violência de gênero, a partir dessa perspectiva.
“Existe pouca compreensão no parlamento brasileiro das origens da violência de gênero ou de como se deve enfrentá-la. Por não ter uma elaboração um pouco mais profunda sobre esses assuntos é que aposta na perspectiva da formulação de projetos de punitivistas”, como a liberação de armas para a proteção das mulheres. “É uma leitura muito rasa, sem conteúdo.”
No geral, o estudo mostra um “retrato do Congresso” que “nos impõe grandes desafios para estes quatro anos”, informa um trecho do relatório produzido sob a coordenação de Denise Mantovani, doutora em Ciência Política com pós-doutorado em estudos feministas interseccionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora em gênero, mídia e política.
Câmara dos Deputados
Na Câmara dos Deputados, 323 parlamentares atrelaram elementos religiosos à campanha eleitoral, um total de 63% das 513 cadeiras. Somente 37% dos deputados não situaram a candidatura no contexto religioso.
Dos 323 deputados que expressaram posicionamentos religiosos, 46% são católicos e 24,6% se declararam evangélicos, sendo a maioria vinculada a denominações pentecostais ou neopentecostais. Entre os católicos, há um grupo com posições extremistas e contra a igualdade de gênero.
Quando o assunto é Estado laico, 17,35% dos deputados eleitos são contra a ideia de que religião e política não podem se misturar. O estudo entendeu, nesse sentido, que 89 deputados podem levar em consideração questões religiosas na hora de votar leis. Somente 7% dos deputados concordam com a separação entre religião e política.
Já quando o assunto é família, apenas 9,36% são favoráveis à noção de que família é uma unidade plural, enquanto 16% fizeram publicações associadas à noção conservadora. “A posição contrária à família como uma unidade plural articula os parlamentares extremistas de direita e neoconservadores, onde a “família tradicional” é a expressão mais utilizada para apresentarem suas candidaturas”, informa o estudo.
Cerca de 15% dos deputados são ou podem ser potencialmente favoráveis à ideia de que a mulher deve ser responsável pelos cuidados da casa, sem divisão de tarefas, de acordo com as publicações feitas em redes sociais.
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Um aspecto que aproxima deputados de posicionamentos contrários são a Lei Maria da Penha e o enfrentamento à violência doméstica. A legislação tem o apoio de 130 deputados eleitos (25,34% dos 513) e outros 128 eleitos (25%). Isso significa que um pouco mais que a maioria pode levar esses aspectos em consideração na hora da votação de projetos de leis.
O aborto, um assunto frequentemente polêmico, foi evitado por mais da metade dos deputados: 56,73% (291 deputados) não mencionaram o assunto. Da outra metade, que citou o assunto, a maioria se posicionou contra qualquer tipo de regulamentação do aborto (125 parlamentares ou 24,37%). Outros 59 deputados não se manifestaram diretamente, mas suas publicações indicam que também são possivelmente contra, somando 184 deputados (36% dos 513 eleitos). Somente16 deputados (3,12%) se declararam favoráveis a algum tipo de regulamentação do aborto.
Senado Federal
No Senado Federal, as proporções se assemelham às constatadas na Câmara dos Deputados. Cerca de 56% dos 81 senadores (45 parlamentares) declararam vínculo com alguma religião. Destes, 16 são católicos e 11 são evangélicos. Os outros 36 senadores (44%) não abordaram aspectos religiosos em seus perfis nas redes.
Cerca de 28% dos senadores consideram errada a ideia de que religião e política não devem se misturar. Enquanto 35,8% potencialmente também consideram errônea a ideia. Os outros não fizeram qualquer tipo de declaração sobre a laicidade do Estado.
Em relação ao tema da família, aqueles que se manifestaram a favor de uma família plural são apenas 8 senadores. Outros oito parlamentares são a favor da visão conservadora, formada por um homem e uma mulher. Somando o grupo contrário aos potencialmente contrários, são 34,57% dos senadores com uma perspectiva refratária a avanços nesse campo.
Em relação à Lei Maria da Penha e ao combate à violência doméstica, 38 senadores (46,91%) posicionaram-se favoráveis e 14 senadores (17,28%) com posições potencialmente favoráveis, somando a maioria dos parlamentares: 64% dos 81 senadores.
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Quanto ao tema do aborto, a pesquisa não encontrou nenhum posicionamento favorável ao direito de interrupção da gravidez entre os senadores em suas redes. Somente quatro parlamentares potencialmente se encontram nesta posição. Dos 81 senadores, 22% (18 senadores) são explicitamente contra o aborto e 14 senadores são potencialmente contrários.
O estudo também dividiu os parlamentares em grupos de acordo com o posicionamento ideológico de cada um. No total, são cinco divisões: um grupo armamentista mais ligado à defesa da liberação de armas para a proteção das mulheres; um grupo religioso contra o aborto; um grupo com pautas mais ligadas à noção de “família tradicional”; um grupo feminista e antirracista que pauta os direitos das mulheres; e um grupo conservador, mas que apoia algumas pautas feministas, principalmente aquelas relacionadas ao combate à violência contra as mulheres.
Edição: Rodrigo Durão Coelho