CÂMERA NA ESTRADA

Rumo à Patagônia, Márcio Pimenta irá "fotografar o olhar do jovem Charles Darwin"

O fotógrafo e explorador se prepara para uma expedição à Patagônia para encontrar o legado do biólogo britânico

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
"A gente está sempre trazendo as imagens emergenciais, mas eu sinto falta da gente trazer uma reflexão sobre o que já fizemos e que lições podemos trazer para que não se repita" - Foto: Fabiana Reinholz

Ao se pensar no famoso livro de Charles Darwin, “A Origem das Espécies”, uma das primeiras imagens que vem a mente é Galápagos. Contudo, conforme destaca o fotógrafo e explorador Marcio Pimenta, a Patagônia, região no Sul da América do Sul, foi uma escola para o naturalista.

O fotógrafo paulista radicado em Porto Alegre conta que Darwin, em seus diários, traz narrativas sobre os povos e a paisagem da Patagônia. É em busca deste legado deixado pelo biólogo britânico, durante sua viagem de volta ao mundo à bordo do navio Beagle, entre 1831 e 1836, que Márcio irá atrás, a partir de 27 de fevereiro, em uma expedição para a National Geographic Society.

“Eu vou fotografar o olhar do jovem Charles Darwin, aquele que está descobrindo o mundo (...) Eu quero levar isso que me fascinou, essa história eu quero compartilhar com os leitores, para que eles também fiquem fascinados e venham a descobrir as ideias que ele deixou”, afirma Márcio em entrevista ao Brasil de Fato RS

Acompanhe abaixo a entrevista completa 

Brasil de Fato RS - Queria começar com tu nos contando sobre esse superprojeto que vai fazer na Patagônia.

Márcio Pimenta - Esse é um projeto que eu venho trabalhando há mais de dois anos. É uma pesquisa. Todos os dias surge algo novo sobre Charles Darwin, ou que é reescrito sobre ele. Se não me engano, foi no New York Times que eu vi uma reportagem sobre isso, de que a cada três dias surge um novo livro sobre Charles Darwin. Então é uma figura que as suas ideias estão extremamente presentes, irrefutáveis. 

Mas quando eu fiz a minha leitura, busquei a história dele por um novo ângulo. Esse novo ângulo foi justamente o olhar do jovem Charles Darwin. Vamos recordar que o Charles Darwin, quando deu a volta ao mundo no Beagle, ele tinha apenas 22 anos. Foi uma viagem de quase cinco anos. Ele nunca tinha saído da casa, exceto uma viagem rápida para França. O mundo era novo pra ele. Quando ele chega no Brasil e olha a Mata Atlântica, ele diz: é como dar olhos para um cego. Era um mundo de descobrimentos para ele pessoalmente. 

Eu me interessei muito mais por esse jovem Charles Darwin, que tem uma visão paisagística e antropológica incrível. Ele ficou, por exemplo, muito chocado com o racismo que existia no Brasil, isso para ele foi causa de revolta, já que a família dele, o avô, era declaradamente antirracista. Darwin traz isso da família, ser antirracistas, e ele fica chocado quando se depara com isso no Brasil. 

E aí ele segue navegando, e eu fui acompanhando seus diários de viagem. Traz relatos fantásticos sobre os gaúchos da Patagônia. Ele fica bastante impressionado com os indígenas, também um choque para ele quando encontra com os indígenas da Patagônia. Inclusive isso é um tema de bastante polêmica lá na Patagônia, porque o Darwin, voltando a lembrar que era um garoto de 22 anos, se depara com homens nus, vestidos apenas com pele de guanaco, que não falam a língua dele, e se espanta. 

Ele tem um choque muito grande, e aí ele descreve nos seus diários de uma forma que hoje seria cancelada. Mas ele, a medida que envelhece, faz uma reflexão sobre isso. Traz como a origem comum, e é o que leva a teoria dele, que somos todos irmãos, somos todos iguais, inclusive os indígenas da Patagônia. Então a tese dele, de certa forma, refuta suas próprias ideias. 

É maravilhoso ver esse crescimento. É atrás disso que eu vou, espero encontrar o legado que ele deixou na Patagônia. Existem lá pesquisadores que trabalham, se debruçam até hoje sobre os mesmos temas que o Charles Darwin. É atrás disso que eu estou saindo daqui. Recebi o apoio da National Geographic Society, eles estão financiando esse projeto, vai ser uma expedição grande, de mais de 40 dias. Eu vou sair de carro aqui de Porto Alegre e vou até Ushuaia, e no caminho eu vou fazendo esse mapeamento geográfico. 

BdFRS - Tu fala sobre essa visão do Darwin, mas temos que lembrar que isso foi em 1830, então é outra realidade. Eu fiquei me perguntando, como que vai ser seguir esses passos do Darwin, o que que hoje tem ainda que mostram esses passos dele na região? 

Márcio - Existem muitos geólogos que seguem estudando as observações que o Darwin fez na região, existem também muitos paleontólogos que seguem escavando e buscando. Recentemente, por exemplo, foi descoberto no Chile uma espécie nova de dinossauro até então desconhecida. Na Argentina descobriram o maior dinossauro das Américas, tudo isso é legado do Darwin.

E também vem a questão cultural, um tema ainda difícil que eu preciso aprofundar, mas que é superimportante, que é o conflito existente entre religião e ciência. Sendo um pouco duro, mas não temos como não dizer, Darwin de certa forma matou Deus, a teoria de Darwin refuta completamente as ideias do criacionismo. Isso é uma coisa que eu pretendo investigar durante a minha expedição. 

BdFRS - E qual vai ser o caminho percorrido? 

Márcio - Eu vou sair de Porto Alegre e sigo para Buenos Aires. Lá vou visitar alguns museus que contém peças de fósseis e entrevistar alguns especialistas que abordam essa questão antropológica do Darwin, que é algo muito pouco discutido.

Como você falou, vamos lembrar que ele estava lá em 1831, aquele era um momento histórico para Argentina, histórico e bastante significativo. A visita de Darwin coincidiu com o momento que estava acontecendo a campanha do deserto, que é um marco na história da Argentina. É uma campanha que, basicamente, apesar desse nome pomposo, era a extinção dos indígenas para ocupação das fazendas de gado dos produtores argentinos. 

Darwin se defronta, ele inclusive tem um encontro pessoal com Juan Manuel de Rosas, que foi governador argentino, que foi ditador, uma figura superpolêmica também na Argentina, e Darwin conheceu ele pessoalmente, inclusive faz elogios. Mas quando Darwin se dá conta de que é uma campanha de extermínio, ele retira sua admiração pelo general. O que Darwin viu naquele momento foi a extinção de etnias indígenas que estava acontecendo na Patagônia. Isso é uma coisa que eu vou visitar, algumas etnias, seus descendentes, e tentar discutir isso com eles também. 

Eu vou sair por Buenos Aires e começo a minha descida até Ushuaia. No caminho eu tenho Punta Alta, que é um marco para biologia, porque foi ali que Darwin encontrou os primeiros fósseis da época, que naquele momento significava, algo como 10, 15 mil anos atrás. E que aí leva ele a perceber, talvez aí tenha ocorrido a ele, a primeira ideia da evolução das espécies. 

O maior biógrafo do Charles Darwin, David Quammen, fala que se a gente for ler o livro A Origem das Espécies, aqueles que se dedicarem a ler vão perceber que Darwin só fala nas ilhas Galápagos, que é o mais famoso, no final do livro. Mas todas as ideias dele começam de fato a serem desenvolvidas na Patagônia. A Patagônia foi uma escola para Charles Darwin. 


"Esse é um trabalho que eu quero muito compartilhar com a sociedade, pra que o conhecimento não fique restrito" / Foto: Fabiana Reinholz

BdFRS - Que interessante isso, porque é uma informação que não se tem muito. É uma informação que quem estuda Charles Darwin pode ver, mas não é uma informação que se tem para o público leigo. 

Márcio - Isso é fascinante, eu me considero um leigo, porque eu não sou biólogo, eu não sou geólogo e todas as publicações que eu tenho buscado têm essa ênfase, ou na biografia do Darwin, ou nas suas ideias geológicas, paleontólogas e biológicas. E não é o meu caso, realmente. Por exemplo, teve uma instituição na Inglaterra que me enviou um documento de coisas que eles gostariam que eu fotografasse, e eu falei para eles: eu não vou fotografar espécies selvagens, eu não vou fotografar isso, eu vou fotografar o olhar do jovem Charles Darwin, aquele que está descobrindo o mundo, porque eu sou um leigo. Eu quero levar isso que me fascinou, essa história eu quero compartilhar com os leitores, para que eles também fiquem fascinados e venham a descobrir as ideias que ele deixou. 

BdFRS - E o que que te levou, qual o teu interesse nesse trabalho? Porque o teu último trabalho foi as fotos dos Lanceiros Negros, que também tem um ineditismo, em que tu fotografou personagens atuais trazendo essa temática. O que que te leva a pensar e elaborar os teus projetos? 

Márcio - Primeiro a curiosidade infinita, segundo o fato de que eu gosto muito de exploração. Eu faço parte do Explorers Club, faço parte do National Geographic Explorer. Então nossa função é justamente explorar as ideias que estão presentes no mundo, ou revisitar algumas dessas ideias. 

Darwin, por exemplo, é uma revisitação, é olhar novamente, tentar buscar aquilo que ele havia encontrado sob uma nova luz. A minha proposta, e que foi aprovada pela NatGeo, foi justamente trazer esse olhar que não estava sendo explorado. A gente entender quem era aquela pessoa, o que ele viu e o que foi deixado naquela região. 

Tem um segundo ponto importante, que é o mundo atual. Sempre existiu esse conflito entre ciência e religião, mas agora ele tem uma ênfase muito mais forte, praticamente os políticos hoje se debruçam muito mais a projetos com bases religiosas do que bases científicas. Isso se reflete na tomada de decisões, por exemplo, o desmatamento da Amazônia, mudanças climáticas.

Por que que é muito mais difícil para os cientistas convencerem os políticos? Porque eles estão sob pressões de ideias que partem da fé? Isso nos leva a má tomada de decisões. Eu quero ajudar fazendo uma divulgação científica, trazer a ênfase que a gente precisa dar na ciência para que a gente direcione as nossas políticas a tomadas de decisões inteligentes, e não baseadas em dogmas. 

BdFRS - E esse genocídio que tu falastes dos indígenas na Patagônia, que tem uma história fascinante também. A gente também viveu no Brasil, e na verdade continua vivendo. Tu pretende fazer esse paralelo? 

Márcio - Sim, pretendo, eu já trabalhei bastante na Amazônia, já fiz bastante trabalhos lá, tenho colegas trabalhando lá hoje. E a gente vê, são reportagens super importantes. Mas eu sinto que há uma falta no jornalismo, não na ciência, mas no jornalismo, de discutir essa relação sobre como documentar a história de um genocídio, por exemplo. A gente está sempre trazendo as imagens emergenciais, mas eu sinto falta por exemplo da gente trazer uma reflexão sobre o que já fizemos e que lições podemos trazer para que não se repita. 

Darwin traz, apesar desses textos discriminatórios que ele escrevia em seu diário quando tinha 22 anos, sobre os indígenas da Patagônia. Ele reconhece em diversos parágrafos a inteligência desses indígenas, a capacidade que eles tinham de comunicação incrível, aptidões físicas que ele jamais tinha visto, principalmente. Por exemplo, ele dizia: os indígenas da Patagônia são capazes de enxergar como se fosse um telescópio, nossos marinheiros nunca conseguiam enxergar da forma que eles enxergavam. E todas essas lições foram sendo perdidas, porque não tivemos a capacidade de dialogar para aprender com eles também. A gente vai perdendo esses valores, por exemplo, o que os Yanomami poderiam estar nos ensinando? 

BdFRS - Tu tá partindo agora final de fevereiro, após o carnaval, dia 27 de fevereiro. Então vai ser todo o mês de março e metade de abril? 

Márcio - Exatamente, eu estou voltando a Porto Alegre em meados de abril. 

BdFRS - E tem uma previsão pra divulgação desse material? Vai ser na National?

Márcio - Vai ser na National Geographic, aí fica muito a critério deles, eu acredito que ela vai ser publicada em 2024. Então vai ser esse ano trabalhando, fotografando em campo, escrevendo, eu também vou escrever a reportagem, e acredito que eles devem publicar isso apenas em 2024. 

BdFRS - E nós vamos ter algum gostinho durante a viagem? 

Márcio - Isso é um tema que eu estou discutindo com eles. Com certeza quem me seguir no Instagram vai ver bastidores da expedição. Mas o material que vai ser publicado, isso é exclusividade da NatGeo. Aí é com eles, é a primeira vez que eu trabalho com a National Geographic Society lá nos Estados Unidos. Eu eu ainda estou aprendendo como que funciona o critério deles para definir a publicação. 

BdFRS - Alguma outra informação que tu gostaria de trazer? Que tu acha importante? 

Márcio - Esse é um trabalho que eu quero muito compartilhar com a sociedade, para que o conhecimento não fique restrito e que desperte a curiosidade das pessoas nisso. Eu estive na Patagônia algumas vezes, a última foi em outubro do ano passado, eu fui fazer o primeiro teste de campo dessa reportagem. Antes de sair daqui, de carro, eu fui até lá de avião para fazer alguns testes, algumas locações, para saber se o que eu estava imaginando para o projeto iria funcionar, e eu vi que funciona.

*Com a colaboração de Fabiana Reinholz


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira